Quando o canal de História anunciou, em 2012, que “Vikings” seria a sua primeira série original de ficção, poucos imaginavam que teria um impacto tão grande. Apesar de ser a altura em que “Game of Thrones” estava a ganhar popularidade na HBO, bem como o interesse por conteúdos com um ambiente medieval, havia o receio de que a gerações mais jovens não fossem prestar atenção a uma série presente num canal que não era propriamente o mais fácil de passar pelos nossos olhos durante um “zapping”.
“Vikings” acabou por ser um sucesso e introduzir os antepassados desta cultura a uma audiência mundial, que se agarrou à série durante seis temporadas. A “Era Viking” decorreu entre os séculos VIII e XI e foi um período em que povos pertencentes ao que hoje são a Dinamarca, a Suécia e a Noruega decidiram navegar rumo a outros territórios como Inglaterra e França em busca de glória e novas riquezas. Algumas das mais famosas investidas foram lideradas pelo herói Ragnar Lothbrok e pelos seus descendentes, que contribuíram para que os vikings passassem a ter uma influência grande em toda a Europa e não só na Escandinávia.
A série do canal de História, como é habitual neste tipo de projetos, deu-se a algumas liberdades criativas e mexeu com a linha temporal de algumas personagens e de alguns lugares, em favor de ter uma narrativa mais interessante, mas vamos admitir que a essência do era ser viking neste período ficou bem representada. “Vikings”, mais do que um enredo sobre brutamontes a distribuir pancada de território em território, dá-nos um olhar mais profundo sobre este povo. Em muitos sentidos, eram um povo mais avançado do que a época em que vivia, fosse pela existência de alguma democracia na forma como as suas sociedades eram governadas (as mulheres tinham direitos sobre propriedade, por exemplo), fosse pela sua inteligência marítima, que fazia com que os seus barcos fossem capazes de fazer viagens que outros exércitos europeus não conseguiam.
Mas não vos vou enganar. Obviamente que o que me atraiu mais em “Vikings” foram as cenas de guerra, a carnificina e uma componente visual muito forte quer destes ambientes violentos, quer das próprias regiões por onde estes guerreiros iam passando. Estes elementos combinados com um conflito de fé (deuses nórdicos vs Cristo) presente nas relações entre todas as personagens davam à série uma camada mitológica e ética muito gira de acompanhar e que estava praticamente no centro de todos os acontecimentos.
Se era digna de um Emmy ou Globo de Ouro? Provavelmente não, mas ao longo das diferentes temporadas valeu sempre pelo seu todo e por ter uma abordagem diferenciadora a um período histórico que não estava tão representado na televisão ou no cinema. As temporadas não são todas de igual qualidade e acho que há, mais ou menos, um acordo geral de que a coisa começou a piorar no final da quarta temporada, quando começou a haver uma maior rotatividade de personagens importantes, digamos assim. A série chegou ao fim no início de 2021 e, durante uns meses, pensei que ia ficar arrumada numa plataforma de streaming qualquer para os mais saudosistas ou para quem quisesse descobri-la nos próximos anos.
No entanto, a Netflix teve uma opinião diferente e, umas semanas mais tarde, anunciou que estava a preparar uma espécie de reboot que iria decorrer 100anos depois dos acontecimentos da temporada final de “Vikings”. Esse novo projeto chama-se “Vikings: Valhalla” e chegou ao serviço de streaming na passada sexta-feira com oito episódios para fazer binge. Portanto, claro que me pus a ver e a tirar notas.
Primeiro, a série começa com um decreto do rei de Inglaterra de exterminar todos os vikings em território britânico. Com o passar das décadas, o povo nórdico tinha conquistado uma influência maior na região e tinha adaptado alguns costumes anglo-saxões, nomeadamente, a língua inglesa e (em muitos casos) o cristianismo, e a família real decidiu acabar com isso. Poucos sobreviveram e os que se mantiveram vivos voltaram à terra-mãe para preparar um plano de vingança.
Perto de Kattegat, cidade portuária norueguesa, onde já se desenrolava grande parte da ação de “Vikings”, o Rei Viking Canute, com a ajuda do príncipe Harald da Noruega, tem a tarefa complicada de reunir um exército nórdico, no qual agora há uma divisão quase repartida entre cristãos e pagãos, que não têm muita vontade de lutar lado a lado. Contudo os desafios não ficam por aqui. Da Gronelândia também chegam dois irmãos, Leif Erickson e Freydis, à procura de outro tipo de vingança, não dos ingleses, mas de um viking cristão, que aterrorizou a sua terra. Ora isto, não contribui muito para a unificação de um povo que quer combater um inimigo comum e é um tema que é explorado ao longo de toda a série.
“Vikings: Valhalla” não procura afastar-se muito do seu antecessor e na maior parte das vezes usa as mesmas estratégias narrativas às quais já estávamos habituados. De certa forma, temos novas personagens num terreno familiar, literalmente e metaforicamente. Por um lado, isso é bom porque é uma receita que resulta e a própria série, inclusive, não se esquece de criar associações e menções às figuras originais como Ragnar, Bjorn, Lagertha ou Rollo. Por outro lado, atualmente, já existem muitas mais séries como esta. Só na Netflix há séries como “The Last Kingdom” (com 5.ª temporada a chegar), “The Witcher” ou “Outlander”, que diminuem a probabilidade de estarmos a olhar para um conteúdo super inovador. Mas, se calhar, isso também não interessa muito.
Agora, temos um novo herói em Leif Erickson (ler mais aqui) cujo impacto na História viking justificou a encomenda de três temporadas desta série por parte da plataforma de streaming. Continuamos a ter guerra, continuamos a ter carnificina e continuamos com uma componente visual muito forte que, mesmo já não sendo surpreendente, continua a ser melhor do que a média do que encontramos espalhado pelo streaming.
“Vikings: Valhalla” está atualmente em n.º 1 no top da Netflix em Portugal
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