A gramática oferece muitos adjetivos. Eles estão ali, rotundos, à espera de serem utilizados e afinados. Nós é que ou não os sabemos ou esquecemo-nos deles. Contudo, ainda assim, existem situações em que parecem parcos para descrever aquilo que acabou de nos entrar pelos olhos adentro. Quem vê mais entretenimento do que gostaria de admitir, é mesmo caso frequente. 

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Pondo isto, e depois de ruminar um pouco, nasceu uma necessidade quase natural de revisitar alguns dos episódios do podcast do Acho Que Vais Gostar Disto do último ano e de recordar filmes e séries de 2022 para ver se os casos são assim tantos ou se é só a memória a pregar partidas. O resultado desse levantamento é a lista que se segue, sendo que o "porquê" a negrito serve como justificação para a inclusão de cada elemento — que nos deixou sem palavras — selecionado.

Filmes

Men (2022) 

Realização: Alex Garland

A história de "Men" segue Harper (Jessie Buckley), uma mulher que decide alugar um alojamento local numa bela zona rural inglesa. Instada pela alma a escolher um sítio no nenhures devido a uma tragédia pessoal, a protagonista isola-se para começar uma jornada de rejuvenescimento espiritual. Porém, no meio deste plano, algo ou alguém anda a bisbilhotar nos bosques circundantes — que não parece ter a melhor das intenções. O que é e o que quer? É o que descobrimos ao longo deste filme de terror surrealista.

Porquê: Se há algo que tem de figurar nesta lista, é o último filme de Alex Garland. Ninguém está preparado para uma coisa destas. Tanto que a hipnose para esquecimento de trauma está a ser seriamente considerada por causa dos últimos 20/15 minutos. Chegado às salas de cinema portuguesas no início do mês, deixa-se já o aviso: se é sensível ou o gore não é o estilo desejado, é melhor escolher outro filme. No fim, pelo menos para o autor destas linhas, a cena de que todos falam de "House of the Dragon", parece coisa de meninos. 

Garland é um contador de histórias erudito — basta assistir a uma entrevista sua para perceber que a mente navega pelas mesmas águas intelectuais dos seus trabalhos ("Ex-Machina", "Aniquilação", "Devs"). Em "Men", temos novamente um guião extremamente inteligente, que discute o trato e controlo misógino dos homens sobre as mulheres, que toca na ferida e ego masculino. O pior é que tem também um ator (Rory Kinnear) a nascer várias e repetidas vezes e que acaba por se transformar num Homem Verde (a remeter para "A Lenda do Cavaleiro Verde").

A Bolha (2022) | Netflix

Judd Apatow é um daqueles nomes a quem alguns membros da equipa do Acho Que Vais Gostar Disto devem muitos risos e é certamente alguém que merece o crédito pelos projetos de comédia que realiza, escreve ou produz. Muitos e boas gargalhadas devem à sua astúcia para fazer rir. No entanto, ainda que assim seja, o seu último filme para a Netflix não é um desses casos. De todo.

Porquê: As palavras da crítica da revista Variety explicam-no e resumem o que queremos dizer da melhor maneira: Apatow "durante a pandemia fez um mau filme sobre o pior filme feito durante a pandemia". Talvez tenha sido demasiado meta dentro da meta (a rodagem de "A Bolha" deu-se também durante esse período), mas a realidade é que se espera mais quando se tem tanto talento confinado num quarto de hotel.

Sobre o que fala "A Bolha"? Basicamente, simula a realidade e o início da pandemia. No filme, em Hollywood, apenas estão em curso duas produções: a rodagem de uma saga de filmes de ação sobre dinossauros voadores ("Cliff Beasts 6") e um outro. No entanto, chega-se ao fim de "A Bolha" a pensar senão seria melhor termos visto "Cliff Beasts" — mal por mal que ficássemos com a versão jurássica de Sharkanado.

Séries 

Yellowjackets (2021) | HBO Max

A primeira temporada segue uma história com duas timelines: a do passado, quando as personagens eram adolescentes e estavam presas em parte incerta de uma região selvagem em 1996; e a da atualidade, já na sua vida adulta, 25 anos mais tarde, em 2021, onde a sua vida "normal" é constantemente posta à prova pelos assombros do passado que vamos descobrindo ao longo dos episódios.

Porquê: Estamos embrenhados em muito mistério. Mas atenção: por aqui, todo o mistério é tenso e anda em torno de uma exploração hábil da obscuridade da amizade feminina e… a ameaça eminente de atos de canibalismo! Mais, as respostas às nossas perguntas apenas vão formular mais perguntas e acabamos a cair sugados numa espiral de incógnitas que nos aleijam um bocadinho o cérebro. Especialmente com aquele final de temporada!

Enfim, tudo isto nos faz questionar: estamos nós perante um drama canibalesco adolescente de sobrevivência em modo "Midsommar - O Ritual" (2019) ou meros clichês banalizados num cocktail já servido em "Perdidos"? A resposta varia mediante a quem seja feita a questão. Complicado, parece, é passar-lhe ao lado.

