Nos anos 80, a popularidade dos Duran Duran atingiu proporções tão estratosféricas que, a dada altura, houve quem se referisse ao grupo como os Fab Five, numa alusão aos Beatles. Claro que dizer que aquilo que os Duran Duran fizeram foi tão revolucionário, em termos musicais, quanto o que fez o quarteto de Liverpool seria uma perfeita estupidez. Ainda assim, a sua fórmula foi certeira: a fusão de uma certa atitude punk com os grooves vindos do disco, aliados à arte do bem-vestir (é muito mais fácil singrar na pop quando se é um menino bonito). Chamaram-lhes new wave, chamaram-lhes new romantics, chamaram-lhes (ok, aqui foram só os Frankie Goes To Hollywood) um bando de betinhos. Certo é que não dá para escrever a história dos anos 80 sem Duran Duran, nem essa história teria sido tão divertida.
A prova disso? Uma mão cheia de canções certeiras: 'Wild Boys', 'Save A Prayer', 'Girls On Film', 'Planet Earth' ou 'Rio', que este ano celebrou a bonita idade de quarenta primaveras. Este número soa quase absurdo, e para os fãs sê-lo-á ainda mais: parece que foi ontem que as festas de liceu se enchiam com os ritmos dos Duran Duran, e agora ei-los novamente em Portugal, país que tão bem sempre os soube acolher, num tempo em que já são avôs e em que a sua música - por força dos avanços tecnológicos e do facto de as modas estarem sempre a mudar - já não tem a mesma pujança mediática que antigamente.
Observamo-los como cabeças de cartaz do terceiro dia de Rock In Rio e esta última frase quase parece uma mentira. Durante mais de hora e meia, aquilo que os Duran Duran fizeram em palco não foi um exercício nostálgico, mas uma prova de força. A banda que nunca fazia o mesmo disco duas vezes seguidas reinventou-se e, o que é melhor, gostou de se reinventar. Isto é, não o fez apenas para permanecer nos radares da indústria e da imprensa. Primeiro exemplo, o facto de terem entrado em palco ao som do techno mais sombrio. Segundo exemplo, 'Give It All Up', uma das faixas presentes no seu último trabalho, "Future Past" (de 2021), enormíssima malha house que pairou sobre o recinto como que a dizer à nova Beyoncé não penses que és a primeira.
Os velhos êxitos de sempre lá estiveram, claro, num concerto que foi uma espécie de best of' adaptado para os tempos modernos. 'Wild Boys', logo a abrir, agressiva e tribal, deixou antever excelentes coisas; 'A View To A Kill' ressuscitou James Bond; 'Notorious', que a população sub-30 deverá reconhecer através da nobre arte do sampling, trouxe consigo uma colossal - e extremamente dançável - nuvem funk, ou não fossem os Duran Duran fãs e discípulos de um dos seus pais, Nile Rodgers. «Há por aí pessoas que se lembram dos Duran Duran de há quarenta anos?», perguntou a dada altura Simon Le Bon, e percebemos a piadola auto-depreciativa. Podem chamar-lhes "banda de velhos" à vontade que o mais certo é que eles pouco se importem com isso.
Até final, 'Hungry Like The Wolf', 'Friends Of Mine' e 'Ordinary World', esta última dedicada ao povo ucraniano, também foram dando um ar de sua graça, com a celebração total a fazer-se primeiro com 'Planet Earth' («esta noite sou o Simon Lisbon», brincou o vocalista), com a versão que o grupo fez do clássico 'White Lines' de Melle Mel, com 'Girls On Film' (intercalada com 'Acceptable In The 80's', de Calvin Harris) e com um encore onde coube 'Save A Prayer', novamente dedicada à Ucrânia, e a dança da moça bonita que dá pelo nome de 'Rio'. Le Bon já não usa a clássica fita na cabeça e até conseguiu enrouquecer ao longo do concerto, mas esteve em boa forma; pelos restantes Duran Duran é como se os anos não tivessem passado. O êxtase tem muitas formas e esta é a sua gasolina.
A não ser que se seja realmente fã da banda, ou se siga atenciosamente a cena musical norueguesa que existe além do black metal, os a-ha são sobretudo a banda daquela canção. E essa canção é 'Take On Me', marco absoluto dos anos 80, êxito pop e êxito vídeo da década que viu a MTV nascer. Sendo que também há quem conheça 'Hunting High And Low', pela versão que uns certos Coldplay fizeram no início da sua ascensão meteórica.
