Diz-se que “caíram do céu” – o significado de Tchitundo-Hulo na língua local – e encontram-se a cerca de 130 quilómetros da sede do município do Virei, província do Namibe, sul de Angola, numa região desértica à qual se acede seguindo uma picada arenosa.
À volta, o cenário é cor de areia e o terreno seco e pedregoso. Alguns cabritos mordiscam arbustos raquíticos e são visíveis os ‘sambos’ (currais circulares fechados com ramos) dos pastores mucabais que ali habitam, invisíveis, mas vigilantes, sempre atentos aos visitantes.
“Aqui, ninguém pense que está sozinho, estão sempre a ver-nos. E ai dos forasteiros que venham visitar as grutas sem se apresentarem. Houve uns turistas que vieram visitar as grutas sem avisar, mas não os deixaram avançar e tiveram de voltar”, diz Paihama Catenga, responsável da área de cultura e turismo da Administração Municipal do Virei, que acompanhou uma equipa da Lusa ao local.
Não se sabe exatamente quem deixou os desenhos, nem porquê. Alguns assemelham-se a formas de animais, adivinhando-se peixes e tartarugas, outros são círculos e formas abstratas que poderão ser representações do céu e dos astros.
Os especialistas estimam que os autores tenham sido khoisan ou cuisses-tua, povos ancestrais que estavam já instalados no sul de Angola antes da chegada dos bantus, o grupo étnico maioritário no país.
O ‘soba’ Ananás, do Virei, diz que foram os seus antepassados, “há milhares de anos”, mas acrescenta que existem outras teorias.
“Alguns mais velhos dizem que não foi feito pelo homem, que é sobrenatural. Quando os brancos vieram até aqui e perguntaram quem fez, eles disseram: encontrámos já assim, veio de Deus, veio do céu”, explica o representante das autoridades tradicionais.
Até porque “as pinturas estavam tapadas e nenhum homem pinta para depois tapar”, argumenta.
O soba garante que antes o local era respeitado, seguindo as regras próprias dos mucubais, “mas a cultura atual já não segue os antigos”, acelerando a degradação pelo efeito combinado dos agentes climatéricos e da ação humana.
Os desenhos pré-históricos, que serão mais de mil, espalhados entre o interior das duas grutas e o morro granítico que constituem o complexo, começaram a ser estudados nos anos 1950 pelo geólogo português Camarate França.
Mas até hoje o seu significado mantém-se um enigma e a decifração pode nunca chegar a acontecer face ao risco de desaparecimento das gravuras, cujo acesso não é controlado e se encontram expostas à intempérie.
A gruta inferior (Casa Maior) é facilmente acessível e chegou a ter uma vedação, entretanto retirada pelas autoridades angolanas, que querem elevar o complexo a Património Histórico da Humanidade, já que a UNESCO exige acesso livre.
A retirada da vedação não agrada a Ildeberto Madeira, sociólogo e membro da Associação dos Naturais e Amigos do Namibe, que alerta para os riscos de destruição da arte milenar, sem uma proteção que as defenda.
“Estas pinturas têm mais de 2.000 anos, têm de ser preservadas”, apela, defendendo que o acesso deve ser controlado.
“Os bois chegam a todo o lado, entram por aí dentro, tocam com os chifres e destroem as pinturas. Estamos num sítio onde a vida dos povos são os bois. Andam por aí à vontade, os jovens podem entrar com as manadas em busca de pasto e os chifres estragam”, exemplificou.
Em alguns sítios, as gravuras aparecem já maculadas por inscrições contemporâneas e há também turistas e forasteiros que removem as placas de granito, que se soltam com facilidade, para levarem pinturas consigo.
“Tive informações que dão conta que os turistas partem placas de pedra para retirar as pinturas e levarem consigo, já que se retiram muito facilmente”, lamenta o especialista, já reformado.
Ildeberto Madeira salienta que o acesso à grutas ou património protegido noutros países é muito diferente e sugere que até poderia gerar receitas.
Também o responsável de cultura e turismo do Virei, Paihama Catenga lastima que o património não esteja protegido e concorda com a ideia de vedar o local.
Afirma até que já houve mais gravuras nas grutas, mas a erosão, as infiltrações e a escorrência de água e o desgaste do tempo não perdoam.
“Têm de ser protegidas mesmo”, exorta.
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