Quem entrasse no átrio do Museu Nacional de Arte Antiga na manhã desta sexta-feira, dava de caras com dois pintores jovens, a Rita e o Hugo, a representar, na tela, a escultura do Arcanjo de São Miguel. Ambos nasceram nas terras do Alentejo e, por razões pessoais ou artísticas, vieram parar à capital.
Rita Ravasco desafiou-se a fazer uma interpretação contemporânea do Arcanjo de São Miguel. É artista da organização Book a Street Artist e confessa-nos que o jogo das cores é uma das características chave das suas obras. “No meu quadro vemos o Arcanjo com logótipos das redes sociais e com os olhos todos brancos, cego consigo próprio”, diz Rita. A artista faz questão que as suas pinturas carreguem uma mensagem intervencionista, contudo, deixa a interpretação do quadro “ao gosto de cada um”.
As crianças abrandam o passo para ver o quadro e falar com Rita. Ela coloca o pincel de lado quando explica aquilo que pinta aos mais novos. A interação é constante.
Do outro lado, está o Hugo Lucas, que estudou Artes Plásticas em Évora. Conta-nos, com entusiasmo, que o gosto pela pintura vem dos tempos tenros de criança. Hoje é também artista da Book a Street Artist e confessa que, quando tem uma tela em branco, pensa pouco antes de pegar no pincel: gosta que o quadro tenha voz própria e tenta ser conduzido pela espontaneidade dos movimentos. Não nos consegue dizer como o quadro vai ficar no final: “está em aberto, como todas as minhas pinturas”.
Aberto a todos seria uma boa descrição para o dia de hoje no MNAA que em associação com a REN, mecenas do museu, celebra a parceria com um conjunto de atividades pensadas com um mesmo objetivo: a inclusão social. “Hoje abrimos as portas do museu a todos os que o querem visitar”, diz Margarida Ferreirinha, diretora da comunicação da REN. E, de facto, muita gente quis. Eram esperadas, ao longo dia, 740 pessoas; antes do meio-dia já 720 tinham visitado o Museu Nacional de Arte Antiga.
Não leiam as descrições, digam-nos o que veem
À porta do museu, dezenas de crianças esperam, em fila, para entrar no espaço que acolhe a maior coleção pública de arte antiga de Portugal. Há uma azáfama inerente à presença de uma multidão de crianças e jovens.
A primeira atividade dirigida às crianças é uma curta visita guiada por algumas salas do MNAA. Os guias pedem às crianças para que não leiam as descrições dos quadros de Giambattista Tiepolo ou de Giovanni Paolo Panini. O objetivo é, ao apelar ao poder de observação, fazer com que os mais novos descrevam os quadros e que os discutam entre si.
Paralelamente às visitas, decorrem dois workshops, um sobre retratos a pastel de óleo e o outro sobre joalharia, e um peddy paper para conhecerem as exposições fixas e temporárias do museu. No workshop de joalharia fazem-se porta-chaves com partes da pintura Tentações de Santo Antão, de Hieronymus Bosch. Já no peddy paper, são os guias que se tornam personagens de pintores, como é o caso de Bosch. As crianças são desafiadas a procurar a mensagem que explica o que cada quadro representa – e que foi anteriormente retirada de forma a aguçar a curiosidade.
Através de pistas vão obtendo peças de puzzle e quando este está completo o mistério é desvendado: “Em todos os puzzles lê-se a frase ‘O museu é de todos’. É esta a mensagem de todos os quadros”, relata Maria Strecht, da Masters in Play, organização que colabora nesta atividade.
“Queremos que os jovens venham conhecer a história através dos quadros”, afirma Margarida Ferreirinha, “temos de mostrar às crianças que aprender é divertido. É importante que estejam envolvidas em projetos históricos e culturais, pois não se constrói o presente sem o passado”.
A meio da manhã, um conjunto de sons convida os visitantes para um novo espaço. São os sons da Orquestra Sinfónica Juvenil. Na sala ocupada para esta atuação, não existem cadeiras vazias e muitos estão de pé para escutar. Só aqui as crianças fazem um esforço para ficar em silêncio. Mas é um público de várias idades que ali se junta, mais novos, mais velhos, em excursões que passeiam por esta e outras salas do MNAA.
Num dia pensado para incluir todos, há salas onde se assiste ao trabalho de pintores de mobilidade reduzida convidados para fazerem interpretações de algumas obras. Nuno Rodrigues é um dos pintores convidados. Pinta com a boca uma imitação da obra Natureza Morta de Jasper Geeraerts. Em 2005, 12 anos depois de ter um acidente, descobriu, num centro de atividades ocupacionais, que a pintura lhe trazia um prazer desmedido. A principal dificuldade em pintar com a boca é o cansaço, sendo necessário fazer pausas de hora em hora.
Nuno é um dos pintores que a Associação Salvador traz ao Museu para representar algumas obras. Ao seu lado, está Luís La Roche a seguir os contornos distintos da obra Maternidade de Rembrandt. Luís diz que arte, no seu caso, foi uma herança: muitos dos tios e primos eram pintores ou escultores. Por sua vez, descreve-se como sendo uma “consequência” de um romance entre um português e uma francesa: esta ligação nota-se nas suas frases, que balançam entre as duas línguas. Teve um acidente na década de 60, num acidente de carro com a família. “São desgraças que acontecem, mas não deixei de pintar”. E é um hábito que mantêm, insaciavelmente, desde os cinco anos de idade.
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