O rapaz cujas indagações o neorrealista Alves Redol ficcionou na obra “Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos” inspira agora o novo projeto teatral da companhia, com estreia marcada para sexta-feira, 3 de janeiro, na Oficina Municipal de Teatro.

“O teatro é um sítio onde nos confrontamos com outras possibilidades da realidade”, afirmou à agência Lusa Isabel Craveiro, encenadora do espetáculo e diretora artística do Teatrão.

A Lusa assistiu a um ensaio da peça “Constantino, Guardador de Sonhos”, cuja dramaturgia original tem como autor João Gaspar.

“Há pessoas que passam a vida toda sem sonhar, não?”, pergunta a personagem Maria, ao que Constantino responde: “Há. Nos últimos tempos, são cada vez mais, não sei o que se passa”.

Sempre sonhador, algo irónico, a interpelar o mundo à sua volta, desta vez numa ótica mais citadina do que rural, lamenta haver “pessoas que não conseguem olhar nem p’ra frente nem p’ra trás”, passando a vida “a olhar de esguelha”.

“A ficção é essencial à vida”, defendeu Isabel Craveiro, justificando que “os surrealistas são uma inspiração” neste trabalho do Teatrão, que tem Filipa Malva como figurinista e cenógrafa.

A companhia de Coimbra “reinterpreta o clássico neorrealista no contexto contemporâneo”, querendo saber, 50 anos depois da Revolução do 25 de Abril, “o que existe de 'Constantino' em nós” e onde é que está “o lugar do sonho” no Portugal do século XXI.

“A necessidade de ficção é uma forma de projetar o futuro, de sonhar possibilidades de futuro”, sublinhou à Lusa, por seu turno, Filipa Malva.

Isabel Craveiro corroborou a ideia, para defender que “o teatro não aguenta só com pessoas a falar dos seus problemas”.

Para conceber esta obra, a equipa do Teatrão entrevistou o homem que inspirou Alves Redol na criação de “Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos”, hoje com 75 anos e que continua a residir na aldeia de Freixial, concelho de Loures.

“Para ele, o romance é a sua vida. Apesar de toda aquela realidade [na então freguesia agrícola de Bucelas, em meados do século XX], há ali uma coisa bonita, um sonho muito grande”, enfatizou João Gaspar.

Esse fator, “ajudou muito neste trabalho”, considerou o dramaturgo e jornalista.

“Para onde é que vamos? Como é que caminhamos”, questionou Isabel Craveiro, para concluir que “isso está muito longe da nossa consciência”, podendo a literatura e o teatro dar contributos na busca das respostas.

“Estamos no século XXI e vivemos nos subúrbios de uma grande cidade. E, ainda assim, a vida continua a ser difícil. Este ponto de partida levou a companhia a estudar a fundo o movimento neorrealista português com esta questão em mente: qual é o teatro que queremos fazer para traduzir o nosso olhar sobre a realidade, nos dias de hoje?”, refere o Teatrão.

Numa nota sobre o espetáculo, explica que, “mais do que uma versão atualizada de 'Constantino', a nova criação (…) procura inspirar-se neste movimento artístico para fazer uma reflexão profunda sobre a contemporaneidade”.

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O espetáculo, de 3 de janeiro a 1 de fevereiro, terá sessões para o público em geral às sextas-feiras, às 19h00, e aos sábados, às 17h00.

Os bilhetes podem ser adquiridos aqui.

Haverá também “sessões inclusivas”, com interpretação em língua gestual portuguesa, a 17 de janeiro, e audiodescrição, a 24, devendo as sessões escolares ser realizadas de segunda a sexta-feira, em horários matinais e vespertinos.

Além da peça, foi desenvolvida uma programação paralela, “que reflete sobre o neorrealismo e a sua relevância atual", com exposições, leituras ao domicílio, conferências e outras atividades, tendo como parceiros a Associação Promotora do Museu do Neorrealismo, a Cáritas de Coimbra e o Plano Nacional das Artes.