Na sua estreia em Portugal, os a-ha deram ao público uma quase sessão de sexo tântrico. Foi preciso esperar até ao final do concerto para poder dançar ao som de 'Take On Me', em toda a sua glória, deixando para trás outros belíssimos temas onde as guitarras rock se cruzam com a magia que emana de um sintetizador: 'The Blood That Moves The Body', com o palco pintado de vermelho, o absurdo de 'We're Looking For The Whales', a enérgica 'Cry Wolf' e a supracitada 'Hunting High And Low', com o público a entoar o refrão a plenos pulmões. 'Crying In The Rain', versão de Carole King, mereceu ainda uma referência ao atentado terrorista ocorrido recentemente em Oslo, com os a-ha a posicionarem-se do lado certo: o do respeito e tolerância pelo amor alheio. Um amor que também receberam em larga escala do público português. Estão convidados a regressar sempre que quiserem.
Os fãs dos UB40 não têm tido vida fácil. Uma desavença entre os irmãos Ali e Robin Campbell (onde é que já ouvimos isto?) levou à criação de duas bandas com o mesmo nome, sendo que aquela que se apresentou no Rock In Rio foi a de Ali, o vocalista original. Melhor para o público, que para além dos ritmos jamaicanos do ska e do reggae pôde apreciar a frescura vocal daquele já não-tão-ruivo rudeboy, num espetáculo que contou com versões de Prince ('Purple Rain') e Elvis Presley ('Can't Help Falling In Love'), sempre ao ritmo caribenho.
Dotados igualmente de um MC endiabrado, parte essencial deste género musical, os UB40 de/com Ali Campbell fizeram dançar os muitos milhares de pessoas que acorreram ao Parque da Bela Vista (70 mil este sábado) com clássicos como 'Kingston Town' (com uma melódica, o segundo melhor instrumento do mundo a seguir ao baixo, a conferir-lhe vivacidade), 'One In Ten' e 'Red Red Wine', que há-de ter ficado nas cabeças de muitos durante um bom bocado (porque se há algo de que gostamos mesmo é de uma boa pomada). Aos britânicos, e ao público, só faltou algo essencial: uma praia e Bacardi Cola à descrição.
Quando o grunge se esfumou, os Bush aproveitaram o espaço vazio que tinham à sua frente no que ao rock mais bojudo dizia respeito. Tanto, que houve mesmo quem dissesse, à altura, que os britânicos estavam apenas a copiar o que os Nirvana haviam feito antes da morte de Kurt Cobain - com o vocalista Gavin Rossdale a ser "acusado" de imitar a voz do líder do trio de Seattle. Rossdale, que nesses anos 90 era encarado como um verdadeiro galã, surgiu-nos hoje quase irreconhecível, ainda que esse estatuto não tenha sido derrubado nas mentes de algumas fãs: a dada altura, há uma mulher que grita faz-me um filho!, como se os anos não tivessem passado nem por um, nem pela outra. Por outro lado, a voz, carregada dos efeitos que conhecemos nos Bush mas ainda a voz, permanece praticamente igual, assim como a forma física.
Por duas vezes, vimos Rossdale a correr para junto do público, numa delas saltando mesmo as grades de proteção para correr colina acima, microfone na mão, num jogo do gato e do rato com os seguranças... Num dia em que os Bush foram os "intrusos" daquilo que foi sobretudo uma celebração dos anos 80, foi bom ouvir o heavy metal de 'The Kingdom', bem como 'Quicksand', 'Blood River', e clássicos como 'Glycerine' (tocada apenas por Rossdale, e durante breves instantes a cappella). Numa nota geral, foi um bom concerto daquilo que costuma faltar ao Rock In Rio, nomeadamente a sua primeira palavra. Ainda que alguns fãs possam concordar: é inadmissível que os Bush não tenham tocado 'The Chemicals Between Us'. Chato.
O Rock In Rio Lisboa termina este domingo com concertos de HMB, Jason Derulo, Anitta, Post Malone, Johnny Hooker e Mundo Segundo & Sam the Kid, entre outros. O dia está esgotado.
Comentários