É uma pequenita alegre, a mais alegre de três irmãos. A filha do meio. Chama-se Maria e a história de quando for grande, contada por si e escrita com a ajuda da mãe, vai amanhã a cena, pela Companhia Brincar ao Teatro, do Centro Nuno Belmar da Costa, formada por actores também com paralisia cerebral.
Esta é uma história real, feita de gente corajosa e de muita persistência. Porque as coincidências não existem - ao contrário dos finais felizes. Esta conta-se em poucas linhas.
Era o segundo filho e ia ser um parto como outro qualquer. O bebé que os pais e o mano Lourenço tanto desejavam estava pronto para nascer. Já na maternidade, a mãe recebeu uma injecção de ampicilina que lhe provocou um choque anafilático, uma reacção alérgica que a impediu de respirar. Sem oxigénio, o bebé ficou em perigo.
Os primeiros exames revelaram a paralisia cerebral e o cenário traçado pelos médicos foi desolador: a Maria poderia estar muito comprometida em termos cognitivos e, provavelmente, nunca viria a andar.
Nada melhor do que fintar tudo e todos. A Maria tem oito anos e está hoje na segunda classe, com um currículo adaptado, no Colégio Valsassina. Demorou mais a andar, a falar, a brincar, mas muito cedo se percebeu a sua alegria. Não foi tudo fácil: muitos meninos olhavam para ela e não entendiam porque não era igual a eles. Sobretudo, muitos adultos olhavam-na de esguelha e não sabiam explicar aos filhos a razão da diferença.
Foi então que Teresa, a mãe, teve uma ideia: escrever um livro para crianças a explicar o que é a paralisia cerebral. Estávamos em 2011 e teve tanto êxito que já faz parte do programa "Ler +". Melhor, acaba de ser editado em Espanha e está neste momento a ser avaliado para o plano nacional de leitura espanhol. E em breve será editado na Argentina.
Tanto sucesso teve o livro "Maria, a Alegria na Diferença" que deu uma peça de teatro, em cena em 2012. As receitas das vendas foram na íntegra para a Associação Sorriso da Rita, que com o dinheiro já conseguiu pagar os estudos de quatro jovens com paralisia cerebral e distribuir computadores por um sem número de crianças. Mas não acaba aqui.
Este ano, o Centro Nuno Belmar da Costa faz 35 anos e, para celebrar, desafiou Teresa a escrever uma peça sobre o futuro de Maria. E foi a própria Maria quem explicou o que queria ser quando fosse grande: veterinária. Muitas conversas e alguma imaginação depois, chega amanhã ao Teatro Eunice Muñoz a peça "Maria, a Alegria Cresceu". Que também traz muitas surpresas.
Em meia hora, um grupo de actores com paralisia cerebral conta a vida de uma criança com paralisia cerebral, que cresce e, apesar de todas as contrariedade e contra todas as dificuldades, consegue realizar os seus sonhos. É uma história de vitória e nem tudo é teatro.
"Desenrasquem-se, mas vão ter de encontrar um cão perneta"
Como Maria quer ser veterinária, o enredo mete um cão: Bowie. Só que o cão da história tem um acidente e perde uma pata. Durante os ensaios, a directora técnica do Centro Nuno Belmar da Costa, Odete Nunes, preveniu os nove actores: "Desenrasquem-se, mas vão ter de encontrar um cão perneta". Mimi levou as coisas muito a sério e foi procurar no Facebook. Felicidade total, um centro em Elvas tinha um cão sem uma pata e o processo não parou mais. Agora, Belchior é um cão-actor e como foi amor à primeira vista, acabou adoptado pelo centro. Afinal, a realidade supera sempre a ficção e também nas coisas boas.
Nesta altura, o centro procura uma forma de pagar uma prótese para Belchior. "Mas nem sabemos bem quais são as suas necessidades", explica Odete Nunes. Para já, Belchior está bem integrado e gosta dos seus novos donos e do hobby que lhe arranjou. O resto virá entretanto. Porque o teatro nem sempre é fiçcão. "Se esta sessão correr bem, o objectivo é realizar outras e até levar o espectáculo pelo país, dando a conhecer a todos o que é viver com paralisia cerebral com uma nota positiva, a de que também é possível ultrapassar obstáculos e ser feliz". Por cinco euros, este sábado, às 21 horas.
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