Pela primeira vez em 15 anos, os argumentistas de Hollywood vão parar a produção de conteúdos para nomes bem conhecidos da indústria como a Disney, Netflix, Warner Bros. Discovery, NBCUniversal, Paramount Global, Amazon, Apple e Sony. A previsão é que se juntem à greve mais de 11 mil membros da Writers Guild of America (WGA), depois de a associação ter partilhado, na última quarta-feira, que os estúdios e as plataformas de streaming não chegaram a um consenso depois de seis semanas de intensas negociações. E na sequência de não se ter chegado a um acordo, a WGA não viu outra opção senão protestar.
Mas quais são, concretamente, os motivos que levam à greve? A discussão é complexa e envolve muitas percentagens e propostas, mas a WGA define como principais reivindicações os aumentos salariais e umas muito necessárias mudanças estruturais num modelo de negócio cada vez mais desfavorável a quem escreve as histórias que consumimos.
Porém, a Variety ajuda a descodificar o que está em discussão e explica que o principal factor que levou os guionistas a avançar com a greve foi a falta de confiança entre os trabalhadores e os produtores numa altura em que a indústria do entretenimento está atravessar uma grande transformação, visto que o streaming mudou a forma como os filmes e os programas de televisão são produzidos e distribuídos. Para os guionistas, isto teve mudanças significativas nos seus ganhos, visto que:
- Os nomes mais conhecidos estão a ser beneficiados em detrimento dos restantes, com contratos de produção na ordem dos 200 e 300 milhões de dólares a serem entregues apenas a escritores/produtores de sucesso quase garantido. É pensar em Shonda Rhimes ("Anatomia de Grey", "Bridgerton") ou Ryan Murphy ("Monster: The Jeffrey Dahmer Story", "American Horror Stories").
- As séries recentes são mais curtas do que eram. Dos 22 a 24 episódios habituais por temporada, o número reduziu e passou a ser apenas de seis, oito ou 10. Este é um ponto importante para os argumentistas, que normalmente são pagos por episódio.
- Depois, segundo a WGA, há outro grande problema a escalar: a diferença de experiência entre os escritores mais estabelecidos e os mais jovens. Os argumentistas que são dispensados antes do início da produção não têm as mesmas oportunidades. Ou seja, ficam sem a possibilidade de aprender como supervisionar uma produção e as funções de pós-produção, que são passos vitais para aqueles que pretendem tornar-se produtores.
Na declaração feita na quarta-feira passada, a WGA afirmou que o seu comité de negociação "iniciou este processo com a intenção de chegar a um acordo justo, mas as respostas dos estúdios têm sido totalmente insuficientes, tendo em conta a crise existencial que os guionistas enfrentam". Desta forma, entraram oficialmente em greve os milhares de guionistas que se sentem injustiçados por estas medidas, o que vai resultar numa paragem imediata da produção de muitos talk shows, filmes, séries de televisão e, possivelmente, atrasar o início de novas temporadas das mesmas.
Esta interrupção ocorre num contexto de extrema agitação económica e tecnológica em Hollywood, por via do crescente domínio dos serviços de streaming e do declínio das audiências das emissões tradicionais. Outro aspeto importante é ainda a crescente aposta na Inteligência Artificial (IA) que gera ansiedade e incerteza sobre o futuro das profissões criativas, nomeadamente dos guionistas que temem os avanços de ferramentas tipo ChatGPT.
A Alliance of Motion Picture and Television Producers (AMPTP), que representa os estúdios e os serviços de streaming nesta negociação coletiva, partilhou num comunicado que esta terminou sem acordo. Na sua explicação, a AMPTP disse que ofereceu uma "proposta [...] abrangente", contudo, os pontos cruciais para a WGA, como o tamanho mínimo da equipa de escrita e o número mínimo de horas de trabalho, permanecem inatingíveis.
Quanto tempo é que vai durar? Ninguém sabe ao certo. A greve de 2007 prolongou-se por 100 dias, até 2008. A greve mais longa, em 1988, durou 153 dias. No entanto, apesar das diferenças, ambas as partes (WGA e AMPTP) afirmam estar dispostas a viabilizar um acordo, apesar de não terem data marcada para voltar às negociações.
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