1

— Comece pelo início — insistiu ela, e, se me fosse permitido fumar, teria acendido um cigarro. Nunca fui boa a contar histórias e esta sempre me pareceu pertencer a outra pessoa; fora jovem e estúpida. Fora idealista. Tinha vinte anos. Talvez pudesse começar pelo primeiro slide da aula de História de Arte, um pilar de diorito negro. Código de Hamurábi: duzentas e oitenta e duas leis e penas inconstantes para a justiça do século xVIII a. C., algumas aparentemente lógicas, olho por olho, dente por dente, cortar a mão de um cirurgião por causa de uma cirurgia achavascada, tirar a vida a um construtor pelo desmoronamento de um edifício, algumas mais bizarras, a culpa do adúltero julgada consoante se afogue ou não quando atirado à água, tudo gravado num monumento monolítico com pouco mais de dois metros. Mas não havia nada para mim na pedra negra fria. Nenhuma lei fora gravada que pronunciasse o devido processo pelo que me aconteceu no ano passado. Não fazia ideia a quem cortar a mão.

— Muito bem. E que tal as primeiras palavras dela? O que é que ela disse quando você aqui chegou?

Fiquei muda, de braços cruzados com firmeza, incapaz de compreender o persistente interesse da Frau Klein pelo início.

The Spa era só para mulheres, onde todas iam parar por diferentes distúrbios e algumas doenças; a maioria era-me desconhecida. Mas todas sabiam por que razão eu me encontrava ali. Eu era famosa, e os sussurros enviesados das enfermeiras e pacientes seguiam-me pelo edifício de betão. Apesar disso, encontrei conforto nos seus esforços para disfarçar estas observações, sabendo muito bem que, fora do The Spa, não havia motivo para sussurros. Na altura em que o verão de Berlim estava no seu auge, nós — eu, Zoe Beech, e a Hailey Mader — éramos assunto na boca de toda a gente.

Velho e de construção desordenada, The Spa situava-se numa escola primária convertida, algures no norte de Brandemburgo. O hall de entrada ainda cheirava a calcário, como o interior de um tijolo, e a maioria das outrora salas de aula, agora quartos, era partilhada por duas ou três raparigas. Mas eu estava sozinha, vivendo no que presumia ter sido em tempos um deveras magnânimo armário de vassouras, com a minha própria janela quadrada, uma cadeira pintada de azul com mesa a condizer, e uma pia de porcelana adornada com uma auréola de bolor de um castanho-escuro. Gostava de imaginar que o anel de bolor era uma cidade bem administrada de pequenos esporos, cheia de cidadãos portadores de bolor, bons e nada violentos, talvez até com artistas de bolor e curadores de bolor a snifar coca em pequenas discotecas de bolor.

É Desta Que Leio Isto: Em janeiro recebemos Dulce Garcia

Anote na sua agenda. O É Desta Que Leio Isto já tem a primeira sessão de 2023 marcada. Dulce Garcia é a convidada do próximo encontro do nosso clube de leitura, a ocorrer no dia 19 de janeiro, pelas 21h.

Nascida em 1970, Dulce Garcia foi jornalista entre 1991 e 2017, escrevendo no Diário Económico e, acima de tudo, na Sábado, publicação de que foi fundadora e subdiretora. Assinou também colaborações nas revistas Elle, GQ, Vogue e Máxima. Hoje, é assessora de imprensa na área da política, trabalhando com o Ministério da Justiça.

A sua experiência na literatura bifurca-se nos dois lados da mesma moeda: foi editora de ficção portuguesa do grupo editorial Planeta e começou a publicar ficção com “Quando Perdes Tudo Não Tens Pressa de Ir a Lado Nenhum”, estreia editada na Guerra & paz em 2017.

Olho da Rua” — o seu segundo romance e uma das recomendações do ano do SAPO24 — trata-se de uma sátira do panorama laboral do século XXI, fazendo do escritório uma selva onde impera a lei do mais forte.

Para se inscrever no encontro basta preencher o formulário que se encontra neste link. No dia do encontro receberá um e-mail com todas as instruções para se juntar à conversa.

Além disso, pode ficar a par de tudo o que acontece no clube de leitura através deste link.

