O prémio, anunciado oficialmente em janeiro deste ano, vai ser entregue à coreógrafa na próxima quinta-feira, dia 28, altura em que vai apresentar, na cidade italiana, o espetáculo “Bacantes – Prelúdio para uma purga”, estreado em abril do ano passado, no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa.
A entrega vai ser feita no final do espetáculo, de acordo com o calendário da Bienal, pelo secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado.
A atribuição do prémio não mudou a vida habitual da coreógrafa cabo-verdiana, que continua a manter os seus compromissos para apresentar espetáculos em vários países da Europa, como uma nova criação para a companhia israelita Batsheva, estreada no final de maio.
Ganhar o Leão de Prata, porém, “foi um motivo de muita alegria e celebração coletiva, porque é um prémio extraordinário”, disse Marlene Monteiro Freitas, à agência Lusa, quando entrevistada em Lisboa, no passado mês de fevereiro, onde mantém uma base, na estrutura cultural P.O.R.K, da qual é cofundadora.
Quando o galardão foi anunciado, foram muitas as felicitações, não só da família e amigos, mas também dos seus pares, na área da dança, e as oficiais, nomeadamente do Presidente da República de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, e do Ministério da Cultura de Portugal.
“Foi uma receção muito calorosa por parte de tantas pessoas”, recordou a coreógrafa de 38 anos, que começou a carreira como fundadora do grupo de dança Compass, em Cabo Verde.
Cresceu a ver o ‘poster’ de uma bailarina que a irmã, dez anos mais velha, tinha colocado no quarto, e ambas gostavam de dançar.
Marlene praticou ginástica rítmica entre os seis e os 13 anos, mas deixou este desporto porque não gostava do lado competitivo, e juntou-se a um grupo de amigos com quem começou a dançar e a criar coreografias, que deu origem à Compass.
Ao longo dos anos, foi conhecendo várias figuras da dança, bailarinos e coreógrafos, entre os quais também portugueses, como Clara Andermatt, que lhe começaram a fazer acreditar que seria possível viver da dança.
“Todas as pessoas com quem trabalhei influenciaram-me direta ou indiretamente”, apontou, acrescentando que também o seu trabalho vai beber a múltiplas influências, desde a música, ao cinema, à pintura ou à literatura.
Sobre o seu processo criativo, disse que começa por um tema, uma ideia, que vai pensando, primeiro sozinha, em estúdio. Depois relaciona várias referências, ‘afunilando-se’ para chegar à concretização final.
“Quando faço as peças, é um produto imaginário multifacetado que só termina com a projeção do público”, apontou a criadora, na entrevista, sublinhando que só estão ficam completas “com aquilo que vai sentir quem as observa”.
Os seus trabalhos, que combinam por vezes o drama e a comédia, têm sido elogiados pela crítica internacional pela expressividade e pela criatividade.
Na atribuição do galardão, a Bienal de Veneza de Dança destacou a “presença eletrizante e o poder dionisíaco” das suas produções, e considerou-a “uma das mais talentosas da sua geração”, que se interessa mais pela “metamorfose e deformação”, que “trabalha mais com as emoções do que [com] os conceitos, e que apaga as fronteiras do que é esteticamente correto”.
Face a esta avaliação do seu trabalho, Marlene Monteiro Freitas explica que lhe interessa “deformar algo para chegar a outra coisa”, e que, “para chegar a uma metamorfose, é preciso haver forçosamente uma transgressão”.
“O meu objetivo não é a transgressão em si, mas usá-la para atingir a metamorfose”, justificou a autora de obras como “Paraíso-coleção privada” (2012-13), e “marfim e carne — as estátuas também sofrem” (2014).
Outro aspeto importante nas motivações do seu trabalho – cheio de referências de várias áreas artísticas – é o lado emocional da peça coreográfica.
“Claro que a narrativa é importante, mas interessa-me mais ter uma relação emocional com o público do que o reconhecimento de uma história na coreografia”, apontou, sublinhando que dá também particular relevância à relação direta entre o bailarino e o público.
Marlene Monteiro Freitas foi uma das galardoadas com a Medalha de Mérito do Governo da Praia.
Sobre os apoios à dança – uma área que muitas vezes é descrita pelos próprios criadores como “o parente pobre da cultura”, em Portugal -, a coreógrafa sorri e diz: “Espero sempre que melhore”.
A forma que escolheu para concretizar os seus projetos passa pelas parcerias, e pelo trabalho internacional em rede, que considera fundamental, tendo trabalhado com Emmanuelle Huynn, Loic Touzé, Tânia Carvalho, Boris Charmatz, entre outros criadores portugueses e estrangeiros.
“Estou ligada a muitas pessoas que não vivem em Portugal. A natureza do trabalho artístico é de arriscar, e nunca sabemos como vai correr. Importante é ter parcerias e estabelecer uma relação de confiança”, salientou.
“(M)imosa” (2011), com Trajal Harell, François Chaignaud e Cecilia Bengolea, “A Seriedade do Animal” (2009-10), “Uns e Outros” (2008), “A Improbabilidade da Certeza” (2006), “Larvar” (2006) e “Primeira Impressão” (2005) são outras obras que criou.
Em Portugal, destaca o apoio dado por estruturas culturais como o Espaço do Tempo, em Montemor-o-Novo, dirigido por Rui Horta, o Festival Alkantara, o Maria Matos Teatro Municipal, o Teatro Nacional D. Maria II e o Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
A Bienal de Dança de Veneza abriu na sexta-feira, com a entrega do Leão de Ouro de carreira à coreógrafa norte-americana Meg Stuart, e encerra no próximo dia 01 de julho, com uma homenagem à coreógrafa alemã Pina Bausch (1940-2009).
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