“Em 2019 sairá uma edição pela Tinta-da-China reunindo o ‘Câmera lenta’ e outros poemas”, revelou a autora, adiantando que está também em conversações com a Mariposa Azual, que editou "Um teste de resistores", para fazerem “algum projeto”.
Estes são, para já, os projetos de edição de obras de Marília Garcia em Portugal, onde também está publicado “A Poesia Andando: Treze Poetas do Brasil” (Livros Cotovia, 2008), coordenado pela autora.
Quanto a outros planos, a escritora avançou que está a traduzir “uma antologia de poemas do francês Emmanuel Hocquard, que sairá no Brasil, em 2019, pela Luna Parque”, editora que coordena.
“Também devo editar pela Luna Parque uma antologia com textos curtos da Gertrude Stein, com tradução de Inês Cardoso”, adiantou, acrescentando que, além destes projetos, vai dar continuidade às traduções que faz e à publicação de textos no blog da Companhia das Letras.
Marília Garcia venceu, no passado dia 7 de dezembro, o Prémio Oceanos de literatura de língua portuguesa, no valor de cem mil reais (cerca de 24 mil euros), com a obra “Câmera lenta”, o “maior prémio” que já recebeu, e que confessa tê-la deixado duplamente feliz: por si e pela poesia.
“Foi, de facto, o maior prémio que já recebi e fiquei bastante comovida e feliz, não só pelo reconhecimento do que faço, como pela premiação irrestrita dada à poesia (o 1.º lugar com meu livro, mas também as 3.ª e 4.ª colocações, dadas a poetas, algo inédito na história do prémio)”, disse à Lusa.
“Acredito que a poesia está vivendo um grande momento, há muitas dicções interessantes e muitos caminhos diferentes se abrindo. A poesia feita por escritoras mulheres vive da mesma forma, pelo menos no Brasil, um momento sem igual. E acho que a premiação do Oceanos representou isso um pouco”, acrescentou.
Para a escritora, foi também “comovente o contexto tão português do anúncio do prémio”, ao final da tarde, numa cerimónia no Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa.
“Embora não estivesse lá, acompanhei a transmissão 'online' e foi emocionante pensar que o 'Cancioneiro da Ajuda' estava ali no Palácio, enquanto transmitiam a premiação”, contou.
A história da elaboração do “Câmera lenta” cruza-se com um outro prémio, o Icatu de Artes, em 2014/2015, graças ao qual a autora conseguiu acabar o livro.
“Eles me concederam uma residência de sete meses na ‘Cité Internationale des arts’, em Paris, onde me concentrei exclusivamente na escrita. O ‘Câmera lenta’ vinha sendo escrito desde 2008 e a possibilidade de estar envolvida 100% com ele naquele momento foi muito importante para chegar à forma final do livro”.
“Câmera lenta” foi publicado no Brasil em 2017, pela Companhia das Letras.
Marília Garcia nasceu em 1979, no Rio de Janeiro, formou-se em Letras, doutorou-se em Literatura Comparada e soma cinco livros, publicados nos últimos dez anos: "20 Poemas para o seu Walkman" (2007), "Engano Geográfico" (2012), "Um Teste de Resistores" (2014) e "Paris Não Tem Centro" (2015), que antecederam "Camera Lenta" (2017).
Traduziu, entre outros autores, Emmanuel Hocquard, Gertrude Stein e Kenneth Koch.
No 'blog' da Companhia das Letras, sobre o processo de construção do poema, escreveu: "(...) Queria escrever um poema que tivesse a palavra 'coração'. Como usar uma palavra tão batida sem soar pesado? Como remover da palavra os usos e o lugar comum? Tendo o coração se tornado palavra gasta, seria possível voltar o coração contra o coração?"
Depois de percorrer a relação de vários poetas com a palavra, de Vinícius de Moraes e João Cabral de Mello Neto, a Manuel Bandeira e Drummond de Andrade, Marília Garcia deteve-se em “Osso do Coração”, poema-fábula de Zuca Sardan, em que a personagem principal de uma peça sobrevive a todos. No final, arranca o coração do próprio peito, tira-lhe a pele até só sobrar o osso, no qual vai gravar que "todo mundo se matou por ilusão". "Talvez este osso ilustre bem a ideia de coração contra o coração".
"Se a gente prestar atenção e fizer silêncio", escreve Marília Garcia num dos poemas de "Câmera Lenta", "pode ser que ouça/ alguma mensagem /perdida no ar".
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