O escritor de 72 anos, nascido no sultanato de Zanzibar e refugiado em Inglaterra nos anos 1960, foi distinguido na quinta-feira pela sua obra sobre a era colonial e pós-colonial na África oriental e sobre os tormentos dos refugiados encurralados entre dois mundos.
“Escrevo sobre essa condição, porque quero escrever sobre as interações humanas, o que as pessoas passam quando tentam reconstruir a sua vida”, disse Gurnah numa conferência de imprensa em Londres, um dia após a sua consagração.
O autor não esperava o prémio: “Escrevemos o melhor que podemos e esperamos que resulte!”.
Com dez romances, diversos contos e vários livros de ensaio e crítica literária publicados, Abdulrazak Gurnah insistiu que continuará a falar francamente das questões que moldaram a sua obra e a sua visão do mundo.
Prémio Nobel ou não, comentou, “é a minha maneira de falar: não estou a representar um papel, digo o que penso”.
O quinto autor nascido em África a ganhar o prémio, Abdulrazak Gurnah fugiu de Zanzibar em 1967 e chegou a Inglaterra em 1968, onde se instalou e adquiriu a nacionalidade britânica.
Embora a sua língua nativa seja o suaíli, também aprendeu inglês no arquipélago do oceano Índico, protetorado britânico antes da sua vinculação à Tanzânia, mas apesar de escrever em inglês, o escritor conserva uma forte ligação à sua terra natal, uma ligação que alimenta a sua obra.
“Eu sou de Zanzibar, não há qualquer confusão no meu espírito quanto a isso”, sublinhou.
“O meu trabalho e a minha vida são aqui” no Reino Unido, “mas não é isso o que inteiramente constitui a nossa vida imaginária ou a nossa vida imaginada”, acrescentou.
Após meio-século passado no Reino Unido, Gurnah considera que o racismo ali diminuiu, mas que as instituições do país se mantêm “autoritárias”, referindo o exemplo do escândalo “Windrush”, sobre o tratamento infligido a milhares de imigrantes das Caraíbas que chegaram legalmente ao Reino Unido entre 1948 e 1971, mas foram privados de direitos por falta dos documentos necessários.
“Estamos a assistir à continuação da mesma torpeza”, prosseguiu, antes de atacar “o erro” do ‘Brexit’ (saída do Reino Unido da União Europeia), no qual vê “qualquer coisa de nostálgico e de ilusório”.
O escritor mostrou-se igualmente crítico em relação às políticas de outros países europeus, como a Alemanha que, na sua opinião, não “encarou de frente a sua história colonial”.
O seu mais recente romance, “Afterlives” (2020), segue a vida de um menino roubado aos pais pelas tropas coloniais alemãs, que regressa à sua aldeia para procurar os pais e a irmã desaparecidos.
O Nobel criticou a linha dura dos Governos europeus em relação à imigração procedente de África e do Médio Oriente, considerando-a cruel e ilógica.
“Nesta resposta aterrorizada — ‘Mas quem são estas pessoas que aí vêm?!’ — há uma falta de humanidade, uma falta de compaixão”, apontou, acrescentando que não existe para tal “qualquer fundamento moral ou racional: as pessoas não chegam sem nada, chegam com a sua juventude, a sua energia, o seu potencial”.
“O simples facto de se contemplar a ideia ‘eles estão aqui, eles vêm roubar alguma coisa à nossa prosperidade’ é desumano”, defendeu.
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