Aquilo que está em causa desta vez está relacionado com direitos económicos dos membros de duas profissões essenciais na indústria de cinema, nomeadamente reivindicações que têm a ver com as alterações de modelo económico geradas pela internet, a Inteligência Artificial (IA) e a tecnologia em geral.
Quem está em greve?
A greve foi convocada na manhã desta quinta-feira pelo sindicato dos atores norte-americanos Sag-Aftra (formado em 2012 após uma fusão entre o Screen Actors Guild e a Federação Americana de Artistas de Televisão e Rádio), após a impossíbilidade de negociar com a AMPTP (Alliance of Motion Picture and Television Producers), que representa os responsáveis dos estúdios de Hollywood.
O Sag-Aftra tem cerca de 160.000 membros: atores de filmes e programas de televisão, bem como artistas de videojogos, apresentadores de rádio, modelos e influenciadores no YouTube. Tecnicamente, o sindicato cobre apenas os EUA, mas tem uma norma, a "Global Rule One", que exige que os membros abandonem qualquer produção em qualquer lugar do mundo durante esta greve, de acordo com o jornal The Guardian.
O que querem os atores e o sindicato?
Uma das principais funções do sindicato é negociar os termos com os estúdios: o último grande acordo foi assinado em julho de 2020, embora tenha sido quase imediatamente prejudicado pela pandemia. Esse acordo expirava a 30 de junho, daí o início das negociações até agora falhadas. Um dos principais pontos de discórdia parece ser os 'residuals', ou seja, os pagamentos que os artistas recebem por exibições repetidas de filmes ou programas de televisão.
Existe também a questão de quem detém a aparência de um ator se esta for reproduzida recorrendo à IA. Os negociadores da Sag-Aftra querem ainda uma percentagem maior recebida pelos atores referente ao rendimento obtido por plataformas de streaming como a Netflix, a Amazon ou a Disney, não sendo, porém, algo que os estúdios estejam dispostos a fazer.
O Sag-Aftra propôs um bónus além do 'residual' padrão para os programas mais assistidos nas diversas plataformas, mas a AMPTP recusou concordar com esta reivindicação.
De acordo com o meio norte-americano Variety, um dos desafios é obter uma métrica comum que funcione em todas as plataformas de streaming. Cada plataforma mede as visualizações de maneira diferente e também considera esses dados ultrassecretos.
O Sag-Aftra propôs a utilização de dados da plataforma Parrot Analytics como referência. Fundada há uma década, a empresa de pesquisa usa uma mistura de fontes de dados – incluindo consultas de pesquisa, sites de fãs, redes sociais e downloads – para estimar a popularidade global dos programas. Porém, os estúdios não estão dispostos a vincular a compensação a estimativas de terceiros, que podem não ser totalmente confiáveis e podem estar sujeitas a mudanças não anunciadas no algoritmo ou a jogos de bastidores.
Por exemplo, os atores podem lucrar impulsionando as visualizações de um conteúdo nas redes sociais, o que não se traduz em assinaturas ou mesmo em visualizações para as plataformas.
Quem está a apoiar esta greve?
De acordo com o jornal The Guardian, existem uma série de artistas norte-americanos a apoiar esta greve, sendo que os primeiros expressaram logo o apoio há duas semanas, quando o sindicato manifestou a vontade de entrar em greve. Entre eles já constavam nomes como Meryl Streep, Jennifer Lawrence, Charlize Theron, Joaquin Phoenix, Jamie Lee Curtis, Olivia Wilde e Ewan McGregor.
Na sexta-feira juntaram-se nomes como George Clooney, John Cusack ou Mark Ruffalo, sendo que a cada dia que passa têm-se juntado cada vez mais artistas.
Como é que a greve vai afetar os filmes e séries?
Além de interromper a maioria das filmagens, os atores ficam ainda impedidos de promover filmes e séries que fizeram, quer presencialmente, quer nas redes sociais.
Isso também significa que os talk show sobre novos filmes não vão ter tema de conversa e todas as entrevistas escritas, de televisão ou de rádio, programadas para acontecer a partir de sexta-feira foram canceladas.
Segundo o canal britânico BBC, com a perspetiva de que a greve possa durar meses, ou mesmo até ao fim do ano, os cinemas podem enfrentar problemas e os telespetadores podem ficar sem nada de novo para assistir, a não ser reality shows e desporto ao vivo.
O meio sublinha que na quinta-feira as negociações para um novo contrato com estúdios e gigantes do streaming foram interrompidas e cerca de 160.000 artistas pararam de trabalhar à meia-noite, juntando-se aos 11.500 argumentistas do Writers Guild of America (WGA), já em greve desde 2 de maio.
Ao meio-dia de sexta-feira, membros do sindicato e os seus apoiantes reuniram-se do lado de fora dos escritórios dos principais estúdios e serviços de streaming em Los Angeles, Nova Iorque e outras cidades.
Para já, as produções que provavelmente serão afetadas incluem sequelas do Avatar, Deadpool e Gladiador, bem como as próximas temporadas de séries como Stranger Things, Family Guy e Os Simpsons.
Num comunicado desta sexta-feira, a Casa Branca disse que o presidente Joe Biden "acredita que todos os trabalhadores - incluindo atores - merecem salários e benefícios justos".
"O presidente apoia o direito dos trabalhadores à greve e espera que as partes cheguem a um acordo que beneficie ambas as partes", disse a porta-voz Robyn Patterson.
O que se pode esperar nos próximos meses?
O efeito mais visível será provavelmente nos festivais de outono – Veneza, Telluride e Toronto – que começam no final do próximo mês. Estes festivais dependem fortemente da presença das estrelas para o lançamento de filmes que esperam uma grande popularidade mais tarde nos Oscars. No entanto, sem celebridades para promovê-los nas passadeiras vermelhas e para falar com os jornalistas, estes eventos podem perder a atratividade global.
Quanto tempo pode durar a greve?
É impossível saber-se. Sabe-se, porém, que a greve dos autores e argumentistas dura desde o início de maio, e não dá sinais de estar prestes a ser resolvida. Quanto aos atores, estes têm participado em piquetes de greve ao lado dos argumentistas desde o início, e acredita-se que continuem a fazê-lo. Já no que toca aos realizadores, o seu sindicato chegou a acordo com os estúdios em junho.
As produções estrangeiras serão afetadas?
O Sag-Aftra é um sindicato americano, com sede em Los Angeles, mas isso não significa que o impacto da greve ficará confinado às fronteiras dos Estados Unidos. Os atores americanos a rodar filmes em outros países, nomeadamente na Europa, irão deixar de trabalhar e promover películas.
Qual o impacto económico da greve?
De acordo com o New York Times, a indústria norte-americana de filmes e televisão vale cerca de 134 mil milhões de dólares (119 mil milhões de euros). Porém, segundo a publicação, a greve poderá afetar outras indústrias de Hollywood, nomeadamente agências de publicidade e de talento, celebridades e publicações comerciais, bem como festivais de cinema.
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