“Este livro queria dirigi-lo, mesmo, a toda a gente. Toda a gente pode escrever, toda gente deve escrever”, disse Miguel Esteves Cardoso à Lusa.
“O livro ensina qualquer pessoa a escrever, e uma parte muito importante é a preparação para escrever, e a preparação para escrever, é uma pessoa estar disponível a receber ideias, a pessoa tem de desobstruir a cabeça para receber aquilo que eu chamo ocorrências, ideias, opiniões imagens que a pessoa tem”.
“As pessoas escrevem as coisas mais banais agora com as redes sociais, as pessoas cada vez escrevem mais, o que estão a fazer… Todas as pessoas já escrevem. O que eu estou a dizer é que vale a pena ganhar a prática de escrever para escrever melhor, porque o escrever impressiona muito. A pessoa que não quer contar certas coisas, por exemplo, a pessoa que pensar que o escrever tem a ver com o revelar os segredos, é como o falar. Eu posso falar sobre coisas graves ou coisas estúpidas, ninguém julga o falar, e por que se há de julgar o escrever?”, argumentou.
O autor soma cerca de 50 anos dedicados à escrita, do jornalismo à poesia, do teatro à ficção e ao ensaio, escreveu até libretos operáticos, letras de canções.
O autor desenvolve no livro o conceito de “grafigrafia”, que, como escreve na obra, “servirá de complemento, ou de legenda, ou de chave de interpretação”, pois “as fotografias são incompletas”. “Lê-se o retrato de alguém e depois mostra-se a fotografia”. Para Esteves Cardoso, todavia, não há oposição entre fotografia e escrita, antes complementaridade, pela contextualização da imagem.
“Para efeitos da nossa 'grafigrafia', basta uma prova: Uma fotografia faz escrever. E escrever faz-nos olhar mais para uma fotografia”.
“A escrita e a fotografia ajudam-se uma à outra”, escreve o autor, que acrescenta: “Facilmente se imagina uma fotografia à procura de uma legenda que a esclareça e ilumine”.
“As fotografias não dizem nada, só escrevendo a chamada legenda - para já identificar as pessoas -, depois dizer, por exemplo, ‘por acaso neste dia estava muito chateado, tinha recebido uma má notícia’, por detrás da fotografia. Só escrevendo. É a legenda que situa aquela imagem”, sem isso, “as pessoas olham para aquela imagem e não sabem nada, onde estavam, quem estava ‘chateado’", disse à Lusa.
“De facto o que fica escrito tem muita força. Eu também refiro as cartas, e ainda por cima escritas à mão - têm muito impacto”.
Miguel Esteves Cardoso argumenta que “todas as pessoas ganham em escrever, escrever tudo. Não compreendo porque não se faz mais, porque tudo o que uma pessoa faz pode ser escrito”, até coisas do dia-a-dia, acrescentou.
Por exemplo, “chegar a casa e escrever o que lhe aconteceu durante o dia, o que comeu, as coisas mais banais”.
“A escrita permite preparar e permite pensar”, argumentou, acrescentando: “Escrever é uma maneira de passarmos aquilo que nós pensamos, porque todos pensamos e falar não chega".
O autor referiu a solidão de muitas pessoas, que não têm ninguém para falar, e “às vezes apetece-lhes falar com alguém às três da manhã e não têm ninguém, e para isso é que serve escrever. Escrever é uma coisa muito, muito bem pensada. Para escrever, a pessoa tem muito tempo para dizer uma coisa, pode estar uma noite inteira para fazer uma declaração de amor em duas frases”, afirmou.
Miguel Esteves Cardoso disse que esta sua preocupação começou cedo na sua vida. “Começou quando eu era miúdo, e percebi que à minha volta, muitas pessoas que tinham muita graça e que eu gostava muito de poder ler, não escreviam. Eu via que eram pessoas que eu queria ler, não era só ouvir falar, mas que queria ler, e não escreviam. Eu vi que já há muito poucas pessoas que escrevem. Escrever é uma coisa muito restrita”.
Questionado sobre a inibição de escrever de muita gente, Esteves Cardoso argumentou: “A inibição não tem nada com a escrita. Tem a ver com o público, com o ser lido, a inibição tem a ver com o ser julgado pelos outros, não com a escrita, porque na verdade uma pessoa que consiga falar consegue escrever”.
Para o autor, concluiu, “escrever é a melhor maneira de dar sentido à vida”.
* Nuno Lopes, da agência Lusa
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