A este ponto da história da humanidade, o que é um ano? Sei lá, sei que passa a correr — fora os dias em que custa muito a passar. Os limites do tempo parecem ter-se esbatido entre confinamentos, doses de vacina e vagas e mais vagas. Serve isto para justificar que numa lista de bons novos restaurantes abertos em 2022 não haja só bons novos restaurantes abertos em 2022, mas também um ou outro inaugurando em 21. Juro que no final de 2021, mesmo encostadinho a 22.
Quer o leitor saber disto? Está assim tão agarrado a datas? Parece-me que não. Até porque nestes 24 restaurantes, os pratos são feitos todos os dias, não foram feitos nem em 2021 nem na inauguração em 22. A cada dia e a cada semana, a mão tempera de um jeito refrescado, há uma ideia nova, e mesmo que se meça tudo milimetricamente e o prato saia sempre igual — se é que isso existe —, também o ambiente da sala faz o restaurante, muda-nos a refeição, faz tudo parecer novo. E é isto que nos importa.
Não toco mais no tema da novidade e de minudências como o data de nascimento das seguintes casas. Ao que interessa: são bons sítios para estar e para comer, mostram o que de melhor se está a fazer na restauração em Portugal, para todos os preços, para lambuzar e encher a cara ou para comer sem tocar com os cotovelos na mesa. No ano novo, neste que agora acaba ou no outro que há-de vir depois, espero que desfrutem.
1- Casa do Gadanha, Estremoz
O nome lembra um dos restaurantes imperdíveis em Estremoz, o Mercearia Gadanha, liderado pela chef Michelle Marques. Este é o seu irmão mais novo, nascido no piso térreo do hotel com o mesmo nome. A aura do hotel é evidente na oferta variada — há pizzas, massas, saladas — mas a beleza máxima deste restaurante está nos pratos tão criativos quanto gulosos, saídos das mãos de Ruben Trindade e Francisca Dias. Quem quer pizzas, quando pode ter uma couve grelhada com miso e stracciatella, um tártaro de mertolenga, a vaca alentejana, ou um camarão da costa com um divinal molho de manteiga? Eu não.
R. Vasco da Gama 6, Estremoz.
€€€
2 - Tia Tia, Porto
Tiago e Cátia são o Tia Tia. Ele na cozinha, ela na sala. Ele a fazer o melhor creme de nabo de que há memória para servir com carapau; ela a fazer pairings de vinhos naturais com discos de vinil. Ele a fazer um puré de banana de Madeira e caramelo de Porto para a sobremesa; ela a contar a estrangeiros e nativos do Porto a história deste bistro profissional em almoços e, às sextas e sábados, amante dos jantares. Cozinha criativa, ambiente descontraído: assim é o par de um dos restaurantes do momento a Norte.
Rua do Almada, 501, Porto.
€€
3 - Antiga Camponesa, Lisboa
Quero acreditar que André Magalhães não é o último taberneiro de Lisboa, mas será certamente o que mais faz pela história gastronómica da cidade — estudando, divulgando, servindo-a à mesa. Isso quer dizer que a sua recente Antiga Camponesa só tem pratos do receituário tradicional português? Não, mas soa e ressoa a Lisboa, por exemplo, no seu velho desejo por um fígado de porco ou de tamboril — pelas vísceras em geral. Depois da icónica Taberna da Rua das Flores, este é um restaurante mais formal de André Magalhães, com pratos elegantes, da abobrinha com requeijão às iscas com beterraba e batata frita.
R. Mal. Saldanha 25, Lisboa.
€€€
4 - Musa de Marvila, Lisboa
O imobiliário em Marvila está em convulsões e uma série de espaços que faziam o bulício do bairro mudaram-se. É o caso da Musa de Marvila (antiga Fábrica da Musa), que continua bem perto, junto à estação de comboio do Braço de Prata, agora numa rua estreita e pouco movimentada. Por causa deste cenário exterior é surpreendente entrar no bar espaçoso, com direito a sala de ping pong, terraço com baloiços e tanque para que as crianças refresquem as ideias. Sim, os miúdos são bem-vindos. Aliás, é aqui que os cozinheiros Pedro Abril e Tiago Lima Cruz soltam as crianças que há em si, através de hambúrgueres e kebabs abusivos, dignos de uma daquelas festas de aniversário de sete anos em que são admitidas sandes de cheetos. Parabéns a vocês.
