"É uma aventura gigante num mundo completamente desconhecido mas que tem um impacto enorme nas nossas vidas diárias", disse à Lusa a jornalista, que está radicada em Los Angeles.
A primeira temporada de "Na Rota do Tráfico com Mariana van Zeller" tem oito episódios e mostra uma viagem ao submundo de vários mercados negros, desde o tráfico de opiáceos e esteroides a proxenetas e esquemas fraudulentos.
"Metade da economia global são mercados ilegais e informais", disse a jornalista. "Quer dizer que metade da população global trabalha nestes mercados cinzentos ou negros, daí a importância de uma série como esta, porque sabemos muito pouco sobre eles".
Filmando com uma equipa de seis a sete pessoas, Mariana van Zeller explicou que há um treino constante sobre segurança e preparação para enfrentar situações voláteis no terreno.
"O importante quando chegamos a estas situações, em que estamos a lidar com golpistas na Jamaica ou com o cartel de Sinaloa, é mostrar sempre que estamos ali sem julgamento, com empatia e que eu trato todas as pessoas com o mesmo respeito e confiança", afirmou à Lusa. "Ao tratar as pessoas dessa maneira, eles tratam-nos assim também".
Segundo a perspetiva de Mariana van Zeller, os criminosos que se dispõem a contar as suas histórias fazem-no por um misto de razões, que vai desde uma questão de ego ao sentimento de impunidade e à necessidade muito humana de serem compreendidos.
"Mesmo viajando aos extremos da nossa sociedade, conseguimos encontrar pessoas que são relacionáveis, e isso é a mensagem principal que eu quero passar com esta série", explicou.
A jornalista frisou que, mesmo nas pessoas mais estigmatizadas da sociedade, nos criminosos, assassinos e traficantes, há "muito mais semelhanças do que diferenças" com o resto da população.
"É muito mais fácil julgarmos e acharmos que não temos nada em comum", afirmou. "É mais difícil, mas chegamos muito mais à verdade, se pusermos o trabalho e o tempo de descobrirmos realmente o que leva uma pessoa a uma vida de crime".
As histórias dos sujeitos retratados mostram como os contextos sociais são determinantes: "É a falta de oportunidade, é a desigualdade, é a pobreza", notou van Zeller. "Se lhes tivessem sido dadas oportunidades de trabalhar num mundo legal, teriam e podiam ser membros trabalhadores e contribuir para a nossa sociedade".
A jornalista lembrou a história de um jovem peruano que, aos 16 anos, enveredou pela profissão de "mochilero", transportando cocaína pela selva peruana em condições muito perigosas. Vindo de uma família pobre, o seu objetivo era juntar dinheiro para poder estudar na universidade e tornar-se dentista.
"Só ao compreendermos a raiz dos problemas vamos conseguir mudar os mercados negros globais e termos algum impacto no mundo", frisou.
Mariana van Zeller disse também que uma faceta surpreendente deste submundo é que muitas operações decorrem às claras, sem que sejam levantadas suspeitas.
"Às vezes a melhor maneira de operar é fazer as coisas à vista e ninguém repara. Nós vimos isso a acontecer".
Apesar da pandemia de covid-19, a equipa está já a filmar a segunda temporada, que deverá ter dez episódios.
Van Zeller explicou que a crise sanitária adicionou desafios a uma tarefa que já era complicada, e que os efeitos da pandemia estão visíveis no terreno, com um grande aumento dos mercados negros.
"Sempre que há uma crise económica e as pessoas perdem os empregos, têm de encontrar uma maneira de fazer dinheiro e de sobreviver", explicou. Para muitas pessoas, as únicas oportunidades que surgem envolvem uma vida de crime.
"Tem havido uma explosão enorme do mercado de tráfico de armas, de sexo, de drogas. Percebemos que é mais relevante e importante do que nunca fazer uma série como esta".
Um dos episódios da próxima temporada debruça-se sobre o tráfico de ódio e ideologias, que se agudizou nos Estados Unidos, ao longo dos últimos anos.
"Estivemos com pessoas que estiveram no ataque ao Capitólio, dois meses antes de eles entrarem", disse à Lusa Mariana van Zeller.
A equipa também passou algum tempo com os Proud Boys, classificados pelo FBI como um grupo extremista, e chegou a ser atacada num dos seus eventos por estar a filmar e ser considerada "mainstream media".
"Nós, como jornalistas - é um dos momentos mais difíceis da História", considerou van Zeller. "É mais importante do que nunca este trabalho que nós fazemos da procura da verdade".
A série é acompanhada pelo podcast "Trafficked", onde os utilizadores poderão escutar entrevistas com ex-traficantes.
Por: Ana Rita Guerra da agência Lusa
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