Outer Range (2022) | Prime Video

A descrição da própria série ajuda por si só a perceber a razão porque merece um lugar nesta lista: "western do séc. XXI com elementos de ficção científica e pitada de sobrenatural". O que esperar de cowboys atuais misturados com todos estes elementos? Muitas perguntas. E foi o que aconteceu com a primeira temporada.

Porquê: Sem querer revelar muito do guião a quem ainda não viu, mas que na verdade não deve ser grande surpresa, diga-se que algo grande e misterioso aparece no rancho da personagem principal, Royal Abbott (Josh Brolin). Depois, sem saber-se muito bem porquê, parece que há uma ligação inexplicável que os une.

Em suma, quando pensamos que estamos a chegar a algum lado, a obter finalmente algumas respostas, a equipa de guionistas e o criador Brian Watkins decidem aplicar reviravoltas na história e confundir a audiência — especialmente com aqueles últimos dois episódios. Ficamos a aguardar pelo desfecho.

The Rehearsal (2022) | HBO Max

Ensaiar é sinónimo de repetição, de trabalho, de dominar algo para que seja possível atingir a perfeição de modo a que tenhamos capacidade para atingir os nossos propósitos. Não é algo exclusivo do entretenimento, já que acontece também na vida. Ensaiamos conversas, entrevistas de emprego, situações nas quais não queremos falhar. Afinal, temos uma imagem específica que queremos projetar.

À partida, esta parece ser a máxima da "The Rehearsal", que marca o regresso à televisão de Nathan Fielder, autor de "Nathan for You".

Porquê: Fielder é agora um "Diretor de Ensaios" desconfortavelmente engraçado, que pretende ajudar pessoas através de meticulosas encenações do seu quotidiano. Como? Simulando, literalmente, conversas e situações da sua vida real com atores profissionais a fazer de amigos ou familiares para que quando for a "valer" não existam surpresas desconfortáveis. Até aqui, "tudo mais ou menos bem". O pior vem com o passar dos episódios em que não sabemos se estamos perante um cenário "Ali G/Borat" com pessoas reais ou se com atores. 

No primeiro episódio, parece que estamos, lá está, a ensaiar o futuro. Mas depois apercebemo-nos de que não é bem isto que acontece. A temporada chega ao fim, mas não dá para perceber o que foi planeado e o que Fielder acrescentou na sala de montagem com as partes "dos apanhados". Não se sabe nada — só de que não sabemos muito bem aquilo que acabámos de ver.

The BoysPrime Video

Este é um dos tais exemplos que podia muito bem ter ido para outra "categoria" noutros artigos que fizemos recentemente, incluído o das melhores séries do ano (é verdade, temos a série de Eric Kripke e do seu gangue muito bem cotada). No entanto, depois de vermos o episódio 5 ("Herogasm"), não tivemos escolha senão de a colocar neste artigo. A vontade era a de pôr na nossa lista de melhores de 2022, mas com espirros como os deste episódio… não dá.

Porquê: "The Boys" continua inconveniente brilhante e em crescendo. Mas, tal como acontece com "Men", há certas cenas que nos vamos arrepender de ter visto e as quais, infelizmente, sem hipnose, devem continuar assentes na nossa memória. Não há nenhum disclaimer no início, seja que de episódio for, que nos prepare para aquilo que se passa numa orgia de super-heróis à boleia de drogas e álcool — e o que isso pode fazer a um cidadão comum sem super-poderes.

Russia Doll | Netflix 

Brincar com o tempo é algo que o entretenimento faz há algum tempo. Viver o mesmo "dia", em loop, idem. Não é que seja propriamente comum como dobrar a física e viajar para a frente ou para trás nos anos, mas viver o mesmo período vezes sem conta é temática experimentada — não tendo necessariamente que ser aborrecida se bem contada. Bill Murray fê-lo em "Groundhog Day" nos anos 90, Tom Cruise em "The Edge of Tomorrow" (2014) também, "Source Code" (2011) segue narrativa semelhante, e mais recentemente "Uma Repetição Perfeita" (2021), da Prime Video, que cai na categoria de comédia romântica adolescente quando oferece bem mais do que isso, é só outro exemplo. Por fim, em 2019, temos a Boneca Russa da Netflix, criada por Amy Poehler, Leslye Headland e a protagonista Natasha Lyonne (na foto).

Porquê: A primeira temporada de "Russian Doll" caiu no goto da maioria dos críticos (mesmo que isso faça cócegas no cérebro). A história segue a vida de Nadia, uma designer de videojogos com a tendência para experiências autodestrutivas e que continua... a morrer depois de festejar o seu aniversário. Ou seja, dá por si reencarnada na mesma festa, condenada a reviver em loop o seu dia de morte muitas vezes e das mais variadas formas. Já a segunda temporada, estreada este ano, dá um desvio complementar (e linear) à história. O que leva à questão: era realmente necessário? A resposta a isso é... depende. Há quem considere que sim, há quem tenha a opinião contrária. Portanto, o melhor é ouvir o nosso podcast para tirar as teimas.

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