Fernanda Fragateiro inaugurou hoje o programa “Artistas no Palácio de Belém”, uma iniciativa do Presidente da República, no Palácio de Belém, em Lisboa, aberta à participação de escolas do ensino básico e secundário, que visa pôr os alunos em contacto com artistas plásticos.
A este propósito, a artista defendeu que, à semelhança do que se passa já com a literatura, “a dança, as artes plásticas e performativas precisam de entrar mais nas escolas”.
Durante uma conversa com alunos de design de moda da escola profissional Magestil, em Lisboa, e da escola artística Soares dos Reis, no Porto, Fernanda Fragateiro falou do seu trabalho e revelou a pessoa por detrás da artista.
Numa conversa que foi sempre pautada pela importância da liberdade e do espaço, e pela defesa da escola pública, a artista sublinhou por diversas vezes a importância que a escola artística António Arroio, em Lisboa, onde estudou, teve para a sua formação profissional e como pessoa.
“Para os artistas, a escola pública é fundamental. Muitos artistas hoje não o seriam se não fosse a escola pública. É uma plataforma imprescindível de acesso. No meu caso, hoje não seria artista se não fosse a António Arroio”, afirmou, acrescentando: “Para mim, esta foi a escola, foi a minha escola, onde me tornei artista”.
Fernanda Fragateiro começou, aliás, a sua apresentação com uma fotografia da escola, dos seus tempos de estudante, para contar como na altura os alunos se exprimiam através de pinturas nas paredes, o que ao principio lhes trazia problemas com os funcionários, mas com os tempos se “tornou um ícone, uma mensagem que queriam dar ao mundo”.
Essa mensagem era em grande parte a da liberdade artística e este conceito pautou sempre o seu trabalho, como demonstrou em vários exemplos que apresentou aos alunos.
O jardim das ondas, em frente ao oceanário, “um espaço criado para que as pessoas pudessem usar de forma livre”, é um desses casos.
Alem do aspeto formal — todo o desenho se inspira nas ondas -, “o jardim nasce como uma posição política: deve haver espaços públicos abertos a todos, onde se proporcionam experiências de grande liberdade”.
Outro caso é a “Caixa para guardar o vazio”, um trabalho de 2005 feito em colaboração com uma coreógrafa, que consiste numa grande caixa de madeira que precisa de dois bailarinos para ser ativada e que tem uma forte componente pedagógica, pois é dirigida a crianças, que interagem com o espaço em si e com os dois bailarinos que desenham movimentos no interior e exterior da escultura.
Este projeto nasceu de um convite do serviço educativo do Teatro Viriato, em Viseu, que queria estabelecer uma relação próxima com a comunidade.
No desenvolvimento deste projeto, Fernanda Fragateiro sentiu que “havia pouca consciência sobre o espaço, nas escolas”.
O ponto de partida foi então “criar qualquer coisa que falasse sobre o espaço livre” e a ideia consistiu em “usar o corpo e a relação deste com o espaço, para se tomar consciência de que o espaço é um lugar vazio para ser ocupado pelo corpo”.
“Concret poem”, de 2012, foi outra das obras apresentadas pela artista plástica, uma peça em betão num jardim que “parece estar a levitar”.
“No meu trabalho há sempre ideia de leveza, mesmo com materiais pesados como o betão. E mais uma vez um espaço muito livre, onde uma criança pode inventar o que fazer e não estar obrigatoriamente no baloiço ou no escorrega. Parece que temos que fazer sempre a mesma coisa, aquilo que nos ensinaram”, afirmou.
Esta ideia de irreverência, presente no seu trabalho e no seu discurso, esteve também sempre na sua vida, como se percebeu quando falou mais sobre si própria, durante a sessão de perguntas e respostas.
Fernanda Fragateiro contou que aos 11 anos já desenhava, sobretudo caricaturas da filha do Presidente da República, na altura Américo Tomás.
Influenciada pelas conversas que ouvia em casa e pelo que via na televisão, desde muito cedo desenvolveu sentido crítico e de oposição ao regime, ainda antes do 25 de Abril.
Aos 11 anos informou o pai de que queria integrar o Partido Comunista e alguns dias depois foi bater à porta do partido, dando conta dessa sua intenção, o que lhe foi negado por ser criança.
Dos 11 aos 15 anos dedicou-se à atividade política e achou que poderia vir a ser primeira-ministra, mas numas férias de verão com os pais, acampou ao lado da tenda de um professor da António Arroio, com quem passou os dias a conversar, e que a convenceu a entrar naquela escola.
Desde então vive “apaixonada” pelo seu trabalho e só não concluiu o curso nas Belas Artes (ficou-se pelo terceiro ano), porque se sentiu sempre “um bocado desintegrada”, tendo saído em rutura com a escola.
“O não ter acabado o curso impediu-me de dar aulas, como aconteceu com os meus colegas, porque na altura quase não havia galerias. Então tinha que trabalhar, porque vinha de uma família pobre”, contou.
Para sobreviver fez muitas coisas, desde cenografia a figurinos para teatro e ilustração, e desta forma foi crescendo nas artes.
A base do seu trabalho são os textos, lê muitos livros, sobretudo de filosofia e de história de arte, depois mistura tudo, “como se os desenhos fossem uma espécie de texto”, explicou, referindo como exemplo uma escultura que fez baseada nos textos de Sophia de Mello Breyner.
As suas fontes de inspiração são outros artistas — particularmente do modernismo e da arquitetura pós-modernista -, em que procura trabalhar sobre os seus trabalhos e reativá-los.
Para Fernanda Fragateiro, a conceção de trabalho é a de tentar contribuir para a construção de um mundo melhor.
Respondendo a uma aluna que lhe perguntou se alguma vez pensara em desistir, confessou que uma vez lhe passou pela ideia dedicar-se aos serviços sociais, quando conheceu um senhor idoso que tinha sido despejado.
Mas depois percebeu que com o seu trabalho podia tentar mudar as coisas e essa é uma das razões por que em muitas das suas obras procura envolver as crianças, que “são um veículo para essa ideia de construção de um mundo melhor, são matéria mais sensível, disponível e flexível”.
“Alguns acordam a pensar: ‘como vou sacar dinheiro, como vou ficar rico?’ Eu acordo a pensar: ‘como vou fazer um mundo melhor?’ Vou morrer pobre, mas sempre com um sorriso, porque como artista posso participar na construção de um mundo melhor”.
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