“Não concebo que haja um português que não esteja reconciliado com aquilo que é fundamental para o país”, declarou o chefe de Estado aos jornalistas, no fim da inauguração da exposição “A Oficina de Saramago”, na Biblioteca Nacional, em Lisboa, que contou com a presença do ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva.
Marcelo Rebelo de Sousa, que liderou o PSD entre 1996 e 1999, referiu que quando Saramago recebeu o Prémio Nobel da Literatura, em 1998, esteve em Madrid com o escritor, com quem a sua área política tinha um “mau relacionamento”.
“Eu creio ter sido o primeiro dessa a área a atravessar a praça para ir dar-lhe um abraço e felicitá-lo”, salientou.
O antigo presidente do PSD realçou ainda que apresentou, em conjunto com Mário Soares e José Barata-Moura, um livro de José Saramago, “Ensaio sobre a Lucidez”, em 2004, que alguns setores interpretaram “como convite à abstenção, ao voto nulo”.
“Lembro que o Presidente Mário Soares e eu tivemos visões diferentes, ele muito crítico e eu muito defensor da perspetiva de Saramago”, disse.
O chefe de Estado contou que conviveu com Saramago “em várias qualidades, no jornalismo várias vezes, fora do jornalismo”, também porque “tinha uma secretária que era vizinha no mesmo prédio” do escritor.
“Portanto, houve aqui uma cumplicidade e uma empatia ao longo do tempo, durante muitos anos, que me permitiu conhecer, além da obra, também o homem”, concluiu.
Marcelo Rebelo de Sousa criticou em várias ocasiões a decisão tomada por Sousa Lara, em 1992, enquanto subsecretário de Estado da Cultura do XII Governo, chefiado por Aníbal Cavaco Silva, de retirar o livro “Evangelho sobre Jesus Cristo” de uma lista de candidatos a um prémio literário europeu.
Interrogado se considera que a sua área política está reconciliada com José Saramago, o Presidente da República respondeu que pensa que sim, distinguindo, contudo, “dois tipos de reconciliação”.
“Uma é a reconciliação de se concordar com as posições das pessoas — e ao longo do tempo há muita gente que não concorda com as posições tomadas por outras pessoas antes da revolução durante a ditadura, durante a revolução, depois da revolução”, apontou, numa alusão à militância política de José Saramago no PCP.
“Agora, a reconciliação com Saramago o escritor, o que ele deu à língua portuguesa, o que deu à leitura, o que deu à projeção de Portugal no mundo, não concebo que haja um português que não esteja reconciliado com aquilo que é fundamental para o país”, completou Marcelo Rebelo de Sousa.
Segundo o chefe de Estado, esta “é uma exposição diferente, que mostra o Saramago que normalmente não se conhece” — a tradução e edição de livros, o processo de escrita, originais que não chegou a publicar, cartas trocadas com outros autores.
“Portanto, há todo um mundo para compreender Saramago, para compreender o homem e a sua escrita, presente nesta exposição. Vale a pena vir cá”, afirmou.
“A Oficina de Saramago” é uma exposição bibliográfica e documental que tem como curadores Carlos Reis e Sara Grünhagen, com pesquisa arquivística de Fátima Lopes, da Biblioteca Nacional.
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