Livro: O Talentoso Mr. Ripley
Autora: Patricia Highsmith
Convidado: Pedro Boucherie Mendes, jornalista, escritor e diretor de programas
Moderadora: Elisa Baltazar, anfitriã do "É Desta Que Leio Isto"
Data: 22 de abril de 2021
Ouça aqui a conversa sobre o livro O Talentoso Mr. Ripley:
Se não teve oportunidade de estar presente na última sessão do clube de leitura, serve este artigo que resumo para que não perca pitada. A conversa sobre O Talentoso Mr. Ripley fez-nos refletir sobre a moralidade, o certo e o errado e deixou no ar a seguinte questão: será que nascemos bons ou que nascemos maus?
Sobre o livro O Talentoso Mr. Ripley:
- Conta a história de um rapaz, Tom Ripley, antissocial e com uma vida sem rumo, que é abordado pelo pai rico de um amigo, Dickie, que o convence a ir para Itália para convencer o filho a regressar aos Estados Unidos.
- Já em Itália, o jovem começa a gostar da vida de luxo de Dickie, que não trabalha e vive à conta da fortuna dos pais, e passa os dias a andar de barco e a comer nos melhores restaurantes.
- Ao mesmo tempo, os dois rapazes começam a desenvolver uma atração um pelo outro. Enquanto isto, Dickie tem uma namorada, Marge, que funciona como barreira ao envolvimento de Tom e Dickie.
- Durante uma viagem de barco, Tom acaba por assassinar Dickie com a pancada de um remo na cabeça, no calor do momento, e fingir que nada aconteceu.
- Foi escrito em 1955 e aborda um tema tabu para a época: a atração sexual entre dois homens.
- Em 1957, venceu o Grand Prix de Littérature Policière como melhor romance criminal internacional.
- Em 2019, foi considerado um dos 100 romances mais inspiradores pela BBC.
- Teve 3 adaptações para o cinema. Aquela que é considerada a mais bem conseguida é a de 1999 e conta com estrelas de Hollywood como Matt Damon, Jude Law, Gwyneth Paltrow e Cate Blanchett.
Sobre a autora Patricia Highsmith
- Nasceu no Texas em 1921.
- Viciada em tabaco, morreu em Locarno, Suíça, em 1995, devido a um cancro no pulmão.
- Foi escritora de romances, contos e roteiros. No entanto, a sua carreira começou quando escreveu banda desenhada nos anos 40.
- A sua obra mais aclamada é aquela sobre o qual falámos neste clube de leitura: O Talentoso Mr. Ripley.
- Apesar do sucesso mundial, a autora teve vários ciclos depressivos ao longo da sua vida, sendo que, em 1970, chegou mesmo a escrever num diário: "agora sou cínica, justamente rica, solitária depressiva e totalmente pessimista".
- Patricia Highsmith sofreu ainda de problemas como anorexia nervosa, anemia crónica e doença de buerger, que inflama as veias e as artérias e está normalmente associada ao consumo de tabaco.
- Ficou conhecida por duras críticas aos judeus. No entanto, terá tido relações com três mulheres judias.
- É descrita por Pedro Boucherie Mendes como uma pessoa "meio detestável" e de quem "não era fácil de gostar".
"Todos nós já sonhámos em bater com um remo na cabeça de alguém"
- É por esta identificação com o vilão que, diz Boucherie, "há um lado significante e nós percebemos porque é que o Ripley mata o Dickie".
- O escritor descreve o assassino deste livro como "um vilão apaixonante, completamente imoral e camaleónico" e "um bocado ressabiado", pela vida dura que levou antes de ir para Itália. "Um cavalheiro, mas que não tem problema nenhum em matar se for necessário", acrescenta.
- "O Tom Ripley faz o que tem de ser feito e nós gostamos desse tipo de identificação", refere Pedro Boucherie Mendes.
- O escritor refere que "quando Ripley dá com um remo na cabeça de Dickie, nós só pensamos como é que ele se vai safar e não queremos saber do Dickie". Boucherie ironiza este sentimento com a frase: "Eu não ia levar flores à campa dele".
"Muitos de nós seriamos capazes de matar alguém se tivéssemos vantagens e não fôssemos apanhados"
- A afirmação de Pedro Boucherie sugere, mais uma vez, a nossa identificação com o assassino.
- Em debate, levantou-se a questão de se nascemos bons ou maus. Para o diretor de programas, "aquilo que é o nosso código moral deriva de sistemas de cooperação e sobrevivência da espécie" e "é do nosso interesse, enquanto indivíduos que fazem parte de um grupo, seguir regras".
- Esta dúvida filosófica cai ainda na premissa de que, à partida, não é possível sabermos porque é que uma pessoa age de certa forma. "Não podemos perguntar a Deus: 'Tens 5 minutos? Porque é que as pessoas são assim?'", afirma Boucherie.
"Este é um livro muito literal"
- Esta é a opinião de Pedro Boucherie Mendes, no que toca à forma como é descrita a trama d'O Talentoso Mr. Ripley.
- "Estão sempre a acontecer coisas e não há muito monólogo interior" e "não tem personagens a mais nem a menos", diz o diretor de programas.
- "O leitor tem o direito a que nós não lhe compliquemos demasiado a vida" e "o valor do entretenimento é este", remata.
- Boucherie deixa ainda dicas das melhor circunstancias para nos perdermos neste enredo: "é o típico livro que podemos ler numa viagem da comboio Lisboa-Porto, numa viagem de avião Lisboa-Londres, num fim de semana".
"Os policiais têm que ver com o jogo entre o escritor e leitor"
- Segundo Pedro Boucherie Mendes, o jogo passa por apresentar o crime, sendo que depois o leitor pensa: "agora vamos lá ver como é que o autor se safa".
- A necessidade de "estar sempre do lado verosímil" dificulta a tarefa ao escritor, de acordo com Pedro Boucherie Mendes. "Nós não podemos meter sempre uma velhinha que tem insónias e que viu o criminoso às 4 da manhã", acrescenta.
- "Escrever com plot sobre coisas que aconteceram por causa de outras coisas que aconteceram e que vão dar origem a outras coisas" é um trabalho complicado, na visão de Boucherie.
- Para o também autor de policiais, Patricia Highsmith "faz este tricot magnificamente", não porque Tom Ripley "se safa, mas pela maneira como se safa". E "nós", refere, "tendemos a ficar do lado de quem é mais engenhoso".
"Eu nunca tive esse tipo de emoção no cinema":
- Pedro Boucherie Mendes considera que o filme de 1999 d'O Talentoso Mr. Ripley tem "uma direção de arte fantástica: aquelas roupas, aquelas casas, aquela época, aquela Itália". No entanto, afirma que normalmente prefere sempre os livros aos filmes.
- "A riqueza dos livros é muito difícil de passar para o cinema", refere o escritor, que diz também que "no cinema alguém faz o trabalho por nós".
- O convidado deste clube de leitura afirma que fala sobre a emoção de ler um livro e diz: "eu nunca tive esse tipo de emoção no cinema".
Outros livros dos quais se falou:
- The Silence of Storytelling – Will Storr
- Alquimia: O Poder Surpreendente das Ideias Absurdas – Rory Sutherland
- Rebecca – Daphne Du Maurirer
- Livros de Alice Munro
- Death in Her Hands — Ottessa Moshfegh
- O Agosto do Desassossego – Pedro Boucherie Mendes
- Agora – Pedro Boucherie Mendes
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