Deem-me um “D”, deem-me um “A”, deem-me um “N”, deem-me um “C”, deem-me um “E”: 'D.A.N.C.E.'. Que é como quem diz, o tema com o qual a dupla francesa Justice homenageou Michael Jackson e, ao mesmo tempo, venceu um prémio para Melhor Vídeo do Ano na edição de 2007 dos MTV Europe Music Awards, através de três minutos de pop art e t-shirts que se iam alterando a cada segundo (uma invenção que já tarda, convém dizer).
Não sendo o primeiro êxito do duo – esse é, grosso modo, a remistura que fizeram para 'Never Be Alone', dos ingleses Simian, e que se tornou mais conhecida como 'We Are Your Friends', dando até título a um filme de 2015 –, 'D.A.N.C.E.' é a canção na qual pensamos imediatamente ao falar do grupo, que regressou a Portugal na ressaca da vitória francesa no Campeonato do Mundo de Futebol. Quer dizer: ressaca para toda a gente em França, menos para eles. “O futebol não nos interessa”, revelou ao SAPO24 uma das metades do grupo, Xavier de Rosnay. Mas, acrescentou também, “é sempre bom ganhar um Campeonato do Mundo: cria coesão, é um bom motivo para nos esquecermos dos problemas que existem”.
Com o seu primeiro álbum, “†”, que é lido como “Cross”, ou cruz – a mesma que erguem em palco –, e onde encontramos 'D.A.N.C.E.', os Justice implantaram-se definitivamente no imaginário de todos aqueles que apreciam os tons e os ritmos da música eletrónica de dança. E até daqueles que não gostam dela por aí além; a sonoridade maximal, o house duro e os sintetizadores a rasgar fizeram, à semelhança dos Daft Punk, com que muitos fãs de rock voltassem as suas atenções para a dupla. Até porque os Justice pensam, sentem e vestem rock, envergando casacos de cabedal, pins onde se lê “HEAVY METAL”, e descrevendo o seu segundo álbum, “Audio, Video, Disco” (2011), como “um disco de rock progressivo feito por gente que não o sabe tocar”.
"Os miúdos tendem a ser muito mais recetivos à nossa música."
Ainda assim, houve quem se queixasse da sua presença no cartaz do Super Bock Super Rock (SBSR), talvez porque foram à Wikipedia e leram Justice is a french electronic music duo, daí fugindo a sete pés. O conservadorismo, especialmente o musical, pode ser uma coisa muito triste. E não é algo ao qual os Justice estejam alheios: “Em França, tocámos num festival chamado Rock En Seine, e houve gente a criticar a presença de artistas rap [no alinhamento]”, disse Xavier.
Em França como em Portugal, portanto, tendo sido vastas as críticas à inclusão de nomes no cartaz do SBSR como Travis Scott, que atuou no segundo dia do festival. Mas, conforme explicou o músico, “essas críticas partem mais de 'velhos do rock'. Os miúdos tendem a ser muito mais recetivos à nossa música”. Música essa que parte de muitas raízes diferentes: “nós crescemos a ouvir hard rock e heavy metal, mas também ouvíamos gangsta rap, por isso...”, é normal que, ao escutar os Justice, se encontre uma sonoridade capaz de apelar a subculturas distintas. Além do mais, “as pessoas não percebem que o festival se chama Super Bock? Se lhe chamassem Super Rock Super Dance, não funcionava”...
Independentemente do nome que lhe queiram dar, o festival acolheu, no dia do concerto dos franceses, fãs de Justice que foram desfilando t-shirts pretas com a supracitada cruz, e que, mesmo sendo em número assaz reduzido (e já depois de um atraso de mais de meia hora), não deixaram de dançar a sua música. Na calha não estava qualquer álbum novo; o último, “Woman”, data de 2016, e será sucedido por um ao vivo, “Woman Worldwide”, com data de lançamento marcada para o dia 24 de agosto. Esta foi, por isso, uma oportunidade de ver e escutar, em primeira mão, o espetáculo que os Justice decidiram editar em vinil, CD e formato digital.
Escolher as canções que constam deste mesmo espetáculo – ou de qualquer espetáculo dos Justice – é que não é, como se poderá pensar, tarefa fácil. “É um processo longo”, admitiu Xavier. “Começamos por apontar todas as canções que fizemos. Depois, alinhamo-las pelo tom de cada uma, escolhemos as que queremos realmente tocar, aquelas das quais só queremos o 'gancho', e começamos a fazer experiências. Quando lhes juntamos os visuais e começamos a ensaiar é que percebemos os caminhos a seguir, como é que aquelas canções ficam bem juntas. É um processo que nos leva oito meses”, contou.
De fora do alinhamento esteve uma remistura muito especial de 'Master Of Puppets', dos Metallica, que apresentaram ao vivo algumas vezes. “Foi muito divertido tocá-la há dez anos, mas nessa altura só tínhamos um álbum... Quando só tens 12 canções [no currículo], tens de fazer outras coisas”, disse Xavier. “Esta digressão é a primeira em que não temos quaisquer elementos externos; não há remisturas, só as nossas próprias canções”, mesmo que o seu nome tenha começado por se impor, tal como com muitos artistas do campo da música eletrónica, através de remisturas para outros músicos.
“Espero que, dentro de 20 anos, as pessoas olhem para trás e perguntem: 'como foi possível'” não dar os mesmos direitos às mulheres? Que a estas seja então feita justiça, de vez".
Antes de 'We Are Your Friends' houve, no entanto, “Hits Up To You”, uma compilação da MuscloRecords onde diversos artistas franceses interpretam temas seus, compostos de forma a soar a algo semelhante ao que se ouve na Eurovisão. Sabendo disto, não pudemos deixar de lhes perguntar, num assomo de patriotismo, o que acharam da vitória de Salvador Sobral. A resposta foi simples e direta: “quem?”. Apesar deste facto, os Justice não são fãs do evento: “A Eurovisão é horrível!”, afirmou o músico. E não o terá sido menos quando Sébastien Tellier, artista francês também nascido na área da eletrónica, participou em 2009. “Foi divertido vê-lo, mas ao mesmo tempo não percebemos porque é que ele decidiu fazer aquilo”...
O título de “Woman” e, por arrasto, de “Woman Worldwide” não surgiu por acaso. Em entrevistas anteriores, os Justice revelaram ter crescido rodeados de “mulheres poderosas”, como por exemplo “as nossas mães, as nossas agentes, as nossas amigas, namoradas”, estando neste momento a viver, como todos nós, numa época em que o feminismo se transformou num tópico de discussão diária. “Já não era sem tempo”, desabafou Xavier, mostrando o seu agrado pelas mulheres não terem hoje “uma vida tão dura como anos 60, ou mesmo nos anos 90”. “Espero que, dentro de 20 anos, as pessoas olhem para trás e perguntem: 'como foi possível'” não dar os mesmos direitos às mulheres? Que a estas seja então feita justiça, de vez".
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