Há algo que salta à vista mal se entra no recinto para aquele que foi o primeiro dia da sexta edição do NOS Primavera Sound: o festival cresceu exponencialmente, levando até ao Parque da Cidade do Porto um verdadeiro mar de gente como não se viu em qualquer das edições anteriores, especialmente num dia que, por ter uma menor oferta musical (já que só funcionam dois dos quatro palcos), também costumava arrastar uma fatia menor de público.
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Para tal terá contribuído não só a boa imprensa que o festival tem vindo a granjear, mas também o facto de, neste dia 1, o NOS Primavera Sound ser palco para dois espetáculos que, num país rock como o é Portugal, não se costumam vislumbrar: o r&b “aprincezado” de Miguel – que foi um verdadeiro furacão no palco principal – e o hip-hop dos Run The Jewels, que regressaram num enorme momento de forma.
Não foi, no entanto, com este tipo de linguagens que o primeiro dia se começou a construir, e sim com o rock rasgado de Samuel Úria, que se apresentou em palco com a sua banda para um concerto em que, grosso modo, apresentou as suas canções mais populares, de “Não Arrastes O Meu Caixão” a “Lenço Enxuto”. Pelo meio, uma boa disposição e humor invejáveis, entre referências à sua Tondela natal e, até, a colaboradores do SAPO24 – sendo ele próprio colaborador.
Com um jeito rock que o ajudou a tornar-se, em poucos anos, um valor seguro da música feita em Portugal, Úria foi desfilando riff atrás de riff, chegando mesmo a evocar os Nirvana numa versão bem nacional de “Molly’s Lips”, um original dos escoceses Vaselines aqui transformado em “Os Lábios da Amália”.
Se Úria puxou pelo lado mais selvagem do público, os Cigarettes After Sex voltaram a acalmá-lo, de certa forma fazendo jus ao seu nome. Um shoegaze ortodoxo que prometeu mais do que cumpriu, ainda que tenham sido bastantes aqueles que entraram em estado de delírio com a música que saía das guitarras dos norte-americanos. Um delírio que não se sentiu, de todo, com o concerto de Rodrigo Leão com Scott Matthew – salvo a sua incursão pela magnífica “I Wanna Dance With Somebody”, de Whitney Houston.
Um furacão chamado Miguel. Ver para crer
Dançar foi algo que Miguel fez como nenhum dos outros nomes presentes neste primeiro dia de festividades, ele que também fez dançar. E muito. O norte-americano não acusou o toque de ser colocado numa hora tão adiantada e entrou em palco como se fora um verdadeiro cabeça de cartaz, acompanhado por uma secção rítmica de fazer inveja e por uma raiva como há muito não se via num concerto do género. Foi r&b, foi pop, foi rock, funk e até noise. E foi “Adorn”, a belíssima canção que o apresentou ao mundo, e que ecoou por cada canto do Parque da Cidade. Chamar-lhe gigante é eufemismo.
Gigantes são também os Arab Strap, contratação de última hora devido à saída dos Grandaddy do cartaz, por força da morte do seu baixista. A banda escocesa fez por merecer os aplausos, por entre o indie rock de levar a lágrima e a eletrónica mais dançável, e digna de compatriotas como os Primal Scream. Mas este era definitivamente o dia da dupla Run the Jewels. Isso notava-se pela quantidade de fãs que se foram aglomerando junto do palco principal, e que não se inibiram de repetir, em coro – amiúde saltos muitos e danças mais -, cada verso cuspido por Killer Mike e El-P.
Políticos, como sempre o foram, os Run The Jewels não deixaram de fazer referência às eleições legislativas inglesas (mostrando o seu apoio incondicional ao Trabalhista Jeremy Corbyn), enquanto pediam ao público que respeitasse o crowdsurf feminino: sem apalpões. O respeito, afinal de contas, é muito bonito. O mesmo respeito que Killer Mike mostrou ter pelo público português, desdobrando-se em elogios a este e à cidade, mas sem nunca perder o norte quase punk que parece guiar a música dos Run The Jewels. Simples, direto, até ao osso. Num concerto sem grandes baixos, foi de “Close Your Eyes (And Count To Fuck)” o momento mais alto, tema que não perde em valor mesmo com a ausência de Zack de la Rocha, dos Rage Against the Machine, e com quem a dupla colaborou.
De Flying Lotus e dos seus beats psicadélicos pouco há a dizer – não que tenha sido péssimo, porque não o foi, mas foi facilmente esquecível, mesmo após terem sido nele depositadas tantas esperanças. As mesmas esperanças que não estavam reservadas aos Justice, já que de um concerto seu se espera sempre a desilusão (comprovada no NOS Alive, em 2012, e no Vodafone Paredes de Coura, em 2013). Nem “D.A.N.C.E.”, nem “Stress” salvaram um concerto irremediavelmente datado: o house maximal apresentado pela dupla teve o seu apogeu em 2007 e de lá nunca mais saiu.
Para o segundo dia estão reservadas atuações de Swans, Bon Iver, Nicolas Jaar, Angel Olsen, Skepta, Teenage Fanclub e Richie Hawtin, entre muitos outros.
(Este artigo contou com a colaboração de Paulo André Cecílio)
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