“Um Dia de Chuva em Nova Iorque” é um daqueles filmes cuja história é bastante linear. Um casal universitário, Ashleigh Enright (Elle Fanning) e Gatsby Welles (Timothée Chalamet), vai passar um fim de semana a Manhattan, porque Ashleigh tem de entrevistar o realizador de cinema Rolland Pollard (Liev Schreiber), para o jornal da faculdade. Gatsby fica bastante entusiasmado por poder mostrar a cidade à namorada, mas há todo um conjunto de acontecimentos que acabam por deitar os seus planos por terra e que os fazem passar o fim de semana separados.
Gatsby, nascido e criado em Nova Iorque numa família de classe alta, tem o típico síndrome não se rever nas questões de estatuto e imagem que preocupam muito a sua mãe. É uma alma velha de 23 anos, apaixonado pela sofisticação da era vintage da Big Apple, marcada pelas boquilhas de cigarro e pianistas melancólicos que tocam em bares de jazz. Porém, a sua juventude é-nos demonstrada pela sua insegurança face à possibilidade de a sua namorada já não estar interessada em passar tempo com ele, uma vez que, entretida com a possibilidade de ter uma boa história jornalística, se vê envolvida em todo um complô de acontecimentos estranhos e que a afastam de Gatsby.
Entre consolar o famoso realizador, — que se encontra numa crise criativa e existencial e que, ao olhar para Ashleigh, se recorda do seu primeiro amor dos tempos de faculdade —, e ser seduzida pelos restantes membros da indústria do cinema, — como o argumentista do filme, Ted Davidoff (Jude Law), e o ator mulherengo, Francisco Vega (Diego Luna) —, Ashleigh pensa em tudo, menos nos planos que tinha marcados com o namorado.
Uma questão a ressalvar é que todos os pretendentes à aspirante a jornalista têm mais 20 anos do que ela e todos se mostram atraídos pela sua inocência e meninice, caraterísticas bem interpretadas por Fanning. Porém, dada a polémica em redor de Woody Allen, uma insinuação em tom jocoso de que deixar raparigas novas e bonitas sozinhas com cinematógrafos mais velhos pode ser perigoso obriga-nos a perguntar se o filme, já com as suas gravações terminadas em 2017, teria a mesma abordagem atualmente, perante o clima cultural do #MeToo e das acusações que sobre o realizador pendem.
Enquanto Ashleigh está ocupada, Gatsby fica sem planos e deambula pela cidade melancólica e cinzenta de Nova Iorque, tentando ocupar o seu tempo, deixando de parte a hipótese de ir à gala de charme anual organizada pela mãe. Quando se lembra de ir visitar o irmão, acaba por se cruzar com Shannon (Selena Gomez), a irmã mais nova de uma paixoneta antiga. A partir daí, dado o quão improvável e estranho o encontro entres os dois foi, um interesse romântico surge e acaba por ser alimentado por vários momentos cliché. Alguns resultam (porque os clichés são-no por alguma razão), mas principalmente pela boa química entre Selena Gomez e Timothée Chalamet no grande ecrã.
Perante a história sem rasgo, o destaque vai para as personagens
Sendo uma história simples, com um clímax talvez considerado previsível e um pouco sem sabor, entre Gatsby e a mãe (Cherry Jones), vemo-nos obrigados a prestar mais atenção aos diálogos e às personagens, nomeadamente, à principal.
Gatsby é descrito pela sua namorada como “bizarro” e talvez isso se deva ao facto de este ser um eterno nostálgico, que aspira pertencer a outra época — o que pode não ser de todo inocente, evocando a clássica personagem de F. Scott Fitzgerald quer no nome quer na época a que aspira pertencer. Olhando para a vida com ligeira melancolia, o que é bem representado num belo momento ao piano, Gatsby apresenta-se como uma personagem principal peculiar, que pode ser acarinhada por alguns e incompreendida por outros.
A razão da incompreensão prende-se não só com a melancolia e com o tom sarcástico, que é a base para maioria das suas das piadas, mas também pelas recorrentes referências a artistas e intelectuais de outras eras, que podem não ser imediatas para todos aqueles que veem o filme. Para além deste fator, o facto de Gatsby usar casaco de tweed e de ter um ex-colega do secundário que tem a atriz Grace Kelly como padrão de beleza, faz-nos questionar por breves momentos em que ano é que este filme se passa. No entanto, somos transportados para os anos 2000, quando se ouve um iPhone a tocar — no fundo, é quase como se o filme se passasse numa realidade paralela, que tem lugar no século XXI, mas cujas referências musicais e literárias pertencem ao século XX. Não, os filmes não precisam de ser um retrato da realidade nem nada do que se pareça, mas esta dualidade passado/presente acaba por ser disruptiva e distrai da narrativa.
É uma comédia, mas é o tom introspetivo que fica na memória
Sendo categorizado enquanto comédia romântica, a verdade é que existem momentos cómicos ao longo do filme, sendo os mais evidentes protagonizados por Elle Fanning. Porém, o que fica mais na memória quando se sai da sala de cinema é, sem dúvida, a cena do piano, seguida do diálogo entre Gatsby e Shannon, onde ambos demonstram as suas perspetivas sobre o amor.
Limitada à superficialidade, se calhar teria sido interessante se Woody Allen tivesse explorado um pouco mais essa introspeção, para além de um alerta para a beleza das pequenas coisas. Como tal não aconteceu, acabamos por ter um filme leve, com uma boa banda sonora e com planos bonitos das ruas de Manhattan, que não nos enriquece nem nos acrescenta, mas que acaba por se ver bem num domingo à tarde.
“Um Dia de Chuva em Nova Iorque” chega amanhã, dia 24 de outubro, às salas de cinema.
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