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Passei grande parte do meu tempo nesta espécie de devaneio inútil, com os cotovelos espetados na madeira macia da secretária, a olhar para a terra de cultivo insuportavelmente tranquila, e depois, um relâmpago, uma interceção para o meu marasmo: um corpo a contorcer-se num lago de sangue, clarões em cadência, um som estridente, como um vídeo de uma música da Rihanna, ou um trailer de um filme de terror. E, tão rápido quanto atingia o seu clímax, eu regressava ao campo árido ou ao lavatório de mofo ou à constelação de sinais no pescoço da Frau Klein.

A Frau Klein adorava a palavra pa-ra-noi-a, deixando cada sílaba escorrer da sua húmida boca como uma bola de pingue-pongue. Tinha pouco mais de quarenta anos, mas vestia-se como se tivesse sessenta, com um ninho de ratos castanho como cabelo e uma saia de serapilheira, tipo saco de batatas. Por esta altura, passáramos muitas horas juntas, e eu estava convicta de que ela vivia através de mim, preenchendo o vazio da sua própria existência com as minhas respostas e traumas, extraindo informações que acabaria por vender aos tabloides, ou para o seu próprio repertório.

— Zoe, como é que o sexo a fazia sentir?

— Alguma vez fantasiou com a Hailey?

A sua voz soava como se estivesse a gravar uma cassete áudio de uma aula de um curso de línguas.

— Que drogas tomou?

— O que a levou a tomá-las?

Observei-a com horror desapegado, enquanto a saliva emergia nos cantos dos seus lábios finos, sedenta da minha resposta.

— Fiz o que era suposto fazer.

Ela anuiu com a cabeça. Mais perguntas. Sempre que eu mencionava o nome Beatrice, cintilavam-lhe os olhos e ela pegava na sua pequena caneta azul e desenhava calmamente uma forma no seu caderno de apontamentos. A Frau Klein divertia-se com as minhas teorias, mas voltava sempre à mesma inclinação da cabeça:

— E o que a faz ter tanta certeza de que a Beatrice a observava?

— Ela leu os meus e-mails.

— E como é que sabe isso?

— Eu já lhe disse...

— Mas não haverá a possibilidade de o ter imaginado?

— Não.

A Frau Klein desenhou outra forma no seu caderno de apontamentos e depois olhou para o relógio. O imaculado candeeiro de aço inoxidável na sua secretária projetava-lhe, na bochecha demasiado hidratada, um círculo laranja, a pele solta sob o peso da gravidade como a Máscara de Agamémnon ou um pedaço de massa de biscoito malcozida.

— E em que história acredita estar neste momento?

— Na sua — respondi, indicando o caderno de apontamentos dela.

A Frau Klein fez um sugestivo aceno de cabeça.

— E vamos lá voltar outra vez ao início. Quais foram as primeiras palavras que ela lhe dirigiu quando a Zoe chegou?

2

— Guten tag, Caixote do Lixo! — gritou a Hailey, agitando com frenesi um braço sardento pela Hauptbahnhof com uma mochila para caminhadas ocre amarrada ao corpo atlético. Parecia pronta para mudar de acampamento todas as noites, o que me aterrorizava. Enquanto comprava os nossos bilhetes de comboio, explicava que o Hostel Star ficava no lado leste da cidade, uma cama custava vinte e dois euros por noite e cada quarto abarcava oito pessoas com quatro beliches. Eu não me entendia lá muito bem com as complexidades de Leste ou de Oeste, mas sabia que significava algo importante e específico aqui. O efeito do grogue de Dramamine, que eu bebera algures sobre o Atlântico, estava a dissipar-se, e sentia-me impotente por confiar em todos os arranjos dela, seguindo-a, como um cão mudo, enquanto ela tagarelava, apontando coisas no comboio: o museu de arte à nossa esquerda, a Alexanderplatz, a Torre de TV.

Fui puxando a minha mala de rodas em segunda mão pela calçada de pedra, enquanto a Hailey saltitava à frente, até que estacou abruptamente sob uma estrela de néon que tremeluzia de uma fachada de betão a desintegrar-se. Segui-a e fomos invadidas pelo odor a mofo e a detergente do chão com cheiro a limão.