R. do Vale Formoso 9, Lisboa
€
5 - Oldman, Porto
O Oldman, de Leonel Ribeiro, é tão versátil que só neste ano fez barbecue americano, hambúrgueres e fried chicken. O homem marinou, fumou e deixou a cozinhar por horas as carnes para os pulled pork (porco tenro e desfiado), philly steak (fatias finas e rosadas da alcatra) ou o mais conhecido pastrami. Os hambúrgueres e o frango frito são a sua nova aposta, no Oldman Burguer, acolhidos num pão brioche. Não sabemos o que o próximo ano trará a este Oldman, mas salivamos para descobrir.
R. das Taipas 1, Porto
€
6 - Raminhos Desserts, Lisboa
Jantar sobremesas não é só um sonho de crianças, é a proposta séria de Ana Raminhos. O seu menu inclui um par de saladas para quem acha a ideia inconcebível. Um conselho: ignore-as. A pasteleira gizou uma carta com diversos tons de doce, e cada criação sua merece ser olhada como um prato — não o docinho que encerra o certame. Entre o viciante gelado de sésamo preto, um doce de cogumelos ou um sempre obrigatório bolo de chocolate, o Raminhos Desserts consegue ser uma das experiências mais desafiantes e simultaneamente acolhedoras de 2022.
R. Pereira e Sousa 53B, Lisboa.
€€€
7 - Cavalariça, Évora
A boca abre-se ao admirar esta decoração, com as suas influências mouriscas, do sul do país e África, e continua aberta para deixar passar uma carta primorosa. O Cavalariça, que já tinha poisos na Comporta e em Lisboa, chegou agora ao Alentejo e mostra como a identidade da sua marca evolui com as locais por onde passa. Aqui prova-se a região nas mãos de Bruno Caseiro, com pratos delicados e indulgentes. São exemplo a tortilha alentejana, a babar-se assim que se trincha, a orelha de porco panada ou a raia grelhada e regada com molho ravigote.
Palácio dos Duques de Cadaval, R. Augusto Filipe Simões, Évora.
€€
8 - Adega do Zé Varunca, Estremoz
O nome é clássico para a cozinha alentejana e o que leva o Zé Varunca a estar numa lista de novos restaurantes em 2022 é ter aberto uma nova casa em Estremoz. É aqui, na terra natal, que o homem que dá nome ao restaurante está agora, na antiga Adega do Isaías, lugar na memória do cozinheiro e dos estremocenses. Com decoração ao estilo do restaurante da Grande Lisboa (agora em Paço D’Arcos) - com muita cor, madeiras e loiças pintadas - serve as múltiplas entradinhas e cozinha alentejana pura, a que sempre habituou os fiéis.
R. do Almeida 21, Estremoz
€€
9 - Potzália, Lisboa
Mesmo depois de famoso entre os perseguidores de comida em Lisboa, o mexicano Potzália mantém a aura de jóia secreta. Localizar-se numa loja de centro comercial obsoleto em Entrecampos ajuda. Num espaço com direito a uma dúzia de lugares, mandam Sandra Ruiz e o pozole, um caldo de milho tradicional, que serve de signo a este restaurante. De resto, os tacos são imperdíveis, provavelmente os mais autênticos da cidade. Nota forte para o de língua de vaca com salsa negra ou o de flor de hibisco.
Multicentro Entrecampos, loja 22, Av. Álvaro Pais 13, Lisboa
€
10 - Fermento, Sagres
O nome vem da paixão por fermentados dos quatro amigos italianos à frente deste restaurante. O Fermento está entre o bistro e o bar de vinhos naturais, à beira da Ponta de Sagres plantado, excelente para provar pratos criativos de ravioli, língua de vaca fria ou o pijaminha de doces da casa (incluem um sedoso creme de ovo e vinho madeira) e fazer uma pausa nos percebes e sandes de moreia frita a que a zona habitua.
R. de São Vicente, Sagres
€€
11 - Jardineiro do Rei, Vila Nova de Milfontes
Este é um daqueles vegetarianos de técnica requintada e carta sazonal, intimamente ligada ao que um fornecedor próximo, de São Luís, vai colhendo a cada semana. Instalado numa antiga escola primária, o cozinheiro, David Trueb, é bem capaz de ser o tal jardineiro, a julgar pelos pratos: um creme de nabo com óleo de coentros vertido sobre um gel de dióspiro, um mil folhas de batata acompanhado de jus da casca e o ácido-doce de umas folhas de couve kale, ou a bola de berlim com alho negro e tabasco. Parecem jardins.
