[O Francisco tem 19 anos, estuda nos Países Baixos e está em viagem com um passe de Interrail que o vai levar por esta Europa fora e este é o seu diário de viagem publicado no SAPO24]

Dia 0 (8 de julho): Maastricht-Colónia.

Dica #2 para futuros viajantes: deixem o vosso quarto limpo e arrumado antes de sair para a viagem de Interrail. Quando regressamos de umas férias inesquecíveis, sabe bem não estragar tudo com a dura realidade. Costumo ter dificuldade em tratar destas coisas, mas nestes dois dias que antecedem a viagem a história tem sido outra. Acabo de mudar para um novo quarto alugado na cidade de Maastricht, nos Países Baixos - onde estou a fazer a minha licenciatura -, e acredito que deixei tudo em condições de lhe chamar "minha alegre casinha" quando estiver de volta.

Começar um Interrail a partir de Portugal significa gastar dois ou três dias de viagem de comboio só para chegar a França, um ritmo mais lento e menos direto do que uma viagem de Flixbus (autocarro).

Tenho muita sorte por partir para o Interrail de Maastricht e não de Lisboa. Não é só uma questão geográfica - muito gostaria de passar uns dias em Barcelona, Sevilha ou Vigo -, é sobretudo uma questão prática. As redes de transporte ferroviário portuguesas estão muito mal desenvolvidas e, apesar de algumas notícias a sugerir mais conexões diretas para fora do país e ligações mais rápidas dentro, a verdade é que vai demorar muitos anos até tudo se materializar. O mesmo se aplica aos comboios noturnos e internacionais da Península Ibérica para o resto da Europa. Começar um Interrail a partir de Portugal significa gastar dois ou três dias de viagem de comboio só para chegar a França, um ritmo mais lento e menos direto do que uma viagem de Flixbus (autocarro).

Quem viaja a partir de Portugal ou Espanha (excluindo talvez Madrid e parte da Catalunha) sai-se melhor se comprar um bilhete de avião para o centro da Europa e, a partir daí, iniciar então a sua viagem de Interrail. Isto não é uma tentativa de desencorajar o leitor, mas antes um desabafo sobre algo que podia ser mais fácil para os jovens portugueses. Com os investimentos certos. E por aqui me fico quanto ao bitaite político.

Escrevo a três horas e meia da primeira de uma série de viagens de comboio. Sinto uma mistura antitética de nervosismo e calma. Tenho quase tudo pronto, pelo que não há muito mais a fazer além de esperar. As reservas dos lugares estão impressas, os headphones com bateria carregada e a roupa compactada numa pequena mala que, temo, vai transformar-se num buraco negro... Há um detalhe que ainda me preocupa: não tenho quem regue a minha planta de abacate enquanto estiver fora. Será que algum vizinho pode tomar conta dela?

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Update em relação ao abacateiro: consegui passar a planta para casa de uma vizinha. Nunca tinha falado com ela antes, mas obrigado.

Saí de casa ainda com duas horas de antecedência. Fui comprar algo mais para comer na viagem e ala para a estação. Tento perceber quão fácil será carregar a minha bagagem ao longo destes 15 dias (tarde de mais para voltar atrás). Um telefonema ao meu pai, umas mensagens para a minha mãe e, finalmente, entro no comboio (que está ligeiramente atrasado) para Aquisgrana (ou Aachen), na Alemanha.

Com isto tudo, esqueci-me de fazer o check-in - mas não parece haver problema -, e chego a Aachen até mais cedo do que previsto. Dou uma vista de olhos pelo exterior e olho com inveja para os pães e doces que, mesmo numa estação de comboio, são mais baratos do que nos Países Baixos. Num alemão desleixado peço ein brötchen mit bratwurst, bitte [um pão com salsicha, por favor] e ponho algum ketchup e maionese q.b. Havia escolhas mais interessantes, mas acabei por gostar desta. Já comecei a minha ronda turística.

Pouco depois estou já no comboio para Colónia (Alemanha), onde passo uns minutos a jogar Minecraft com o meu irmão gémeo que está em Lisboa. Chega a revisora e, como é a primeira vez que tenho de mostrar o passe, estou stressadíssimo. Mostro o código e o leitor não lê. Com o coração aos pulos, pareceram horas até a revisora perceber que se trata de um passe Interrail. Pede-me a identificação, sorri e continua a sua ronda. Suspirei de alívio.

Não tarda estou em Colónia. Demorou bastante menos do que o percurso seguinte, no comboio noturno até Viena, com tempo para sair na paragem em Messe-Deutz e gozar a paisagem da cidade à beira do rio. E ver coelhos. Uma data de coelhos.

No regresso à estação reparo que o comboio está 13 minutos atrasado. Se há razão para a rede ferroviária alemã ser conhecida, é por raramente ser pontual - já estava, portanto, à espera que isto acontecesse. Aparentemente o comboio vem de Utrecht. Percorro seis carruagens à procura do meu lugar, para perceber que já está ocupado. Sento-me no lugar da frente. O comboio está separado por grupos de seis no que toca a quartos. A minha carruagem não tem wi-fi, um absurdo - os outros comboios tinham e não eram noturnos.

O sol põe-se à medida que saímos de Colónia. Vamos ver se consigo dormir com o espaço que tenho (sou magrinho, mas tenho quase dois metros). Não é desconfortável, mas para dormir...