Com 71 anos de idade e uma famosa cabeleira amarela, David Lynch regressou aos ecrãs de todo o mundo com a segunda edição da série televisiva “Twin Peaks”. A série que em 1990 estreou a primeira temporada e revolucionou a história da televisão, é agora continuada com uma nova temporada de 8 episódios que podem (em Portugal) ser vistos através da plataforma Netflix e na TV Séries. A série inicial foi considerada um dos maiores sucessos da época, dado o seu estilo cinematográfico avançado, com base no suspense, no terror psicológico, na emoção perturbante e no drama policial. Estes atributos que não iam de acordo com o paradigma da televisão e o enredo surreal, que girava em torno de um crime, gerou toda uma comunidade de fãs e de apoiantes do estilo Lynchiano.
Poucas semanas após o início da série, em 1990, estreou o filme "Wild at Heart", que conta com estrelas ilustres tais como Nicholas Cage, Willem Dafoe, Laura Dern e Diane Ladd, e que é considerado um dos filmes mais populares de David Lynch. Apesar da receção não ter sido tão boa como a que outras obras do realizador mereceram, o estilo, sempre o estilo, de Lynch conferiu-lhe a Palma de Ouro do Festival de Cannes. E tem sido assim, na vizinhança do terror psicológico, com uma boa composição musical, um eminente suspense nas suas histórias e um bom conjunto de imagens chocantes e cruas, que David Lynch construiu o seu portfólio durante os últimos 40 anos. De toda a sua coleção de cinema destacam-se obras como "Blue Velvet", "Eraserhead" e "O Homem Elefante", que ocupa a posição 149 na lista dos 250 melhores filmes do IMDb.
Para completar a lista dos ilustres filmes do realizador falta mencionar "Mulholland Drive", um filme que para muitos é o melhor filme de todos os tempos e que ao estrear em 2001 proporcionou a David Lynch o prémio de melhor realizador tanto do Festival de Cinema de Cannes como da Academia de Hollywood (Óscares). Para quem não teve ainda oportunidade de assistir, "Mulholland Drive" estará em exibição até 7 de junho no cinema Ideal, no Bairro Alto, fazendo parte da chamada Operação David Lynch. Esta é uma iniciativa do Cinema Ideal que pretende celebrar o regresso do artista Norte Americano, oferecendo um cartaz composto por 5 sessões diárias que trazem o melhor do realizador para o grande ecrã.
Mas a grande novidade do programa talvez seja mesmo o documentário - David Lynch: The Art Life - que estreou em Portugal no dia 1 de Junho. O documentário, realizado por Jon Nguyen e Rick Barnes, celebra a faceta menos conhecida do realizador e dá-nos a conhecer a origem e o desenvolvimento da personalidade artística desta icónica figura americana. O filme é relatado pelo próprio protagonista, que nos conta a sua vida, desde a infância alegre que passou nos subúrbios da cidade de Spokane até ao momento em que realizou a Eraserhead, passando pelas diferentes fases da adolescência, das suas aventuras nas escolas de arte e ainda da sua enorme paixão pela pintura. Ainda que possa ser pouco reconhecido enquanto pintor, especialmente quando comparado com a sua reputação na área do cinema, David Lynch é, e sempre foi, um enorme nome das artes plásticas e da pintura, e é neste campo que o documentário vem trazer algo de diferente.
Incidindo muito pouco (ou quase nada) sobre a sua história dentro da sétima arte, o documentário de 2016 mostra-nos com a franqueza e honestidade do realizador, a sua inspiração e percurso enquanto pintor. As obras são apresentadas pelo próprio artista e, tal como os seus filmes, trazem algo víscero e misterioso que chama a nossa atenção. É um filme a um ritmo lento, com uma fotografia descritiva e que retrata com muita precisão o ambiente artístico onde David Lynch habita.
Este ambiente é caracterizado essencialmente por três grandes atividades - Pintar, Fumar Cigarros e Pensar - que são acompanhadas pela (lenta) narração dos episódios mais marcantes da sua vida. O argumento autobiográfico vai de encontro ao estilo próprio do realizador, poético, escolhendo sempre as palavras certas e a melhor forma de as aplicar. Acompanhando a narração e as imagens quase estáticas que constituem o filme, como por exemplo gotas de água a cair, fumo a sair dos incontáveis cigarros ou partes de corpos de insetos apresentadas de forma psicodélica, está uma composição musical distinta. Esta é criada de forma a suportar a narrativa, sendo maioritariamente caracterizada por sons e barulhos representativos dos elementos espaciais e que completam as histórias. O final de cada terço do filme é pontuado por três músicas instrumentais de jazz alternativo. Essencialmente ficam na memória as imagens mentais que formamos à medida que são contadas as histórias, tal como acontece quando lemos um livro. Há, no entanto, qualquer coisa de conto incompleto neste documentário. Passados 90 minutos de história o filme de forma quase repentina, deixando os cinéfilos a conjecturar o que ficou por contar do David Lynch-realizador e criador de histórias de cinema.
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