Estrada das Furnas, Vila Nova de Milfontes
€€
12 - Aura Dim Sum, Lisboa
Uma brasileira, um espanhol e a paixão de ambos pela arte dos dim sums, pequenos saquinhos de massa recheados e fechados cuidadosamente: esta é a história do Aura Dim Sum. Estes dumplings fazem parte da cultura gastronómica chinesa e os detalhes da sua história são tão fascinantes quanto a sua delicadeza. Tudo isto é bem trabalhado neste projeto, que já foi um serviço de chef em casa, um serviço de delivery durante a pandemia, um pequeno restaurante na Bica. Agora tem uma casa de ambiente animado em Alfama, com direito a balcão.
R. das Escolas Gerais 88A, Lisboa
€€€
13 - Oitto, Lisboa
Entre os clientes do Frade (em Belém), os mais e os menos habituais, o arroz de pato ficou famoso: caldoso, generoso e temperado com uma sábia raspa de laranja. Foi uma das razões do sucesso do restaurante aberto em 2019, com cozinha dirigida pelo alentejano Carlos Afonso. O chef tornou-se famoso do grande público depois de aparecer nuns quantos programas de Cristina Ferreira, mas são pratos como o tal arroz de pato que me fazem pôr o Oitto, a sua nova cozinha, neste mapa. Em pleno Chiado, Lisboa, este é o restaurante para comer uma cozinha portuguesa sem surpresas, mas de técnica refinada — da ostra ao coelho de escabeche.
Lg. do Picadeiro, nº 8A, Lisboa
€€€
14 - 18.68, Lisboa
Este bar de decoração requintada num dos hotéis de luxo da capital, o Bairro Alto Hotel, foi noutros tempos a casa da Real Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Lisboa: 1868 é o ano da fundação. Apesar da homenagem do nome, não se espere um lugar temático. O único fogo aqui é o do maçarico, constantemente em ação para preparar alguns dos petiscos de uma carta em constante mudança. As estrelas maiores são os cocktails de autor, mas não se sai daqui sem provar comida em miniatura digna de fine dining, como o rissol de carabineiro ou a tartelete de leitão à bairrada.
Lg. Barão Quintel, Lisboa
€€
15 - Tasca Baldracca
Música alta, as vozes das mesas cheias ainda mais altas, espaço apertado e muitos pratos por metro quadrado: assim é a Tasca Baldracca, uma taberna na linhagem da Taberna Sal Grosso ou do Velho Eurico, que têm conquistado corações e estômagos em Lisboa. A comida está na mesma senda. São pratos para partilhar, apetitosos e que aqui têm uma certa ginga ibérico-brasileira — veja-se o belíssimo tártaro acompanhado de uma tosta de massa de pastel de vento, o leitão crocante com salada de laranja e funcho, o pastel de vento recheado com berbigão ou polvo — ou o que der na cabeça de Pedro Monteiro, homem do leme. É olhar para a ardósia, ver o menu do dia e rezar ao lema pichado na outra parede: “fine dining is dead”.
R. das Farinhas, 1, Lisboa
€€
16 - Royale Pão Paixão, Porto
A começar pelo "sourdough", as padarias de fermentação lenta (que se atrevem a fazer pão só com farinha, água e sal) estão cheias de palavras e pães que há 10 anos eram estranhos a uma padaria. Na Royale Pão Paixão prova-se que é possível fazer o popular pão de água ou o pão de mistura com uma fermentação natural, sem pózinhos mágicos. A isto juntam-se covilhetes, bolos de arroz e concedem uma dose homeopática de estrangeirismo ao brownie e ao cinnamon roll. É igualmente um ótimo poiso para almoços rápidos e reconfortantes: quem diz que não a um mac & cheese com couve flor?
R. de Guerra Junqueiro 634, Porto.
€
17 - La kebaberie, Lisboa
No pão ou numa taça, esta janela de take away serve os seus recheios de kebab generosos e deliciosos, com uma carne bem temperada, com toda a variedade de molhos (picante, mel e mostarda, iogurte) e extra-queijo, se for preciso. Para que este seja tudo o que se espera de um kebab, falta-lhe estar a uns metros de uma daquelas discotecas de onde se sai entre as quatro e as seis da manhã, sedento de pão, gordura e uma cama. Está, pelo contrário, perto da loja do cidadão do Saldanha, onde muitos fazem fila por essas horas — também serve.
Avenida Casal Ribeiro, 26 A, Lisboa.
