Em entrevista à agência Lusa, a propósito do seu mais recente romance, “A Sociedade dos Sonhadores Involuntários”, uma sátira à atual situação política de Angola, o escritor mostra-se descrente em relação à sucessão de José Eduardo dos Santos.
O ministro da Defesa de Angola, João Lourenço, é o nome indicado pelo chefe de Estado e presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos, para ser o candidato do partido à Presidência da República, nas eleições de 2017.
Questionado sobre que Angola será a liderada por João Lourenço, José Eduardo Agualusa afirma ser cedo para fazer previsões, mas sabe o que gostaria, que é o mesmo de que gostariam as personagens do seu livro: “Ter um país com uma democracia real estável e com mais justiça social, no fundo é isso”.
Reconhece, porém, que “uma transição, num contexto de um regime totalitário, é sempre muito complicada e pode acontecer o que aconteceu em Portugal, em que Salazar morreu e Marcelo Caetano ficou pouco tempo, porque não tinha já a força que tinha Salazar”.
Uma situação de transição como esta é “preocupante, porque pode ser tentador para algumas pessoas aproveitar esse vazio de poder para tentar um golpe de Estado”, mas também pode ser “o contrário, uma oportunidade para os partidos da oposição e a sociedade civil avançarem e conseguirem fazer uma transição para uma democracia efetiva”.
A Angola a liderada pelo atual ministro da Defesa é assim uma incógnita para o escritor angolano, que, de qualquer forma, afirma sentir “que João Lourenço não ficará muito tempo, que será sempre um homem de transição para uma outra situação, que pode ser melhor ou pode ser pior”.
Sobre o facto de ter sido oficialmente assumido que José Eduardo dos Santos estava a fazer tratamentos de saúde em Barcelona e se isso poderia ter algum tipo de leitura, Agualusa considera que a transferência de poder está relacionada com o estado de saúde do presidente angolano.
“É evidente que (…) seria muita inconsciência [José Eduardo dos Santos] passar um mês em Barcelona a ver televisão, como sugeriu uma das filhas. Sabia-se que o presidente estava em tratamento e mesmo esta tentativa de transferência de poder tem com certeza muito a ver com o estado de saúde do presidente”.
“O problema é que não se fez tudo o resto, quer dizer, tinha que se preparar o país para uma verdadeira democracia, para uma verdadeira transferência de poder”, afirmou.
Mas a verdade é que o processo eleitoral não é credível, considera, sublinhando que, “neste momento, como estão as coisas, ninguém acredita, os próprios partidos da oposição têm vindo a denunciar irregularidades". "Não se percebe é por que também concorrem às eleições, sabendo que o processo está viciado desde o início”.
“Quer dizer, nós percebemos. Na realidade o que acontece é que esses partidos também estão reféns da situação, porque o regime encontrou maneira de tornar toda a população refém. Eles são reféns na medida em que dependem das casas, dos carros, dos empregos. Os próprios partidos políticos vão ao jogo, aceitam esse jogo, sabendo que é fraudulento, porque dependem dele”.
O escritor angolano questiona-se até quanto à manifestação convocada pela UNITA, para o próximo sábado, para contestar a forma como o processo eleitoral está a ser dirigido: “Mas por que é que concorrem às eleições?”.
“Ou então concorressem todos juntos, a CASA-CE e a UNITA. Faria muito mais sentido, até porque, com a Constituição atual, quem ganha, ganha tudo, porque ganha a presidência da República também”, sustentou.
“Neste contexto, os partidos não deveriam aceitar o jogo, esta fraude eleitoral, deveriam recusar concorrer às eleições e ir para a luta nas ruas, tentar uma luta não violenta para derrubar o regime, que é um regime não democrático”, defendeu.
Para Agualusa, há duas soluções possíveis: “Ou o regime aceita fazer uma transição para uma democracia real, com eleições justas, vigiadas apela comunidade internacional, ou não aceita e não se pode ser cúmplice desta trama. E eu acho que os partidos da oposição, indo a eleições, estão a ser cúmplices”.
Um possível movimento de contestação nas ruas, no dia da manifestação convocada pela UNITA, é uma ideia que não convence o escritor angolano, porque “até agora isso não tem acontecido”.
“Há dois partidos na oposição hoje e ambos estão um pouco em cima do muro: por um lado criticam, por outro não se atrevem a atirar a toalha ao chão”.
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