"A Guerra", editado em 2018 com texto de José Jorge Letria, soma uma série de prémios e distinções internacionais, às quais se junta o Prémio Nacional de Ilustração, que André Letria ganha pela segunda vez.
O livro tomou-lhe três anos de trabalho, ainda que com interrupções, porque o tempo criativo dedicado à ilustração e ao desenho é repartido com a edição, no projeto editorial Pato Lógico, fundado em 2009, em Lisboa.
Com edição prevista em inglês, francês, italiano, polaco, coreano e chinês, o livro é uma narrativa visual, com uma linguagem cinematográfica, com um imaginário que convoca a ideia de guerra e com espaço para o leitor se interrogar sobre o tema.
"É a história de vontade poder, da vontade de controlo, de aniquilar o que é diferente, o que não interessa, o que são obstáculos a esse poder", explicou.
No livro está representado "alguém que tem desejos de domínio total, um retrato que pode ser aplicado a figuras dos anos 1930, mas também àquilo que vemos que acontece na Europa de Leste, na Hungria na Polónia", alertou.
Por isso, entende que "A Guerra" - destinado a todos os leitores -, é contra o esquecimento.
"O esforço de nós praticarmos o exercício de memória é posto de lado por causa destas nossas vidas superficiais. Tenho a sensação de que, de uma forma geral, estamos a ficar mais estúpidos. Não que tenhamos insuficiência mental. Estamos a distrair-nos e a desistir de aprofundar coisas, de investigar, de querer saber a origem dos assuntos, dos conflitos e dos problemas que nos afetam", sublinhou André Letria.
É no atelier da Pato Lógico, num espaço que até o final deste ano terá também uma galeria e um serviço educativo, que André Letria acumula material de trabalho, dezenas de livros, objetos e adereços, computador e vários cadernos de esboços para cada livro ilustrado.
O de "A Guerra" está preenchido com estudos de personagens, de paisagens, planos, enquadramentos em tons escuros, condizentes com o pessimismo da narrativa.
"Não gosto de associar a ideia de missão à arte, mas a arte é política. Sou ilustrador, tenho coisas para dizer e se as coisas que tenho para dizer forem coisas... se há mensagens que podem ser perturbadoras, se eu acho que há coisas que devem ser mudadas, eu uso a minha linguagem para que aquilo que eu faço possa ser um agente de mudança", defendeu.
Vinte e três anos depois de se ter estreado em "A teia de um segredo" (1993), de José Jorge Letria, André Letria, hoje com 46 anos, reconhece que a criação de um livro ilustrado sofreu enormes mudanças.
"Não havia a conceção dessa prática artística de colaboração. Fazer um livro que exigisse esse tempo de reflexão não fazia sentido, porque as ilustrações deviam aparecer para ilustrar, eram quase uma coisa decorativa", disse.
Hoje, o livro ilustrado é um objeto que põe em diálogo várias dimensões artísticas e que, no entender de André Letria, "deve exigir mais tempo do leitor".
"O livro é um objetivo. Fazemos, publicamos e sabemos que [os livros] terão a sua vida, objetos que circulam e vão parar às mãos das pessoas. Mas usamos como ferramentas de trabalho. E os livros, como têm espaços vazios que nós deixamos deliberadamente vazios, muitas vezes apresentamo-los como pontos de partida para a discussão. São pretextos para colocar perguntas", opinou.
André Letria receberá o Prémio Nacional de Ilustração, da Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas, no domingo no âmbito do Fólio - Festival Literário Internacional de Óbidos.
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