€
18 - Crescente Padaria Artesanal, Sta Maria da Feira
A onda da fermentação natural já tinha molhado muita coisa, mas ainda não a fogaça de Sta Maria da Feira. A Crescente resolveu o assunto e faz estes pães apenas ligeiramente doces, de torres imponentes e inchadas. Os princípios da fermentação natural e das receitas sem aditivos são também aplicados aos croissants leves mas gulosos, às broas de milho amarelo ou de milho e centeio (raras nesta leva de “novas padarias”), ou aos pães de forma.
Rua Central Chousa de Cima n°1006, Fiães, Sta Maria da Feira.
€
19 - Nadi, Lisboa
A pouco e pouco, Lisboa vai conhecendo o que se passa nas mesas da Geórgia e o Nadi Bistro é a mais recente página desta história. Esta gastronomia é interseção de influências asiáticas, do norte de África e da Europa, consegue ser delicada ou intensa e fundamentalmente reconfortante, com o seu mais conhecido katchapuri, um barquinho de pão e queijo derretido, às vezes enriquecido com uma gema de ovo. O bistro Nadi prova que há mais ícones a ovacionar na Geórgia: os khinkali, saquinhos de massa recheado com carne e caldo, ou o shkmeruli, um estufado de frango com um molho rico, de natas e alho.
R. São Filipe Neri 21, Lisboa.
€€
20 - Seiva, Leça da Palmeira
Como o de um missionário, o trabalho de David Jesus é pregar e converter omnívoros a fazer uma refeição vegetariana. No Seiva não é difícil convencer os mais cépticos, e o primeiro argumento é o entusiasmo que o chef põe no serviço de sala, na forma como apresenta a carta a cada mesa. O segundo e final argumento é mesmo o sabor e a riqueza de cada prato. Da abóbora assada com baunilha e caril ao barbecue de cogumelos, tudo tem técnica, trabalho e criatividade. Pontos extra para o arroz de feijão com peixinhos da horta, que prova que o vegetarianismo está nos cadernos de receitas das avós.
R. Sarmento Pimentel 63, Leça da Palmeira
€€
21 - Escama, Faro
Entrar no Escama ou na praça é mais ou menos igual: na banca estão os peixes do dia deitados no gelo, com o preço por quilo. Aqui não lhe dão, no entanto, o trabalho de os cozinhar. Perguntam-lhe como quer comer a dourada, o salmonete, a lula, a bica, o peixe agulha ou o sargo. Pode ser num tártaro, pica-pau, frito ou alimado — ou mesmo tudo isto feito a partir de um mesmo peixe. Basta escolher um dos grandes.
R. Conselheiro Bivar, Faro.
€€
22 - Pausa & Crescente, Lisboa
Um dos mais interessantes restaurantes italianos em Lisboa abriu uma charcutaria e uma padaria de focaccias — devemos chamar-lhe focacceria? Seja. Têm a esquina da Rua da Cozinha Económica com a Rua de Cascais por sua conta e é o sítio para a visitar se, pela zona de Alcântara, a meio da tarde, há fome de uma sandes gorda, numa daquelas focaccias que se derrete na boca. Como dizem no Pausa & Crescente: cheira bem, cheira a Itália.
R. da Cozinha Económica, 8, Lisboa.
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23 - Pentagon, Lisboa
Uma israelita e um português entram num bar. Perdão: num café. O resultado é o gaveto de um prédio da Penha de França cheio de Médio Oriente: há uma versão vegan do arais (uma sandes de carne e tahini) e um honesto borek (uma espécie de folhado de batata, queijo ou espinafres). Pouco elaborado, é a esponja ideal para um molho de ervas com bastante alho, o tahini ou um molho cru de tomate. Uma refeição despretensiosa a que se juntam as mais viciantes bolachas de tahini e um bom expresso.
R. Martens Sarmento 50, Lisboa.
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24 - Quattro Teste, Lisboa
Neste bar da zona do castelo, a sidra serve-se ao estilo basco: com o copo a um metro de distância da torneira da pipa. Assiste-se a este espetáculo espanhol com um copo de prosecco na mão, porque o Quattro Teste é uma mistura de bar basco e italiano. Estão lá os cocktails clássicos, como negroni, mas também criações maravilhosas, como o Angelo Azurro, cocktail servido com uma bolha de fumo no topo. Nada disto se bebe sem qualquer coisa para trincar: há petiscos (pintxos, à basca) onde não faltam os ovos rotos ou a ácida, picante e salgada Gilda (palito com azeitona, pickle e anchova) — mesmo a pedir mais um golinho.
R. de São Cristóvão 32, Lisboa
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