O mesmo acontece com algumas obras canónicas de autores consagrados como Ernest Hemingway, William Faulkner, John Steinbeck ou Virginia Woolf, cujos direitos de autor, que têm uma proteção de 95 anos a partir do ano da sua primeira publicação, irão expirar naquele país.
No ano passado, a versão original da personagem do Rato Mickey deixou de estar protegida pelos direitos de autor e, desde então, a presença deste ícone da Disney no domínio público tem vindo a aumentar.
“É um tesouro. Há uma dúzia de novos desenhos animados do Mickey – ele fala pela primeira vez e calça as conhecidas luvas brancas. E há obras-primas de Faulkner e Hemingway, os primeiros filmes sonoros de Alfred Hitchcock, Cecil B. DeMille e John Ford, música fantástica de Fats Waller, Cole Porter e George Gershwin. É muito emocionante”, afirmou Jennifer Jenkins, diretora do Centro para o Estudo do Domínio Público da Universidade de Duke, citada pela Associated Press.
Popeye, o marinheiro, com os seus antebraços protuberantes, a sua fala arrastada e a sua propensão para as lutas, foi criado pelo cartoonista norte-americano E.C. Segar e fez a sua primeira aparição numa tira do jornal Thimble Theater em 1929, proferindo as suas primeiras palavras, “‘Ja think I’m a cowboy?” quando lhe perguntaram se era marinheiro.
O que inicialmente deveria ter sido uma aparição única tornou-se permanente, e a tira passaria a chamar-se “Popeye”.
Todavia, tal como aconteceu com o Rato Mickey no ano passado e com o Ursinho Pooh em 2022, apenas a versão mais antiga pode ser reutilizada.
Os famosos espinafres que deram ao marinheiro a sua superforça, por exemplo, não existiam desde o início e são o tipo de elemento de caráter que poderá dar origem a disputas legais.
Também as curtas-metragens de animação que apresentam a sua voz característica só começaram em 1933, pelo que continuam protegidas por direitos de autor nos Estados Unidos, tal como sucede com o filme de 1980 do realizador Robert Altman, protagonizado por Robin Williams como Popeye e Shelley Duvall como a sua querida Olívia Palito.
Este filme teve uma receção inicial morna, e o mesmo aconteceu com “As Aventuras de Tintin”, do realizador Steven Spielberg, em 2011, apesar de a banda desenhada sobre o rapaz repórter, criação do artista belga Hergé, ter sido uma das mais populares na Europa durante grande parte do século XX.
O adolescente de traços simples, com pontos nos olhos e franja levantada como uma onda do mar, apareceu pela primeira vez num suplemento do jornal belga Le Vingtième Siècle e tornou-se uma publicação semanal.
A banda desenhada também surgiu pela primeira vez nos Estados Unidos em 1929. As suas cores vivas características – incluindo o cabelo arruivado de Tintin – só apareceram anos mais tarde e podem, tal como os espinafres do Popeye, ser objeto de disputas legais.
Na verdade, em grande parte do mundo, Tintin só se tornará propriedade pública 70 anos após a morte do seu criador, em 1983.
Em Portugal, também se aplica esse prazo legal: as obras entram no domínio público 70 após a morte do autor, o que significa que, no dia 1 de janeiro de 2025, vão tornar-se públicas as obras criadas por pessoas que morreram em 1954.
Além destas personagens, há vários livros, sobretudo da literatura norte-americana, que também se tornam públicos.
Uma dessas obras é o romance “O Som e a Fúria”, de William Faulkner, que, com a sua inovadora técnica de escrita de fluxo de consciência, foi uma sensação após a publicação.
“O adeus às armas”, de Ernest Hemingway, junta-se ao seu anterior “Fiesta. O sol nasce sempre” no domínio público.
Também o primeiro romance de John Steinbeck, “Uma chávena de ouro”, de 1929, entrará no domínio público, tal como “Um quarto só seu”, da romancista britânica Virginia Woolf, um ensaio extenso que se tornaria um marco do feminismo da literatura modernista, que assim se junta ao “Mrs. Dalloway”, já no domínio público dos Estados Unidos.
Mas nem só no meio literário haverá entradas no domínio público, alguns dos primeiros trabalhos de grandes figuras do cinema terão o mesmo destino.
Uma década antes de se mudar para Hollywood e fazer filmes como “Psico” e “A Mulher Que Viveu Duas Vezes”, Alfred Hitchcock fez “Chantagem” na Grã-Bretanha, um filme que começou por ser mudo, mas passou a ser sonoro durante a produção, resultando em duas versões diferentes, uma das quais o primeiro filme sonoro do Reino Unido, e de Hitchcock.
John Ford, cujos ‘westerns’ posteriores o colocariam entre os realizadores mais famosos do cinema, também fez a sua primeira incursão no som com “The Black Watch”, de 1929, um épico de aventuras que inclui o futuro colaborador principal de Ford, John Wayne, como jovem figurante.
Cecil B. DeMille, já uma figura proeminente de Hollywood, graças aos seus filmes mudos, estreou-se na filmografia falada, também em 1929, com o melodrama “Dinamite”.
Groucho, Harpo e os outros irmãos Marx tiveram o seu primeiro papel de protagonistas no cinema em “The Cocoanuts”, de 1929, um precursor de futuros clássicos como “Animal Crackers” e “Duck Soup”.
“The Broadway Melody”, o primeiro filme sonoro e o segundo filme a ganhar o Óscar de melhor filme, também se tornará público, embora seja frequentemente classificado entre os piores vencedores de melhor filme.
E depois de “Steamboat Willie” ter tornado público o primeiro Mickey Mouse, mais uma dúzia das suas animações terão o mesmo estatuto, incluindo “The Karnival Kid”, no qual falou pela primeira vez.
A música também tem entradas no domínio público em 2025, com as canções do último ano dos chamados “loucos anos 20” prestes a tornarem-se propriedade pública nos Estados Unidos.
As composições de Cole Porter “What Is This Thing Called Love?” e “Tiptoe Through the Tulips” estão entre as músicas em destaque, assim como o clássico do jazz “Ain’t Misbehavin”, escrito por Fats Waller e Harry Brooks.
“Singin’ in the Rain”, que mais tarde ficaria para sempre associada ao filme de Gene Kelly, de 1952, estreou-se no filme “The Hollywood Revue”, de 1929, e passará também a ser do domínio público.
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