Olá, o meu nome é João Dinis e até há umas semanas nunca tinha visto “Friends”. Ok, talvez “nunca” seja uma palavra demasiado forte. É provável que tenha passado os olhos pela série uma vez ou outra, que saiba quem são os seus atores e que me lembre dos tempos em que estreou por terras lusas... dobrada em português.
E se “Amigos” (desculpem, não resisti) chegou a Portugal em 1998, meses depois da Expo lisboeta tomar conta do país, a verdade é que já tinha estreado nos EUA quatro anos antes. Estávamos a 22 de setembro de 1994 quando Rachel, personagem interpretada por Jennifer Aniston, irrompeu pelo mítico Central Perk (o café onde as personagens da série se reuniam) e começava a fazer história na televisão norte-americana (e mundial, já agora).
Por falar em história, a de “Friends” é relativamente fácil de contar. No primeiro episódio, Rachel Green (Jennifer Aniston) deixa o noivo no altar e reencontra-se com Monica Geller (Courteney Cox), sua amiga dos tempos de secundário, num café nova-iorquino. Sem emprego e sem local para viver, acaba a dividir casa com Monica e a conhecer os seus amigos mais próximos: Joey Tribbiani (Matt LeBlanc), Phoebe Buffay (Lisa Kudrow), Chandler Bing (Matthew Perry) e Ross Geller (David Schwimmer), irmão de Monica e seu eterno apaixonado.
Monica procura alcançar sucesso profissional enquanto cozinheira, Joey tenta o mesmo na área de representação, Phoebe é massagista e cantora nas horas vagas, Ross é paleontólogo e Chandler... bom, ninguém sabe muito bem o que Chandler faz (até este mudar de carreira para a área da publicidade).
Ao longo de dez temporadas, este grupo de amigos passa por uma série de situações com as quais muitos de nós se conseguem relacionar: casamentos e divórcios, nascimentos e adoções de crianças, sucessos e insucessos profissionais. No decorrer desses dez anos, estes seis atores, ao início praticamente desconhecidos do grande público, tornaram-se superestrelas da TV norte-americana. E a série tornou-se uma das mais populares de sempre.
Podem seis desconhecidos tornar-se superestrelas? Podem, pois
O exemplo máximo desse sucesso é Jennifer Aniston, que se tornou numa das mais acarinhadas (e de maior sucesso) atrizes norte-americanas, ainda que a grande parte dos papéis que foi desempenhando durante e após “Friends” tenha sido essencialmente em comédias românticas, não fugindo muito do registo que apresentava na série. Ainda assim, o seu desempenho enquanto Rachel Greene tornou-a numa superestrela (criou até uma tendência ao nível do penteado), valeu-lhe um Emmy e um Globo de Ouro, e abriu-lhe as portas para entrar em filmes que tiveram muito sucesso comercial, casos de “Bruce Almighty” (em que contracena com o “todo-poderoso” Jim Carrey) ou “Marley & Me” (em que divide ecrã com Owen Wilson... e com o cão Marley, claro). Mais recentemente, Aniston viu ainda Ralph Lauren dedicar-lhe uma coleção de roupa inspirada na sua personagem em “Friends” (na série, Rachel chega a trabalhar para a marca).
O seu par romântico ao longo da série, o ator David Schwimmer, não obstante nunca ter vencido qualquer uma das estatuetas mais desejadas para quem trabalha em TV nos EUA - ou seja, Emmys e Globos de Ouro -, esteve nomeado para os primeiros por duas vezes... com 21 anos de diferença: em 1995, como Ator Secundário em “Friends”, e em 2016, como Ator Secundário em “American Crime Story” – série em que desempenhou o papel de Robert Kardashian (esse mesmo, o pai das irmãs que “mandam” na Internet) numa temporada dedicada ao julgamento de OJ Simpson. Pelo meio, foi ainda a voz de Melman, a girafa de “Madagáscar” e entrou na série “Band of Brothers”, criada por Tom Hanks e Steven Spielberg e vencedora do Globo de Ouro para melhor Minissérie em 2002.
