A curta-metragem, intitulada “Kutxintxa” (mudança, na língua changana), é uma produção independente de Ivan Mauro, um especialista em comunicação com mestrado em antropologia para o desenvolvimento que soube da existência do prémio a uma semana do fim do prazo e realizou o filme em dois dias apenas no distrito de Boane, província de Maputo, e onde quase não chove há dois anos.
O filme retrata as realidades opostas de duas comunidades, em que uma beneficia de um furo de água alimentado com painéis solares, servindo frondosos campos agrícolas, e outra abastece-se num charco partilhado por pessoas e animais, entre a terra seca e o pó.
“Aquela água serve para beber, cozinhar, lavar a roupa, tomar banho e achei que tinha todo o sentido no contexto das alterações climáticas”, descreve à Lusa Ivan Mauro.
As cenas reproduzidas em “Kutxintxa” de homens, mulheres e crianças a usar garrafões de plástico para beber água depositada no chão tornaram-se frequentes no sul de Moçambique, que enfrenta uma seca prolongada por força do fenómeno climático El Niño mais potente das últimas décadas e que deixou 1,5 milhões de moçambicanos em insegurança alimentar.
“Isto passa-se a 50 quilómetros de Maputo”, salienta Ivan Mauro, funcionário público nascido há 34 anos no Dondo, província de Sofala, e que diz já ter denunciado o caso às autoridades mas nada foi feito.
Quase 900 obras foram submetidas ao prémio Film4climate, das quais “Kutxintxa” está selecionada para os sessenta finalistas.
Oss vencedores serão conhecidos no dia 13, no âmbito da Cimeira do Clima (COP22), que começa na segunda-feira em Marraquexe.
No critério do prémio, os vídeos devem apresentar uma narrativa pessoal sobre a importância das alterações climáticas, que será avaliada por um júri em que, além de Bertolucci, inclui os realizadores Fernando Meirelles e Sharmeen Obaid-Chinoy, Lawrence Bender, produtor do documentário de Al Gore “Uma Verdade Inconveniente”, o ator Christopher Lambert e o ex-Presidente das Maldivas Mohamed Nasheed.
“É uma honra estar nestes finalistas com esta grande aventura chamada ?Kutxintxa’ e poder mostrar ao mundo que Moçambique, apesar da falta de recursos, pode implementar medidas de resiliência”, comenta Ivan Mauro.
Para o demonstrar, o autor focou-se numa comunidade de Boane, onde se chega a percorrer a pé entre 15 e 20 quilómetros para ter acesso a água potável.
Em Mahalane, um furo alimentado com painéis solares puxa a água do subsolo de um rio seco, e que é depois conservada em dois depósitos para abastecimento da comunidade e campos agrícolas desenvolvidos pela Associação 7 de Abril.
“Aqui não tínhamos água, mas agora já dá para puxar água para produzir repolho, tomate alface, é uma ajuda para nós”, diz na curta-metragem Cecilia Samuel, líder da associação local.
No total, 1.386 pessoas são beneficiadas por este poço, segundo outro líder local, Alexandre Chivambo, também citado num filme em que “a narrativa é contada pelos próprios intervenientes”, com som de fundo da Banda Mussodji Shamwari “para dar um ritmo africano”.
Apesar de fortemente atingidas, as comunidades têm “uma consciência não plena” das mudanças climáticas e, depois do filme, Ivan Mauro pretende criar uma organização para ajudar o Governo na sensibilização da população e que se chamará justamente “Kutxintxa”.
A 25 de outubro, uma tempestade tropical deixou pelo menos 12 mortos e um rasto de destruição em Maputo, apanhando a população desprevenida à hora de ponta, o que sinaliza, segundo Ivan Mauro, a importância de um bom sistema de alerta e o cumprimento da Estratégia Nacional de Mudanças Climáticas.
“Se não tivermos em conta este instrumento, vamos ter sérios problemas com perdas de vidas, culturas destruídas e a pobreza aumenta”, observa o autor do filme, que termina com a mensagem repetida por vários personagens: “Kutxintxa ka ti nkuva [o clima está a mudar]”.
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