Intitulada “A Leitura da Sina do Menino Jesus”, a pintura criada por Josefa de Ayalla, conhecida por Josefa de Óbidos, é considerada “uma obra-prima pela qualidade e iconografia rara” pelos especialistas.
“É uma peça extraordinária, com um tema muito raro”, avaliou Joaquim Caetano, diretor do MNAA, contactado pela agência Lusa, sobre a vinda da pequena pintura.
O especialista em História da Arte revelou que a peça, depois de ter sido adquirida, em junho, num leilão, na Alemanha, pelo colecionador e galerista argentino Jaime Eguiguren, foi cedida para ficar um mês no museu português, em Lisboa.
“Fomos contactados pelo colecionador, dizendo que tinha a peça, e que queria obter uma opinião do museu. Na altura, na troca de ‘e-mails’, eu disse que gostávamos mesmo de a expor no MNAA”, recordou à Lusa o diretor do museu, mostrando-se surpreendido por Jaime Eguiguren ter aceitado de imediato a cedência para Lisboa.
A vinda a Portugal da pintura devocional de pequenas dimensões – totalmente desconhecida dos especialistas – surge num contexto particular, que tem a ver com a estada da peça na Alemanha, de onde só partiria para os Estados Unidos dentro de um mês.
“Nestas circunstâncias, o colecionador acedeu a que a obra ficasse em Lisboa para exibição durante um mês”, e Joaquim Caetano já organizou duas sessões para falar sobre a pintura, uma na sexta-feira, às 18:00, data da inauguração, e outra no dia 03 de outubro, à mesma hora.
A obra foi vendida em junho por 220 mil euros num leilão em Bona, na Alemanha, e, na altura, o Estado português, através da Direção-Geral do Património Cultural, tentou comprá-la para o MNAA, mas sem êxito, porque o valor ultrapassou a disponibilidade financeira para o quadro.
A pintura, vendida através da leiloeira Plückbaum, com uma base de licitação de 25 mil euros, tem uma dimensão de 23 por 29 centímetros, e foi feita sobre placa de cobre, mostrando a Virgem Maria com o Menino Jesus ao colo a ser saudado por outras mulheres com crianças, enquanto uma cigana lhe pega na mão para ler a sina.
A cena decorre durante a estada da família de Jesus no Egito, e a associação entre este país e o povo cigano foi usual na época, em coletâneas de gravuras e nas pinturas em Portugal e em Espanha
Joaquim Oliveira Caetano disse à Lusa que a peça foi muito disputada no leilão, onde se encontravam colecionadores portugueses e estrangeiros, bem como museus interessados, que chegaram a licitar, mas viria a ser comprada por Jaime Eguiguren, que possui várias galerias de arte, nomeadamente na Europa e nos Estados Unidos.
A pintura terá sido comprada já fora de Portugal, nos anos de 1980, mas só foi conhecida quando surgiu no leilão, na Alemanha, recordou o historiador de arte, que foi conservador da coleção de pintura do MNAA e um dos comissários da mais recente mostra do MNAA dedicada à artista, “Josefa de Óbidos e a Invenção do Barroco Português” (2015).
Para o historiador de arte, é muito possível que venham a surgir, no mercado, outras obras desconhecidas de Josefa, “sobretudo porque, atualmente, com as questões de género em foco, o facto de se tratar de uma mulher artista de grande talento, do período barroco, a sua obra será mais valorizada”.
Josefa de Óbidos nasceu em Sevilha, em 1630, e morreu em Óbidos, em 1684. Aprendeu o ofício com o pai, Baltazar Gomes Figueira, com quem trabalhou na sua oficina, e recebeu educação religiosa no Convento de Santa Ana, em Coimbra, entre 1644 e 1646, passando a residir em Óbidos a partir desse ano.
A pintora está representada no Museu do Louvre, em Paris, com o quadro “Maria Madalena”, também conhecido por “A Penitente Madalena Consolada Por Anjos”, comprada num leilão em Nova Iorque pelo galerista de arte lusodescendente Philippe Mendes, por 236 mil euros, e doada ao museu, onde fora curador.
Também o Museu da Misericórdia do Porto tem um quadro de Josefa de Óbidos, “A Sagrada Família com São João Batista, Santa Isabel e Anjos”, igualmente adquirido num leilão em Nova Iorque, por 228 mil euros.
Dos quadros chave na obra da pintora, destacam-se ainda “Maria Madalena” e “Lactação de S. Bernardo”, na coleção do Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra, “Cordeiro Místico”, no Paço dos Duques de Bragança, em Guimarães, e “Cordeiro Pascal”, no Museu Nacional Frei Bartolomeu do Cenáculo, em Évora, que detém igualmente algumas naturezas mortas da pintora, assim como as peças “Transverberação de Santa Teresa” e “Sagrada Família” e “Calvário”.
O Museu de Arte Walters, de Baltimore, nos Estados Unidos, tem no seu acervo e em exposição permanente o “Cordeiro Sacrificial”, pintura adquirida em Roma, no início do século XX, pelo fundador da instituição, Henry Walters.
No Museu Nacional de Arte Antiga encontra-se o maior acervo de obras de Josefa de Óbidos, 15 no total, que foram integradas na exposição dedicada à pintora, há quatro anos, “Josefa de Óbidos e a Invenção do Barroco Português”, da qual Joaquim Caetano foi um dos comissários.
Em 1991, a Galeria D. Luís, no Palácio Nacional da Ajuda, acolhera a mostra “Josefa de Óbidos e o Tempo Barroco” e, em 1997, o National Museum of Women in the Arts, em Washington D.C., nos Estados Unidos, dedicou à artista a exposição “Sagrado e Profano: Josefa de Óbidos de Portugal”.
A primeira exposição conhecida com obras de Josefa de Óbidos remonta ao final da década de 1940, no MNAA, com a reunião de pinturas do seu acervo.
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