As duas obras em pergaminho criadas pelo artista italiano, considerado um dos maiores pintores do Renascimento, são as “pérolas” desta exposição que é inaugurada na quinta-feira, e abre ao público na sexta, para celebrar os 700 anos da morte do poeta italiano, e que ficará patente até 29 de novembro.
Os desenhos inacabados “extremamente raros”, emprestados pela Biblioteca Apostólica Vaticana, que possui um conjunto de sete, estão no centro da exposição intitulada “Visões de Dante. O Inferno segundo Botticelli”, onde se reúnem ainda várias edições desta obra da literatura mundial, comentadas por figuras como Boccaccio ou Iacopo della Lana, também emprestadas pela mesma Biblioteca, bem como edições de “A Divina Comédia” de outras coleções institucionais e privadas.
“Há uma dificuldade em interpretar os dois desenhos. É como entrar num quarto escuro: a princípio fica-se cego, não se vê nada, mas passados alguns minutos vamos percebendo qualquer coisa”, comparou João Carvalho Dias, responsável pelo comissariado científico, em conjunto com Maria Helena Melim Borges, acrescentando que estão disponíveis descrições em áudio, no ‘site’ do museu.
Efetivamente, suspensos no interior de uma vitrina, de longe apenas se podem perceber algumas linhas cinzentas sem significado, mas mais de perto, o olhar do visitante vai poder descobrir figuras descritas por Dante (1265-1321) na sua obra, nos cantos sobre o inferno, com criaturas mitológicas, cavernas e o caldo escaldante onde desesperam os condenados em eterno sofrimento.
Sandro Botticelli (1445-1510) terá criado mais de uma centena de desenhos inspirados na obra de Dante – escritor e político florentino, considerado o primeiro e maior poeta da língua italiana -, mas “introduz um elemento de rutura, expande a visão do poeta e acrescenta a sua própria visão”, salientou João Carvalho Dias.
A exposição tem uma narrativa centrada em dois cantos do “Inferno” (XII e XIII), e reúne outras obras de artistas que se inspiraram nesta, de Dante, ao longo da História da Arte, nomeadamente a obra “A Eterna Primavera”. de Auguste Rodin, da Coleção do Museu Calouste Gulbenkian, produzida numa altura em que o artista francês realizava a “Porta do Inferno”, destinada ao futuro Museu das Artes Decorativas de Paris.
Na mesma linha, foi inserida uma faca para papel, em marfim, ouro e esmalte, de René Lalique, da Coleção do Museu Gulbenkian, que esteve presente na Exposição Universal de 1900, em Paris, na qual o artista criou figuras humanas que se precipitam de um livro aberto e que remete para o Inferno descrito por Dante, no primeiro cântico do livro.
A mostra é completada com uma escultura do artista Rui Chafes, em ferro, com a forma de labaredas, e um conjunto de desenhos da série “Inferno (a minha fraqueza é muito forte)”, para ilustrar “a atualidade e vitalidade da mensagem de Dante, desde o período tardo-medieval até à contemporaneidade”.
Esta exposição vai ser acompanhada por uma programação paralela que será aberta pelo cardeal José Tolentino de Mendonça, com uma conferência intitulada “Todos somos chamados a construir visões — A Divina Comédia como pedagogia do olhar”, além de outros especialistas da obra de Dante, como Lucia Battaglia Ricci, Massimo Cacciari e também o escritor Alberto Manguel.
A mostra é organizada pelo Museu Calouste Gulbenkian e o Programa Gulbenkian Cultura, em colaboração com a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e a Universidade Católica Portuguesa, com o apoio da Embaixada de Itália e do Instituto Italiano de Cultura de Lisboa.
Na mesma altura, mas para ficar até 17 de janeiro de 2022, será inaugurada a exposição individual “Fernão Cruz. Morder o pó”, com curadoria de Leonor Nazaré, na Galeria de Exposições Temporárias, organizada pelo Centro de Arte Moderna (CAM), que se encontra neste momento encerrado para obras, mas continuará em atividade noutros espaços da fundação.
Pensada de raiz para a Fundação Gulbenkian, a mostra reúne três dezenas de obras inéditas: 10 telas pintadas a óleo e a resina alquídica, e 20 esculturas, sobretudo em bronze, instaladas em dois espaços distintos separados por um corredor escuro que o visitante é convidado a percorrer depois de transpor uma ‘porta-pintura’ entreaberta.
Leonor Nazaré referiu que o jovem artista de 26 anos criou um projeto “que, embora se divida em dois mundos, o da pintura e o da escultura, têm ambos a mesma força, e isso é raro”.
Fernão Cruz criou pinturas de grandes dimensões e esculturas, algumas em formato de instalação, que criam uma atmosfera enigmática, ao longo do percurso expositivo, todas elas inspiradas no tema da morte, e nas realidades de quase-morte, mas, ao mesmo tempo, voltadas para a vida.
“A vida é uma espécie de queda desamparada num palco”, comentou o artista, durante a visita de jornalistas, referindo-se a uma das pinturas, onde uma figura humana está prestes a cair em cima de um palco de madeira ladeado por cortinas.
Licenciado em Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (2017), Fernão Cruz viveu e trabalhou em Barcelona, estudou na Universidade local, na Faculdade de Belas-Artes, entre 2016 e 2017, e expõe com regularidade desde 2015, em Portugal, Espanha e nos Estados Unidos.
Na visita de abertura da nova temporada de exposições da Gulbenkian, esteve presente a nova direção dos museus, respetivamente, António Filipe Pimentel, diretor do Museu Calouste Gulbenkian, e Benjamin Weil, diretor do Centro de Arte Moderna.
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