“Os segredos de Juvenal Papisco” foi escrito durante a pandemia, altura em que o escritor, professor universitário e investigador Bruno Paixão se refugiou numa quinta que possui nos arredores de Coimbra e onde tem uma carruagem restaurada, dos anos 1940.
“Há muitos anos que me queria aventurar no romance e foi no sítio do universo onde mais gosto de estar que o escrevi. É o lugar onde encontrei o silêncio e a paz, sem carros a passar e com o telefone desligado, como se estivesse a viver no século XIX, tal como no livro”, explicou.
Em declarações à agência Lusa, o autor de livros como “O Escândalo Político em Portugal”, “Prime Time is My Time - Crónicas sobre comunicação, jornalismo, política e cultura” e “Fake Time is not my Time”, destacou que o seu primeiro romance é inspirado no realismo mágico, uma corrente literária que procura o bizarro que há na vida real.
“É um livro que cria um universo imaginado, que nos remete para um clima da América do Sul, passado no século XIX e que procura fazer uma crítica social dos tempos contemporâneos. Expõe, sem rodeios, a crueza da vida, a bondade e a maldade, procurando mostrar que ninguém é bom ou mau a vida toda, o que torna as personagens muito próximas daquilo que nós somos”, apontou.
Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de Coimbra e antigo jornalista, transportou para o seu livro as ‘fake news’, representadas por um jornal de boatos, escrito à mão com uma tinta que é de sumo de limão e que só consegue ser lida ao aproximar-se de calor.
“Mostra como existe um gáudio da sociedade por aqueles boatos, pelo bizarro. Mostra como um boato pode mudar a vida toda de um sítio, como molda a perceção dos habitantes de Oram sobre a realidade”, acrescentou.
Também os vícios da política, que “rastejaram até aos dias de hoje”, com “acomodações e apropriações de poder”, estão vertidos no romance, que alude ainda ao crime, às mezinhas, às paixões e traições das relações.
“Faz uma crítica à justiça e mostra a perversidade da igreja e, ao mesmo tempo, a perspetiva do padre enquanto homem. A batina de padre representa as máscaras que, no fundo, cada um de nós tem para cada ocasião”, indicou.
Repleto de neologismos como ‘devagarar, desconfioso ou malandrismo’, este romance é “uma fuga à teoria metodológica literária”.
“Tem várias palavras inventadas. Este é o timbre que uso, de inventar palavras quando as que existem não servem para poder expressar-me da forma como quero”, sustentou.
“Os segredos de Juvenal Papisco”, romance de estreia de Bruno Paixão, vai ser apresentado no dia 26, no Convento de São Francisco, em Coimbra, cabendo a apresentação à antiga ministra da Saúde Marta Temida e a moderação ao jornalista da RTP Hugo Gilberto.
Esta obra foi a vencedora da segunda edição do Prémio Literário Luís Miguel Rocha, ao qual concorreu com um pseudónimo.
De norte a sul do país com programa de incentivo à escrita nas escolas
Além do lançamento do seu romance, Bruno Paixão vai arrancar, em março, com um programa de incentivo à escrita, que prevê visitas a escolas de todo o país, para mostrar aos alunos do secundário que “uma boa história pode mudar uma vida”.
“Vou estar em muitas escolas, graciosamente, a fazer um programa cívico que propus à minha editora. O programa de incentivo à escrita é pioneiro em Portugal e já temos milhares de alunos do ensino secundário inscritos, de escolas de vários distritos”, avançou, informando que a primeira ‘masterclass’ realiza-se no dia 2 de março, em Ferreira do Zêzere.
“Daí até ao dia 3 de maio tenho todas as semanas cheias. Chegamos a ter seis masterclasses por semana, em vários distritos”, revelou.
De acordo com o autor de “Os segredos de Juvenal Papisco”, Portugal tem muitos e bons programas de leitura. “Sem eles, isto seria dramático, mas como estamos num tempo de oralidade rápida, é preciso incentivar as pessoas a escrever. Eu escrevi após ter feito uma ‘masterclass’ com o Mário Cláudio, portanto, gostaria muito de ter feito essa 'masterclass' nos meus 16, 17 ou 18 anos”, justificou.
A ‘masterclass’ de Bruno Paixão prevê uma aula presencial, sendo as restantes, para aprofundar níveis de conhecimento, “depositadas com um código de acesso livre para os alunos, no ‘site’ da Porto Editora”.
“Irei falar-lhes de literatura de uma forma muito terra a terra e olhos nos olhos. Mostrar-lhes que a literatura está até nas canções que eles hoje em dia ouvem, com textos que eles nem imaginavam que eram de autores consagrados”, acrescentou.
Para além de partilhar a sua experiência, Bruno Paixão pretende também mostrar que toda a gente tem a sua voz narrativa.
“Seja num rap, na escrita de um ‘email’, numa opinião, numa reclamação, na partilha de uma ‘sms’. Toda a gente tem uma voz narrativa que pode crescer e ir mais longe”, alegou.
Segundo o vencedor da segunda edição do Prémio Literário Luís Miguel Rocha, este é o seu contributo para a escrita e para o mundo literário.
“Investir na criação de públicos para o meio cultural, porque acredito muito que essa é a minha razão de escrever e que uma boa história pode mudar uma vida, ao contrário de um discurso político, de um sermão, que não muda a vida de ninguém”, sustentou.
Este programa de incentivo à escrita será feito também para outros públicos, nomeadamente academias de leitura, academias seniores ou clubes de leitura, que “já manifestaram interesse”.
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