Não surpreendentemente, “ler mais livros” é uma das resoluções de Ano Novo mais comuns – e também mais fracassadas (mas a taxa global de sucesso das resoluções é, em qualquer dos casos, baixa, inferior a 10% segundo dados de quem se dedicou a estudar o tema). Em 2015, o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, foi um dos que partilhou publicamente a sua resolução de Ano Novo de ler 26 livros – em contas redondas, um por cada duas semanas – e foi dando conta do seu compromisso ao longo dos 12 meses seguintes (no Facebook, claro).
Os clubes de livros ou de leitura são uma boa solução para quem se quer comprometer com a leitura, mas a verdade é que o resultado final ultrapassa a decisão de ler mais. Fazer parte de um clube de leitura – como de outro tipo de clubes – vincula-nos a outras pessoas e cria um hábito social que quebra com o isolamento, para quem está mais sozinho, e gera uma rotina fora da algazarra dos dias, para os que têm vidas muito intensas e preenchidas. Cereja no topo do bolo: ajuda a entender melhor o mundo dos outros e o mundo visto pela perspetiva de outros, o que nos tempos atuais é precioso.
Apesar de terem ressurgido na última década, os clubes de leitura estão longe de ser uma invenção do século XXI. Reza a história que o primeiro terá sido criado em 1634 por Anne Hutchinson, uma dissidente religiosa da Igreja Anglicana. Anne nasceu em Inglaterra e o pai foi preso duas vezes por afirmar que o clero anglicano era dominado por laços políticos e não por orientações religiosas. Em 1612, Anne casou-se com um comerciante chamado William Hutchinson e ambos tinham como hábito ir ouvir discursos de pregadores em comunidades próximas do lugar onde viviam. É assim que conhecem o reverendo John Cotton, de uma localidade chamada Boston (que daria depois nome à Boston americana), cujas ideias se aproximavam das do pai de Anne.
John Cotton decide ir pregar para a então colónia da Baía de Massachusetts, na América do Norte, e o casal Hutchinson acompanha-o. E é do outro lado do Atlântico que Anne começa a organizar todas as semanas um encontro em que juntava um grupo de mulheres para debater o sermão de Cotton e outras questões espirituais. O grupo alargou-se, os homens passaram a participar e Anne tornou-se ela própria uma pregadora. Podia ter sido uma história feliz, mas na realidade não foi bem assim. Anne acabou acusada de sedição por defender que os membros da Igreja Anglicana local ensinavam a religião com erros, foi levada a tribunal por isso e expulsa da colónia com a sua família. Os Hutchinson mudaram-se para Rhode Island onde se admitiam dissidentes religiosos e ali ficaram até à morte de William em 1642, Nessa altura, Anne voltou a mudar de colónia, desta vez para Nova Iorque, onde acabou por ser vítima de um ataque de índios do qual só uma filha escapou.
É esta a história que nos chega do século XVII, sendo muito provável que existissem outros grupos semelhantes, porventura até mais antigos – mas este chegou aos dias de hoje pela história da sua promotora.
No século XX, os clubes de leitura conhecem uma nova dimensão ligada ao comércio. Em 1926, também nos Estados Unidos, Harry Scherman lançou o Book of The Month, que enviava livros para casa das pessoas através de um modelo de subscrição. Cerca de 25 anos depois, em 1950, mais de meio milhão de lares faziam parte do clube. Já no século XXI, em 2015, o clube foi relançado, com um fórum online de discussão e em dois anos tinha mais de 100 mil membros (e cerca de 1,2 milhões de seguidores nas redes sociais). O Book of The Month tem na sua tradição a divulgação de autores pouco conhecidos a par com os mais reputados – um dos exemplos mais destacados foi com o livro “Gone with the Wind” (que deu origem ao filme com o mesmo nome, “E tudo o vento levou”) de uma autora, Margaret Mitchell, à época desconhecida.
Ainda no século XX, uma celebridade televisiva chamada Oprah Winfrey lançou o seu próprio clube de leitura, em 1996, como parte integrante do seu talk show televisivo. A notoriedade de Oprah permitiu que livros de autores pouco conhecidos se tornassem sucessos de vendas, à semelhança do que aconteceu, noutros moldes, com o Book of the Month. Mas também trouxe dissabores à apresentadora, como o que aconteceu com Jonathan Franzen que expressou publicamente o seu descontentamento pelo facto de o seu livro “Correções” ter sido uma das escolhas de Oprah. Em 2012, Oprah anunciou uma nova versão do clube de leitura, integrado já na sua rede e com presença nas redes sociais e em 2019 foi anunciado uma nova versão, desta vez na Apple TV.
A lista dos clubes de leitura é hoje muito diversificada, desde os de grande dimensão – como é o caso do Reddit Book Club, com 80 mil membros – até aos mais pequenos que se multiplicam nas comunidades, escolas e empresas.
No É Desta Que Leio Isto, clube de leitura que a MadreMedia promove em associação com O Primeiro Capítulo e o SAPO24, temos registado uma adesão crescente de membros e de pessoas inscritas nas sessões que todos os meses promovemos. Tem também permitido que conheçamos promotores de outros clubes de leitura – em 2022 fizemos já uma das sessões em parceria com podcast sobre leitura Livra-te, promovido por Rita da Nova e a Joana da Silva, e outras virão.
O clube está aberto à participação de todos os que gostem de ler, de livros e de discutir as histórias que nos trazem. É verdade que nos ajuda com a resolução de “ler mais”, mas mais do que isso torna-se um hábito que nos aproxima de outras pessoas – e esse sim parece ser o segredo por trás dos estudos que mostram que participar num clube nos faz mais felizes e por mais anos.
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