No quarto e último dia de Web Summit despedimo-nos de uma conferência mais focada em discutir os desafios que o desenvolvimento tecnológico nos coloca do que em celebrar as suas potencialidades. E se alguns destes desafios estão já identificados, faltam respostas capazes de lhes fazer face.

Ev Williams, a quem coube protagonizar a última conversa nesta terceira edição da Web Summit em Lisboa, diz-se “otimista” e lembra-nos que o mundo avançou tão depressa nos últimos 30 anos que é normal que não tenhamos todas as respostas. Mais, o co-fundador do Twitter e atual CEO do Medium acredita que a tecnologia é capaz de trazer soluções para os problemas que ela própria coloca.

Mas o que escasseia em respostas, sobeja em debate. Políticos, empresários, empreendedores, reguladores, cidadãos — todos envolvidos na reflexão, todos chamados a assumir responsabilidade sobre o caminho a percorrer.


Web Summit 2018. O último dia em imagens


Concretizemos.

Não se coloca um travão na tecnologia, porque progredir e inovar não deve ser encarado como uma “falha”, salientou esta quarta-feira Martin Kern, diretor interino do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia. Mas também não se pode deixar ninguém para trás.

Num painel dedicado à temática do emprego, Luca Visentini, secretário-geral da Confederação Europeia dos Sindicatos, fez questão de nos lembrar que “é óbvio que as pessoas que receiam que o seu trabalho esteja em risco [devido à automação e à aplicação de Inteligência Artificial nas mais diversas áreas] não estão aqui [na Web Summit]. Não podemos dizer simplesmente às pessoas que trabalham nos setores tradicionais, nas minas ou no setor automóvel, que não se preocupem”. E aqueles que integram hoje, por necessidade ou por opção, a gig economy [trabalho temporário, freelancer] não devem ficar desprotegidos. “Precisamos de empoderar as pessoas porque não têm capacidade negocial coletiva para reivindicar remunerações, da mesma forma que precisamos de garantir que têm igual acesso a serviços de saúde ou de proteção social [pensões ou subsídio de desemprego]”, exemplificou.

Para que ninguém fique para trás é preciso muito dinheiro, diz Visentini, e aponta dois caminhos: as empresas têm de se responsabilizar por capacitar os seus trabalhadores para as novas funções, e os governos têm de ter respostas para aqueles que forem incapazes de se adaptar ou ficarem desprotegidos nesta nova economia.

Menos crítica, Holly Liu, da Y Combinator, lembra que há cinco anos não existiam condutores de Uber, aproveitando o exemplo para salientar que se há empregos que se perdem, outros tantos são criados. “E aqueles que forem mais flexíveis, mais capazes de se adaptar, serão vencedores”, acrescenta Kevin Johnson, CEO da Udemy. Isso significa que temos de aprender a programar para vencer o algoritmo? Talvez, mas significa sobretudo que esta é uma oportunidade de olhar para dimensões do trabalho em que a Inteligência Artificial é incapaz de nos substituir, nomeadamente ao nível das soft skills, ou seja, competências subjetivas que melhoram o desempenho profissional, e que se manifestam sobretudo em atitudes e comportamentos. A par, defende, é preciso “aprender a aprender” — ou nas palavras de Holly Liu, “perceber o processo em vez de decorar a receita”.

Do trabalho para a saúde, outro exemplo.

Se por um lado “a robótica veio alterar profundamente o campo das cirurgias”, tornando alguns procedimentos menos invasivos e conseguindo até uma “redução total” das tremuras das mãos de um cirurgião, como exemplificou Dorry Segev, médico e professor na universidade norte-americana Johns Hopkins, por outro há cada vez mais receio de que a tecnologia se torne viciante, e as lojas de aplicações estão cheias de ‘soluções’ que prometem melhorar a nossa saúde sem que a sua verdadeira eficácia esteja provada e sem eventuais efeitos colaterais estudados. Não devem as plataformas detentoras destas lojas responsabilizarem-se por fazer uma curadoria e distribuir apenas aplicações cujos benefícios para a saúde estejam comprovados? Não devem as empresas tecnológicas que promovem estas soluções ser obrigadas a conduzir estudos ou a partilhar os seus dados para serem avaliadas ou reguladas por terceiros? As perguntas foram deixadas por Dame Til Wykes, professora de psicologia clínica de reabilitação no Kings College, em Londres.

