Eddie Vedder tem ao pescoço um cachecol de Portugal e não parece querer abandonar o palco. Acaba de terminar o encore poderoso que pôs um NOS Alive, absolutamente lotado, a cantar em coro. Momentos antes, a entrega em “Black”, um dos temas mais populares dos velhos lobos do grunge, é total. Eddie Vedder, que já deu nove concertos em território português (dos quais, quatro neste festival), ajoelha-se e agradece.
Era presumível um dia cheio, mas nada nos preparou para isto: são rios de gente que navegam o recinto do Passeio Marítimo de Algés em direções diferentes — cardumes humanos desorientados, que ora circulam para um lado, ora para outro, que formam filas por toda por toda a parte (conseguir jantar pode ter sido uma tarefa particularmente difícil para alguns). É desconfortável: a navegação é extremamente difícil.
Exceto, claro, quando os Pearl Jam pisam o palco. 20 minutos antes do concerto arrancar, está tudo a postos. “Daughter”, tema de Vs, segundo álbum de estúdio da banda de Seattle, é um pontapé de saída inesperado — ainda que os Pearl Jam sejam já conhecidos por não seguir alinhamentos fixos. “Foi uma surpresa”, confessa, ainda assim, Pedro Silva, um mega-fã da banda norte-americana, que esgotou o último dia do NOS Alive em 20 minutos, assim que a sua presença foi anunciada. Encontramo-nos no final do concerto e conversamos.
É indiscutível: a plateia é do mais fiel que há, toda a gente veio para vê-los — as roupas que os festivaleiros envergam não nos deixam mentir: se a noite de Dua Lipa foi marcada por purpurinas, hoje são as T-shirt a dizer Pearl Jam que marcam a tendência de um público que sabe exatamente o que quer ver.
Eddie Vedder, que reserva sempre um (ou vários) momentos para falar no idioma do país que visita (quando necessário, com a ajuda de tradutores, até), tem ideias preparadas em português. Por vezes é difícil entendê-lo, mas agradecemos o esforço, é louvável — e, nós sabemos, a nossa língua não é propriamente fácil. Mas ele elogia-a: “A vossa língua é muito fixe, mas quando falo dá merda”, brinca.
Foram duas horas cheias. “Nós somos apenas uma banda de Seattle. Mas vocês é que são mágicos! Então faço um brinde para este lindo festival”. E assim foi: Eddie Vedder agarra numa garrafa de vinho e saúda todos aqueles que vieram para o ver. Por vezes, parece arrastar algumas palavras, mas dizem-nos que é normal: “Ele está a beber muito menos nos concertos”, garante, ainda assim, Pedro Silva, que já assistiu a cinco espetáculos de Pearl Jam, conjunto que mantém a mesma formação desde 2002.
O último a que assistiu foi em Dublin, na Irlanda. “Gostei mais deste”, confessa. O público é mais jovem, cantou mais, nota. Além disso, ouviu, finalmente,“Animal”, tema de Vs, que nem sempre faz parte do alinhamento.
“Vocês são todos lindos”, atira Eddie Vedder, depois de uma explosão em “Given to Fly”. E, garante, não é algo que diga levianamente e a todas as plateias. O show juntou vários êxitos — e uns quantos solos de guitarra incríveis de Mike McCready — que marcam uma carreira de 34 anos, o número que Vedder exibe na sua T-shirt. A setlist resume-se a um best off com algumas raridades e ainda boas escolhas no que concerne a “Dark Matter”, novo álbum lançado este ano — incluindo “Waiting for Stevie”, tema que se destaca pelas semelhanças que tem em relação aos primeiros trabalhos do conjunto.
São, no entanto, as canções de “Ten”, primeiro de 12 álbuns da banda, que arrancam as emoções mais fortes à legião de fãs, entre elas, “Even Flow” — “não me lembro do nome desta”, declara o vocalista, antes de começar a cantar — , “Porch” ou “Alive” (sim, no Alive).
Num dos momentos mais emotivos, Eddie Vedder, um pacifista, interpreta “Imagine”, Mas não sem antes recordar a primeira vez em que cantou o emblemático tema de John Lennon: noutros tempos, decorou-o antes de entrar em palco, numa altura em que “o mundo estava em dor”. “Precisávamos dela”, comenta, remetendo depois para o contexto atual, sobretudo no que se refere ao seu país, para o qual regressará depois deste concerto.
Vedder não sabe, mas, enquanto fala, jornais de todo o mundo anunciam que, do outro lado do Atlântico, Donald Trump, controverso candidato à presidência dos Estados Unidos, é repentinamente retirado de um comício pela sua equipa de segurança, depois de se ouvirem tiros. Percorremos rapidamente as notícias e vemos imagens do ex-presidente com sangue na cara (foi atingido na orelha) e ficamos a saber que houve duas mortes — o atirador e outra pessoa que marcava presença no comício na Pensilvânia. Sim, precisamos mesmo da canção “curativa” de que nos fala o cantor e compositor de 59 anos.
“Rockin’in the Free World” (de Neil Young) e “Yellow Ledbetterde” são mais duas das que encerram um super-espetáculo. E, como tantos outros milhares, Pedro Silva, com quem conversamos no fim, termina este concerto de alma lavada. Eddie Vedder também está contente — muito provavelmente, porque encerrou a sua tour e está prestes a regressar a casa.
O pop-punk dos anos 2000 ainda faz sentido?
Cringe, estrangeirismo que tão comunmente descreve hoje momentos de vergonha alheia, será o melhor termo para descrevermos as sensações por que somos invadidos no concerto de Sum41. Não é só por causa deles, também é por causa de nós: sabemos alguns temas de memória.
Mas, ainda assim, concluímos: o pop-punk-super-comercial dos anos 2000 não envelheceu bem, já não faz sentido. A banda americana, que vive a última tour da sua carreira (anunciaram que iam retirar-se dos palcos), pisou o palco principal do NOS Alive, com um alinhamento que percorreu as últimas duas décadas, sem excluir, no entanto, uma mão cheia de temas do último álbum, Heaven :x: Hell.
Não faltaram, no entanto,“Fat Lip”, “Into Deep” ou “Pieces”, temas que marcaram a geração da MTV com o imaginário do — também mal envelhecido — filme “American Pie”. O vocalista Deryck Whibley está de camisola preta, de mangas cavas, exatamente como se estivéssemos em 2004. Ele não pode crescer.
“Onde é que estão todos o malucos?”, pergunta. Há um “fuck” por frase, ele quer saltos e são frequentes os incentivos ao moche. Se não estivéssemos em 2024, com um público que cresceu no anos 90, isto ainda acabava como o Woodstock 99.
A última noite do NOS Alive, que incluiu também Blasted Mechanism e The Breeders, no palco principal, foi de rock — mas foi, acima de tudo, de Pearl Jam. No dia anterior, foi de Dua Lipa. E, no arranque, foi de Arcade Fire.
Ao longo de três dias, 165 mil pessoas pisaram o Passeio Marítimo de Algés, confirmou a organização em conferência de imprensa, juntando um total de 129 atuações e 127 artistas, distribuídos por sete palcos.
Para o ano? Para o ano há mais e as datas já estão marcadas: em 2025, o NOS Alive acontece a 10, 11 e 12 de julho, com a promessa de melhorias no recinto — que crescerá — nos próximos cinco anos.
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