O autor argentino Joaquín Salvador Lavado, conhecido como Quino, criou uma personagem que se tornou numa das mais improváveis comentadoras políticas da atualidade, Mafalda, uma menina que detestava sopa, adorava os Beatles e tinha monólogos preocupados e existencialistas, em frente a um globo terrestre.
Entretanto, passaram 60 anos e, para assinalar esta data da irreverente e contestatária Mafalda, a Iguana, chancela da Penguin Random House, reedita em Portugal todas as suas tiras numa nova edição.
"Toda a Mafalda" é uma "edição completa que reúne todos os desenhos e tiras que Quino, o seu brilhante criador, fez da sua personagem mais querida. Com prefácio de Umberto Eco, que considera a Mafalda 'a heroína do nosso tempo', esta edição inclui uma contextualização histórica das tiras, homenagens de personalidades internacionais e portuguesas do mundo das artes e do espetáculo, entre outros materiais inéditos, que nos mostram que, após sessenta anos, as observações ousadas e perspicazes da Mafalda continuam tão pertinentes como nunca", lê-se na sinopse da obra.
O livro conta ainda com diversa informação que ajuda a contextualizar a personagem e os acontecimentos históricos da época.
Para quem não se quiser aventurar nas tiras completas, há sempre a hipótese do livro "O Indispensável da Mafalda". E mais: há uma opção para crianças — "Mafalda para miúdos" — e outra para quem se quiser centrar no feminismo — "Mafalda: Feminino Singular".
Além disso, as comemorações continuam no festival Amadora BD que, entre 17 e 27 de outubro, apresenta uma exposição dedicada a Mafalda, onde os leitores poderão entrar no universo no qual vive, pensa, protesta e se revolta – e que, apesar do tempo passado, continua atual.
Sobre o autor, Quino, de recordar que morreu em setembro de 2020, na sequência de um acidente vascular cerebral.
Filho de espanhóis, nascido em Mendoza, em 1932, Joaquín Salvador Lavado desenhou e publicou vários livros de desenho gráfico para um público mais adulto, nos quais predomina um humor corrosivo e negro sobre a realidade social e política.
Quino imaginou Mafalda para um anúncio publicitário a uma marca de eletrodomésticos, para o qual lhe pediram que desenhasse a história de uma família típica da classe média.
A banda desenhada não chegou a ser publicada, mas Quino recuperou a personagem Mafalda quando o convidaram para publicar no Primera Plana, na altura um jornal que procurava fazer uma reflexão crítica da atualidade argentina e internacional. Foi a 29 de setembro de 1964 que Mafalda surgiu.
Das tiras de Quino saíam comentários sobre a ordem do mundo, a luta de classes, o capitalismo e o comunismo, mas também, de forma mais subtil, sobre a situação política e social argentina.
Quino deixou de desenhar Mafalda em 1973, admitindo ter ficado extenuado, e continuou a desenhar e a publicar outros desenhos de humor, compilados em diversos álbuns, mas foi a criança contestatária que mais fez espalhar o seu nome e o seu trabalho pelo mundo.
Em 2016, numa entrevista à agência Efe, por ocasião da Feira do Livro de Buenos Aires, Quino afirmava que o mundo atual seria para a personagem Mafalda "um desastre e uma vergonha".
"Olhando as coisas que fiz todos estes anos, percebo que digo sempre as mesmas coisas e que continuam atuais. É terrível… não?", referiu Quino, a propósito dos seus temas de sempre: "A morte, a velhice, os médicos e outras coisas", como as injustiças sociais, a pobreza.
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