E o jornalismo, está morto?

À parte da provocação, há quem o considere muito doente — e a culpa não é só das redes sociais ou dos gigantes da tecnologia. Sim, a viralidade dos conteúdos é um negócio muito lucrativo, como salientou nesta quarta-feira David Pemsel, CEO do The Guardian Media Group, e há um trabalho a ser feito do lado das plataformas para valorizar conteúdo de qualidade. Sim, plataformas como o Facebook, com 2 mil milhões de utilizadores, devem ser responsabilizadas quando partilham notícias falsas capazes de mudar o rumo de uma eleição ou incitar à violência. Mas o jornalismo precisa de ser mais transparente e aprender a criar comunidade — porque com transparência vem a confiança, e com confiança vem a sustentabilidade.

"Neste tempo em que os meios de comunicação social são acusados de ser o inimigo do povo [numa referência a insinuações recentes de Donald Trump], acho que ajudaria muito se o jornalismo fosse mais transparente. A maioria dos leitores não conhece o processo que permite providenciar informação de qualidade. A confiança é a nova moeda", notou esta quinta-feira Liam Proud, colunista da Reuters. Por outro lado, acrescentou, "os publishers negligenciaram um pouco a criação de comunidade em torno da sua marca", salientando a importância de colocar "as pessoas a falarem umas com as outras e com jornalistas", e de aproveitar espaços como a zona de comentários dos sites para promover "melhores conversas" — quem sabe conversas que defendam a democracia.

De volta a Ev Williams, fundador do Medium, este deixa um desafio: é tempo do setor dos media e do setor da tecnologia deixaram de andar separados — "não precisamos de ter um domínio do algoritmo, mas também não precisamos de promover um ambiente em que só alguns têm voz. Eu vejo um mundo melhor no dia em que os media abraçarem mais profundamente a tecnologia".

Trabalho, saúde, informação. São apenas exemplos. A tecnologia não está apartada da sociedade, afeta todas as dimensões da vida, e o debate está vivo e recomenda-se. Foi isso que a Web Summit trouxe a Lisboa nesta edição.

Antes de subir ao palco principal desta conferência para a sessão de encerramento, Marcelo Rebelo de Sousa foi ouvir testemunhos de refugiados residentes em Portugal, “heróis do quotidiano”, como lhes chamou na Fundação Calouste Gulbenkian. E talvez seja do presidente o melhor resumo do que está em causa:

“[Na Web Summit] estão os grandes patrões das grandes empresas multinacionais, estão os líderes da ciência e da tecnologia, estão alguns dos que mandam no mundo ou por lá passaram, alguns que são influentes no mundo da economia e dos negócios. (…) Estão lá os jovens com as suas startups a arrancar. E, portanto, é o mundo, como se diz agora, do 'glamour'. Da festa, da inovação, da criatividade, do futuro, das boas notícias, da mudança virada para o futuro", descreveu. Mas, perante uma plateia composta por refugiados e alunos de escolas da região de Lisboa, acrescentou: "No entanto, as sociedades são feitas de pessoas de carne e osso. De que servem essas tecnologias se não servirem as pessoas de carne e osso? São muito importantes, se servirem. São pouco importantes, se não servirem". Quando finalmente subiu ao palco na Altice Arena, agora perante “pioneiros, líderes, do presente e do futuro”, Marcelo pediu que “não se esqueçam do resto da sociedade”.

“Por favor, ajudem a criar um mundo melhor”, pediu o Presidente da República.

Avancemos, então, conscientes e em consciência. Que o medo não nos paralise.