[O Francisco tem 19 anos, estuda nos Países Baixos e está em viagem com um passe de Interrail que o vai levar por esta Europa fora e este é o seu diário de viagem publicado no SAPO24]

Dia 5 (13 de julho): Dica #7 para futuros viajantes: informem-se. Saber com antecedência o que podemos, queremos e devemos fazer em cada destino é essencial. Isto não significa que tudo tenha de estar planeado ao milímetro, mas vai tornar a experiência do Interrail muito mais suave.

Como programado, acordamos pelas cinco da manhã e pouco depois já estamos a caminho da estação, a arrastar os pés. Dois dias e três noite em Cracóvia, com quartos privados e a papinha toda feita deixaram-nos mal habituados. Esperam-nos horas a fio de comboio, incluíndo 50 minutos de espera outra vez em Viena. Que se transformaram em duas horas. Nada que uma boa companhia e uma rede wi-fi não façam passar num instante. 

O comboio seguinte não tem cabines, mas é bem confortável, ainda que tenha demorado a chegar à nossa paragem seguinte

Alguns bons momentos no comboio. Duas inglesas sentam-se na nossa cabine e discutem se devem ou não beber da água que trazem e que contém um pouco de cloro. Lixívia diluída. Nós em silêncio - finjo que durmo - e acabam mesmo por dar uns golos. "Eeugh, tastes like pee" ["Blherc, sabe a chichi"]. Pergunto se querem da minha água. Não querem. Olho para Amelia, que contém o riso. Horas depois, entra um casal de polacos, mais velho, com lugares à janela. Onde as duas inglesas estão sentadas. Embaraçadas, mudaram-se para os espaços livres. Os azares das inglesas continuam e enquanto durmo entornam algo sobre si próprias. A Amelia ainda ouve o casal divertido: "Isto é como viajar com filhos!" Quase sinto pena.

O comboio seguinte não tem cabines, mas é bem confortável, ainda que tenha demorado a chegar à nossa paragem seguinte: Budapeste (Hungria). Vamos dormitando, apenas interrompidos por um toque estridente, tipo xilofone, que indica a chegada às estações intermédias. Vamos passar apenas a tarde e hoje e o dia de amanhã na capital húngara, e já dá para perceber que não vai dar para fazer muito.

De repente, a nossa tarde vai por água abaixo - e não terá sido por Budapeste ser Budapeste, mas também aselhice nossa. Não atinamos com os bilhetes de transporte

Chegamos a Budapest-Keleti, uma estação que tem que se lhe diga. Muito bonita em termos arquitetónicos, tem logo ali um toque de nacionalismo, com a bandeira do país colocada em linha ao longo da fachada.

De repente, a nossa tarde vai por água abaixo - e não terá sido por Budapeste ser Budapeste, mas também aselhice nossa. Não atinamos com os bilhetes de transporte local e após meia hora de tentativas falhadas, ora na máquina automática da estação, ora em aplicações online, acabamos por não comprar bilhetes nenhuns. Em retrospetiva, a cabeça toldada pelo cansaço, muitos passos necessários para tirar os bilhetes, traduções desajeitadas e um cartão bancário (o meu) no limite máximo de pagamentos contactless.

Resta-nos fazer a pé o caminho para o hostel: trinta ou quarenta minutos debaixo de um sol torrencial, 36 graus Celsius. Quase a rastejar, chegamos finalmente e fazemos o check-in, Amelia fica num quarto partilhado por raparigas, eu num quarto para rapazes, pelo preço de 15€/noite por pessoa.

Exasperado, dou conta que o cadeado que comprei não serve no cacifo deste quarto e o hostel está sem cadeados extra, talvez amanhã, depois dos check-outs. Apesar de tudo, o lugar, o Equity Point, parece simpático. Bar, áreas comuns e localização numa zona mais voltada para a vida noturna, com comida mais barata do que em boa parte do centro da cidade. 

Encontramo-nos no bar um tanto cabisbaixos com a nossa sorte, quando reparo num jogo de cartas que parece feito de propósito para nós: "Shit Happens"

Amelia também tem os seus desaires. Enquanto arrumo as minhas coisas, sai para um Spar (cadeia de supermercado que também existem em Portugal) à procura de qualquer coisa (penso que volta sem nada). De regresso, tem de lidar com um homem que insiste em fazer-lhe perguntas, se quer ajuda, se viajava sozinha, se quer passar em sua casa. Coisas muito desconfortáveis, que me fazem refletir sobre o motivo de haver quartos de hostel apenas para mulheres.

Decidimos dar um passeio para arejar as ideias. Ou amornar, tal é o calor que se faz sentir

Encontramo-nos no bar um tanto cabisbaixos com a nossa sorte, quando reparo num jogo de cartas que parece feito de propósito para nós: "Shit Happens". As regras ditam que devemos atribuir uma pontuação a diversos eventos azarados, de acordo com um "índice de desgraça". O objetivo parece ser prever quão miseráveis são determinadas situações avaliadas pelos "especialistas" que desenharam o jogo. Não ficamos impressionados: não acredito que ter trigémeos seja um azar maior do que passar por um terremoto forte ou ser acidentalmente deportado. Mas ainda damos umas gargalhadas à conta de tanta porcaria numa só tarde. Mais vale rir do que chorar.

Decidimos dar um passeio para arejar as ideias. Ou amornar, tal é o calor que se faz sentir. De facto, percebe-se porque é que Budapeste é também conhecida como a "Paris de Leste", com uma arquitetura diversificada, edifícios históricos lindíssimos e uma mistura de estilos, art nouveau, barroco, gótico.  

Um bonito passeio e a preços razoáveis. Se evitarmos as típicas armadilhas para turistas, temos garantida uma experiência super acessível. Por volta da meia-noite estamos de regresso ao hostel. Os azares ficam para trás, nada que uma boa noite de sono não resolva. Exceto, talvez, a acreditar no jogo de cartas, ter trigémeos. Shit happens.