"O dever de deslumbrar", que parte da biografia da autora de "Mátria", escrita por Filipa Martins, que também fez a versão para palco, é um espetáculo multidisciplinar no qual contracenam Teresa Tavares e Paula Mora, personificando a escritora Natália Correia, em diferentes idades.
Para Ana Rocha de Sousa, atriz e cineasta, "O dever de deslumbrar", em palco, é "uma homenagem à mulher e, acima de tudo, a defensora da liberdade” Natália Correia, no ano em que se assinala o seu centenário, como disse à agência Lusa a realizadora de "Listen", filme premiado em Veneza.
Ana Rocha de Sousa, que começou no teatro e “há muito queria encenar”, define a peça como um “espectáculo que entra num jogo de tempo e espaço”, no qual se “refletem as próprias lutas, conquistas e desafios” de “todas nós (...), enquanto mulheres e enquanto pessoas”, por se tratar de um texto que defende “muito aquilo que são os direitos de cada um de nós”.
Para a encenadora, que também assina a realização do vídeo de cena, “O dever de deslumbrar” é, “acima de tudo, um grito apaixonante por toda a transparência, por toda a obra e por todas as lutas da Natália Correia”.
Filipa Martins e Teresa Tavares desafiaram Ana Rocha de Sousa a pôr em palco um espectáculo sobre a autora de “A Madona” e, apesar de a encenadora desconhecer o motivo da escolha, aceitou o repto.
Na prática, deu-lhe a “oportunidade” de colocar em prática “um desejo de há muitos, muitos anos”, o de encenar.
E embora não esteja certa das razões que levaram ao convite, crê que tem a ver com o facto de no seu trabalho ter encontrado “um lugar de proximidade grande de algumas posições do que são as grandes lutas das mulheres”. Sem esquecer que foi no teatro que começou como atriz, pelo que a encenação fá-la sentir-se “no lugar certo”.
“Claro que a realização é o meu lugar, não tenho grandes dúvidas disso, mas apesar de os meios e a abordagem serem diferentes, sinto-me profundamente confortável na encenação”, acrescentou a realizadora do premiado “Listen”, esperando ser esta "a primeira vez de muitas".
Numa proposta de viagem àquilo que foi o universo da autora de “A ilha de Circe”, as criadoras do espetáculo têm, sobretudo, uma “proposta livre" de viajarem ao universo de Natália Correia que, para Ana Rocha de Sousa, "continua a ser o universo de muitas mulheres”.
Numa peça que põe duas Natálias em diálogo entre si, transparecem as contradições da escritora e da poetisa, até porque só “não entra em contradição quem não vai nunca ao fundo das coisas”, preconizou a encenadora.
Ana Rocha de Sousa sublinhou ainda o quanto é “absolutamente surpreendente e apaixonante” mergulhar no universo de Natália Correia, fazendo com que sinta que conhece “muitas facetas daquela mulher, sem nunca ter trocado uma palavra com ela”.
“Isso faz-me sentir muito confortável neste lugar de optar por homenagear alguém de que não tenho a menor dúvida de que estou a homenagear a pessoa certa”, indicou, considerando Natália Correia “uma mulher absolutamente eterna e atemporal”.
A peça usa uma “linguagem muito contemporânea” e vai buscar referências ao “'Tanztheater' de Pina Bausch, a todo o lado surrealista, simbólico e de grito de liberdade da época”. Conta ainda com a interpretação da bailarina Ana Jezabel.
Num espetáculo talhado “para a geração que sabe quem foi” Natália Correia e para “quem não sabe e, decerto, vai ter vontade de começar a saber”, a música original e o ambiente sonoro estão a cargo de Surma.
“Espero que daqui a cem anos alguém se lembre de que Natália Correia não morreu; porque se houve alguém que matou a morte foi ela”, sublinhou Ana Rocha de Sousa, lembrando uma frase proferida por Helena Roseta – “Daqui a 100 anos ninguém se lembrará de nós” - pouco tempo depois da morte da autora.
Além da récita que abre a 17.º edição do LEFFEST – Lisboa Film Festival, em 10 de novembro no Centro Cultural da Malaposta, “O dever de deslumbrar” tem nova apresentação no dia seguinte, no mesmo local.
Produzido pelo LEFFEST e pelo Teatro do Vão, o espetáculo fica depois em cartaz no Cube Estefânia, sede da Escola de Mulheres, em Lisboa, de 30 de novembro a 03 de dezembro. De 05 a 21 de janeiro de 2024, estará no Teatro Turim, também em Lisboa, no bairro de Benfica.
“O dever de deslumbrar” tem desenho de luz de Aurélio Vasques e cenografia e figurino de Daniela Cardante.
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