Já Lisa Kudrow continuou a sua carreira essencialmente na televisão, participando em séries como “BoJack Horseman”, “Scandal”, “Unbreakable Kimmy Schmidt”, “Web Therapy” ou ainda “The Comeback”, onde interpreta a personagem Valerie Cherish, uma celebridade que tenta recuperar a fama através de um reality show (a série, criada pela atriz, foi nomeada para quatro Emmy’s, incluindo o de Melhor Atriz em Série Dramática, por duas vezes). Para além disso, filmes como “Analyze That” (a sequela de “Analyze This”, com Billy Crystal no papel de psiquiatra do “mafioso” Robert DeNiro), “P.S. I Love You” ou, mais recentemente, “The Girl On The Train” e “Booksmart” tiveram também a sua participação.
Os atores do outro casal da série, Courteney Cox e Matthew Perry, prosseguiram as suas carreiras num misto de participação em programas de TV com relativo sucesso (quer popular, quer ao nível da crítica) e filmes de menor expressão. Cox, que antes da série tinha participado no videoclipe de “Dancing In The Dark” de Bruce Springsteen, depois de “Friends” protagonizou outras duas séries (“Dirt” e “Cougar Town”) e entrou ainda em “Scream”, um dos clássicos de terror dos anos 1990/2000; Perry, uma das personagens favoritas do público – ok, a MINHA personagem favorita –, e que nunca escondeu as suas dificuldades na vida fora dos sets de filmagem, participou sobretudo em séries como “The West Wing”, “Ally McBeal”, “The Good Wife” (e o seu spinoff “The Good Fight”), “The Odd Couple” ou “Studio 60” e em filmes como “17 Again” ou “The Whole Nine Yards”.
Quanto a Matt LeBlanc, teve talvez o trajeto mais curioso de todos os seis “amigos”. Para além de ter “dado uma perninha” no videoclipe de “Say It Isn’t So”, dos Bon Jovi, participou no spinoff (de pouco sucesso, diga-se) “Joey”, em que a sua personagem em “Friends” abandona Nova Iorque em busca do sucesso como ator em Los Angeles, ganhou um Emmy pelo seu desempenho na série “Episodes”, fez parte do elenco de “Charlie’s Angels” e é, desde 2015, o apresentador de um dos mais míticos programas da história da televisão, “Top Gear”, depois da saída de Jeremy Clarkson, que apresentou o formato que faz as delícias dos amantes de automóveis (e não só) durante mais de dez anos.
Um grupo de amigos como o nosso
Mas não dispersemos: até há umas semanas nunca tinha visto “Friends”. A minha namorada, por seu turno, já viu todas as temporadas mais do que dez vezes (!). Ora, eu sou um tipo competitivo no que respeita à cultura pop, e por isso comecei a sentir o chamado FOMO (Fear Of Missing Out, ou medo de não fazer parte) relativamente a quem já viu “Friends” e sabe de cor várias cenas e falas. Sim, porque a grande maioria das pessoas que conheço que viu todas as temporadas da série não o fez uma única vez. “Friends” faz parte das suas vidas desde que colocaram os olhos pela primeira vez naquele sexteto nova-iorquino. Desde essa altura que Chandler, Joey, Phoebe, Monica, Rachel e Ross são também seus “amigos”.
Tal como escreveu o crítico televisivo Wesley Morris num recente artigo sobre a série para o New York Times, “a familiaridade é o íman de qualquer sitcom americana decente”. E “Friends” é, muitas vezes, o grupo de amigos que já temos e que revemos em cada uma das personagens. Outras, é precisamente o grupo de amigos que gostávamos de ter. A “família” que gostávamos de ter.
