“O facto determinante de não termos o S. Carlos”, encerrado para obras de requalificação até finais de 2026, “automaticamente [impôs que tivéssemos] de andar à procura onde fazer concertos, pois não podemos dispor de uma casa nem programar como queremos, mas sim como podemos”, disse à agência Lusa o maestro João Paulo Santos, coordenador da comissão artística, constituída ainda pelos maestros da Orquestra Sinfónica Portuguesa (OSP), Antonio Pirolli, e do Coro do São Carlos, Giampaolo Vessella, em substituição da direção artística, que está vacante.
“Temos de ter palcos […], principalmente se falarmos dos concertos grandes, temos de encontrar palco onde caibam todos”, insistiu o maestro, lembrando que “existe já a clássica parceria com o Centro Cultural de Belém [CCB, em Lisboa], e o resto é tudo ali à volta”.
No edifício do Teatro Nacional de S. Carlos, a OSP utilizava três espaços: a sala principal para os grandes concertos, o salão nobre com uma orquestra mais reduzida e o ‘foyer’, onde se realizavam os concertos de música de câmara. Agora o desafio “foi encontrar locais que pudessem servir as mesmas funções”.
A maioria dos concertos realiza-se na Academia das Ciências de Lisboa, mas também no Palácio da Ajuda, em Lisboa, e noutros locais fora da capital.
Quanto à “arrumação de repertório”, João Paulo Santos disse à Lusa que os concertos que eram apresentados no salão nobre, assumem nesta temporada o título “Consonâncias”.
Estes concertos incluem a participação de um solista da OSP, de uma cantora lírica, e uma peça para orquestra apenas. “A lógica é mecânica, mas claro pode-se sempre encontrar ligações”.
António Leal Moreira, Harutium Dellallian, Sara Braga Simões, Edward Grieg, Gabriel Fauré, José Vianna da Motta, Antonio Vivaldi e Francesco Malpiero são alguns dos compositores programados no âmbito de “Consonâncias”, ciclo que também se realizará em Cascais, em local a anunciar, em Évora, no Teatro Garcia de Resende, e no Palácio de Queluz, nos arredores de Lisboa, além da Academia das Ciências, em Lisboa.
“Quanto aos restantes concertos, como vamos estar dispersos por diferentes palcos, procurámos arranjar umas linhas temáticas que orientassem a escolha de repertório. Duas delas são óbvias: os 500 anos de Camões e os 250 anos do nascimento do compositor João Domingos Bomtempo [que se completam em 2025]”.
Sobre Domingos Bomtempo (1775-1842), além da faceta de compositor e pianista, João Paulo Santos realçou a sua “grande atividade política e social”: “Um liberal que pensou em constituir uma orquestra [em Lisboa], baseado no modelo inglês das sociedades de concerto; e foi o fundador do Conservatório de Lisboa, com Almeida Garrett, o que só por si faz dele uma figura importante”.
A cantata “A Paz da Europa” será interpretada no próximo dia 3 de janeiro, no Teatro S. Luiz, em Lisboa, por Ana Franco (soprano), Rita Coelho (contralto), João Cipriano (tenor) e João Oliveira (baixo) sob a direção musical de João Paulo Santos, que acompanhará ao piano.
Esta cantata, datada de 1814, “foi um recado de Bomtempo ao rei D. João [VI] para regressar a Lisboa e deixar o Rio de Janeiro”.
Referindo-se a Luís de Camões (1524-1580), João Paulo Santos disse que “é o único poeta que atravessa os séculos, e que faz que todo e qualquer compositor o musique e faça coisas pessoais”.
O maestro realçou “outro grande poeta”, Fernando Pessoa, que “de certo modo determina um tipo de música, o que tornaria um concerto enfadonho, porque era sempre a mesma cor, digamos assim”.
Um outro tema da programação anda “à volta do ‘Fausto’, de Goethe, uma figura demasiado importante para todo o panorama artístico e de pensamento”, disse João Paulo Santos.
Outro será dedicado a compositoras: investigações têm revelado que “há imensa e excelente obra” de mulheres compositores e não apenas as mais conhecidas Fanny Mendelssohn, Clara Schumann e Alma Mahler, disse o maestro.
“Há tanta, tanta música escrita por mulheres e é uma pena não se conhecer”. Em termos de programação, “o único raciocínio” possível para João Paulo Santos foi “que disparate não conhecermos este repertório”, que tem assim atenção maior na programação do S. Carlos, através de nomes menos conhecidos.
Por fim, a “Guerra”, que “é uma triste realidade hoje em dia”, também não fica esquecida.
O maestro referiu a “obra maior” que é o Requiem, de Britten, a ser apresentado no próximo dia 18 de janeiro, no Teatro Camões, em Lisboa, pela OSP, sob a direção do maestro Graeme Jenkins, com os coros de S. Carlos e da Escola de Música do Colégio Moderno, e como solistas a soprano Sílvia Sequeira, o tenor Marco Alves dos Santos e o barítono André Baleiro.
João Paulo Santos evocou Alfred Owen, poeta com que Britten intercala o texto latino do Requiem: “O papel da poesia e de um artista relativamente à guerra é que pode e deve avisar as pessoas e fazê-las pensar; quem dera que todos nós pensássemos no porquê deste absurdo”.
No próximo 25 de janeiro, no Teatro Camões, em Lisboa, vai à cena “Cenas de Fausto”, de Robert Schumann, pela OSP, também sob a direção de Graeme Jenkins, e o Coro do S. Carlos, sendo solistas as sopranos Ana Quintans, Bárbara Barradas e Mariana Sousa, as altos Inês Constantino e Carolina Figueiredo, os tenores Leonel Pinheiro, Bruno Almeida e Sérgio Martins, e os baixos André Baleiro, Tristan Hambleton e José Corvelo.
“‘As cenas de Fausto’, de Schumann são um brilhante exemplo de como a obra de Goethe foi inspiradora”, afirmou o coordenador da comissão artística.
“Em todos os concertos há a preocupação de falar [sobre o programa], de uma forma didática”, concluiu João Paulo Santos, ressalvando: “Há que pensar que um concerto somos todos, nós, os músicos, e o público que ouve. Estas conversas não são para dizer ‘agora vou ensinar-lhes aquilo que não sabem’, a ideia não é esta, é da forma mais natural possível dar orientação a quem está na sala”.
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