“É impossível vivermos fora do que nos rodeia. Cada vez mais os problemas são maiores, e isso é uma coisa que me preocupa, não é tanto os mais novos – aquela questão, o que deixamos para eles -, é agora mesmo, como estamos! Eu já fui o mais novo também, e tive que me fazer à vida, como se costuma dizer, mas eu confio muito na raça humana, nós damos passos para trás, mas também damos muitos para a frente”, disse o músico de 77 anos, em entrevista à agência Lusa.
“Neste momento estamos numa época menos boa, problemática, portanto é disso que eu falo, do que vejo, de um modo geral, assim como falo das minhas filhas, que é com quem vivo, da minha companheira, que é a pessoa principal da minha vida e de quem gosto, mas também falo do que vejo na rua, da pobreza e dos problemas que nos rodeiam.”
“2020” é constituído por 12 canções, todas com assinatura de Paulo de Carvalho, quer na letra, quer na música ou nos arranjos musicais, contando com a participação, entre outros, de Ivan Lins, Selma Uamusse, Yola Semedo ou Carlos Mendes, “um rapaz” do seu tempo, como disse.
Sobre a escolha do título do álbum, “2020”, o músico explicou: “2020 foi aquele ano em que todos nós estivemos em casa, a tentar perceber o que se passava à nossa volta, e eu aproveitei, juntamente com o meu grande amigo [produtor] Fernando Abrantes. Quando falamos do tempo em que nos conhecemos já nem falamos em anos. Nós conhecemo-nos há 22 CD. Aproveitámos e através dos telemóveis, conseguimos fazer um princípio de trabalho. Quando consegui sair de casa, fui ao estúdio dele, cantei, ‘meti a voz nas músicas’, como se costuma dizer. Todos os amigos que participaram, todos mais novos que eu, com um hábito de trabalho, a este nível, superior ao meu – e o que quero dizer com isto, não há nenhum que não tenha um estudiozinho em casa -, gravaram e enviaram para o Fernando”.
Este foi “um método estranho”, disse Paulo de Carvalho, mas com o qual aprendeu muito.
Uma das canções do álbum, que escreveu, intitula-se “Os Rapazes do Meu Tempo”, que interpreta com Carlos Mendes, com quem formou, em 1963, o grupo Os Sheiks.
“Os únicos rapazes do meu tempo que participam neste disco são o Carlos Mendes e o Ivan Lins”, realçou o músico à Lusa.
O álbum abre com “Terra Mãe”, outra canção de sua autoria, que interpreta com Ivan Lins, Selma Uamusse e Yola Semedo. Uma canção com preocupações ecológicas, na qual fala do mundo.
“Quando falo do mundo, é no sentido de pedir às pessoas para tomarem atenção ao que andam a fazer em relação ao mundo em que vivem. Todos nós. E eu não me demito disso, pois não funciono naquela base ‘a culpa é dos outros’, mesmo quando me distraio e atiro um papel para o chão e não o ponho numa papeleira. As culpas são coletivas”.
Paulo de Carvalho defendeu que “a cantiga nunca deixou de ser uma arma”.
“É a arma possível em função daquilo que nós queremos que seja, também pode ser e tem sido muitas vezes uma arma de aparvalhamento das pessoas, da sociedade. Agora, há uns que não perdem de vista falar dos problemas que nos rodeiam, e é isso de que eu falo. Não quer dizer que não faça – e gosto muito – uma cantiga de amor”, afirmou, referindo que “uma cantiga de amor não tem de ser, necessariamente, uma coisinha que não diga nada a ninguém”.
Do alinhamento do álbum faz parte “O Cacilheiro” (José Carlos Ary dos Santos/Paulo de Carvalho), que Carlos do Carmo popularizou, tendo Paulo de Carvalho, nesta sua primeira gravação, acrescentado um texto de autoria do seu filho Agir, que surge a meio da composição.
“Gravei-a à minha maneira, com um elogio à música rap, com um texto que o meu filho Bernardo, conhecido como Agir, escreveu, que é uma atualização da própria mensagem que o Ary escreveu”, disse.
Esta é a única canção não inédita do alinhamento, do qual também fazem parte “Quem Sou Eu?” (Paulo de Carvalho), “Do Amor” (Paulo de Carvalho), “Maria” (Paulo de Carvalho/Midas), “Flor” (Paulo de Carvalho/Tó Cruz) ou “O Cantador (Paulo de Carvalho/Duarte Coxo).
A canção “E Depois do Adeus” (José Niza/José Calvário) interpretada por Paulo de Carvalho, com a qual venceu o Xi Festival RTP da Canção, em 1974, serviu como senha para o movimento militar que levou à queda da ditadura e à Revolução dos Cravos.
Paulo de Carvalho disse à Lusa que nada teve a ver com a revolução, nem participou em qualquer reunião preparatória, tratou-se de “um acaso” que o satisfaz, apesar de nunca ter sido preso ou perseguido antes do 25 de Abril de 1974.
“Com o 25 de Abril, é natural que muitos de nós – e eu incluo-me nesses muitos de nós – quiséssemos aprender em democracia e de outra forma”, afirmou, acrescentando que vê “com alguma preocupação o momento atual”.
“Mas não é aqui só, em Portugal, é também relativamente ao mundo”, disse.
O músico considera que “é muito importante” que se comemore o cinquentenário da Revolução de Abril, mas deixou um alerta: “Que sirva para que as pessoas pensem como estamos, o que é que fizeram até agora e, sobretudo o que vão fazer ou ter de continuar a fazer, para que não se percam determinados princípios que se conseguiram com a mudança de Abril”.
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