É por isso que a chegada dos serviços de streaming deu à série um novo impulso de popularidade mundial. Os millennials (como eu) e a Geração Z (que veio a seguir) descobriram (ou redescobriram) que, afinal, evolução tecnológica à parte, as coisas não mudaram assim tanto de 1994 para cá, nomeadamente no que toca à forma como nos relacionamos com os nossos amigos. É certo que hoje temos as redes sociais, que falamos mais por mensagens de texto ou de voz do que, às vezes, cara a cara. Mas não nos enganemos: os grupos de amigos não “morreram”, apenas alargaram os seus espaços de interação do café para o Instagram, da porta da escola para os grupos de WhatsApp. E os dramas e alegrias continuam a ser mais ou menos os mesmos: a busca pelo amor, o ele-gosta-dela-mas-ela-não-gosta-dele (e vice-versa), a busca por casa e emprego, as contas para pagar, as escolhas de carreira e de vida.
“Friends” é uma série fácil de ver porque a geração que está agora nos seus vintes e trintas e que cresceu a ver um tal de Ted a tentar explicar aos filhos, ao longo de nove temporadas, como conheceu a mãe continua a identificar-se com a luta de Joey para se tornar um ator de sucesso e reconhecido, com a insegurança de Monica devido ao seu passado de obesidade, com o vai-não-vai entre Ross e Rachel, com a ingenuidade de Phoebe ou com as piadas sarcásticas e os “daddy issues” de Chandler. Essa é talvez a principal razão para, em 2018, “Friends” ter sido a segunda série mais vista da Netflix, apenas atrás da versão norte-americana de “The Office”.
O impacto que “Friends” tem nos dias de hoje vai muito para lá de ver Lisa Kudrow (Phoebe) a tocar num concerto com Taylor Swift, a artista que acaba de ser confirmada em Portugal, pela primeira vez, no próximo verão.
“Smelly Cat”, o hit que Phoebe popularizou ao longo das dez temporadas da série, é apenas um dos exemplos de algo que a série exibiu, a Internet eternizou e a cultura pop abraçou. Outro poderá ser a forma como a série mostrava, em segundo plano, a forma como o mundo do trabalho funcionava nos anos 90 e na viragem do milénio, em que o percurso profissional era quase tratado como "uma história de amor", como referiu um recente artigo da "The Atlantic".
Mais: o facto de existirem notícias de que esta pode ter sido a primeira série cujo elenco principal negociou os seus salários em conjunto - prática que foi adotada, por exemplo, pelos atores principais da última grande sitcom de sucesso norte-americana, “The Big Bang Theory” - mostra que o impacto de “Friends” não se cingiu apenas ao seu público.
Quando, em 2004, o último dos 236 episódios da série foi para o ar, visto por mais de 50 milhões de pessoas, “Friends” tinha já tomado conta da cultura pop e 25 anos depois ainda não foi embora, agora embalada por serviços de streaming e a onda revivalista que, de tempos a tempos, nos afeta a todos – agora parece que chegou a vez dos millennials sentirem saudades dos 90's. E não há anos 90 sem “Friends”.
A música interpretada pelos “The Rembrandts” que faz parte do genérico da série diz: “Ninguém te disse que a vida ia ser assim” mas “eu estarei lá para ti”. Talvez seja isso que, 15 anos depois, nos continue a ligar a “Friends”. Sem querer parecer um “velho-millennial do Restelo”, assistir à relação entre Chandler, Joey, Phoebe, Monica, Rachel e Ross talvez tenha em nós um efeito de “conforto inconsciente”, na medida em que naquele mundinho de cafés no Central Perk e de entradas de rompante nas casas uns dos outros, estamos bem melhor do que a ver outras séries (bem mais complexas e elaboradas) ou a lidar com a nossa vida, de uma maneira geral. É ingénuo e cliché? Sim. Mas não faz mal. A verdade é que eles estiveram sempre ali. Uns para os outros, mas para nós também.
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