— Gostei do nome Hostel Star — disse ela com ligeiro embaraço à medida que olhava à volta do átrio emurchecido. Por fim, com as nossas novas chaves presas nas mãos, entrámos no quarto que nos fora atribuído, no terceiro andar, onde encontrámos três tipos da nossa idade, dispersos pelos móveis, mochilas cilíndricas de lona e papéis de enrolar tabaco que atulhavam o linóleo azul-escuro, e que nos saudaram com um rotundo sotaque australiano.

— Só estamos aqui até encontrarmos algo mais permanente — sussurrou a Hailey após as saudações iniciais, desatando as tiras da Gore-tex e bebendo um gole da sua garrafa de Smart Water. Os três australianos continuaram a falar connosco, dizendo-nos os seus nomes, que soavam a algo parecido com Aaron, Oron ou Erin. Com alguma relutância, apresentámo-nos. Fiquei aliviada quando ela bocejou. Afinal, era humana. Deitámo-nos no nosso beliche e eu caí num sono xaroposo. Quando acordei da minha sesta de jet-lag, o céu já escurecera, e o reflexo da estrela de néon saltitava no nosso quarto como um pôr do sol aos soluços. Os Aarons perguntaram-nos se queríamos ir à discoteca com eles. Eu e a Hailey entreolhámo-nos como que a dizer nem pensar. Eles encolheram os ombros e começaram a snifar speeds do rebordo da cama de cima de um dos beliches. Numa última tentativa de nos persuadir a juntarmo-nos a eles, o mais alto deles gritou: «Cada noite que se perde em Berlim é uma noite que se perde em Berlim.» Rimo-nos a bandeiras despregadas assim que a porta se fechou atrás deles.

Isto tornou-se o nosso mantra para quando as coisas eram absolutamente miseráveis ou completamente espantosas. Cada noite que se perde em Berlim é uma noite que se perde em Berlim. Vi, da cama de cima, a Hailey a rabiscar no seu diário laranja. Ela estava sempre a rabiscar, fazendo uma pausa nas nossas conversas para puxar do caderno de capa mole, o seu rabo de cavalo ruivo como um pincel, a abanar enquanto ela escrevia.

— Todos os grandes artistas tinham um diário — disse-me ela na nossa segunda tarde, deitando perdigotos de croissant dos seus lábios em arco de cupido. — Estou a levar isto muito a sério enquanto aqui estou.

Anuí com um meneio de cabeça, sem saber bem o que iria levar a sério em Berlim. Nem sequer sabia por que razão estava ali. Olhei para a Hailey por cima do meu chai latte; ela mostrava-se tão perentória na sua certeza, confiante no que queria dos meses e provavelmente dos anos seguintes. Comecei a esboçar mentalmente um e-mail para o meu namorado Jesse, dizendo-lhe que regressaria mais cedo a casa — que Berlim fora um enorme erro, e que eu não fazia a mais pálida ideia do que andava a fazer.

Conhecera a Hailey nas aulas de História da Arte na escola em Nova Iorque, ela era de Rhode Island e, de alguma forma, também do Kentucky, do Nebraska e do Colorado, o pai dela era dono de uma cadeia de supermercados de sucesso inexplicavelmente chamada Biggles. Era uma ruiva de capa de revista, sempre a ajeitar o cabelo com os dedos como se houvesse câmaras a filmá-la. Nas aulas, os seus membros superiores sardentos saltavam amiúde no ar para responder a perguntas. Porque é que Cimabue era significativo? PORQUE ELE FOI A FIGURA DE TRANSIÇÃO MAIS IMPORTANTE ENTRE A PINTURA MEDIEVAL E A RENASCENTISTA. Normalmente, ela tinha razão e uma maneira esquizofrénica de mudar de sotaque, transformando-se para se adaptar a situações; uma maneira de falar indolente, sulista, para pedir uma caneta emprestada, ou um sotaque da Costa Leste sem o «r» para dar respostas.

A Hailey aparecia invariavelmente nas aulas às nove da manhã de batom brilhante, com umas calças de treino PINK da Victoria’s Secret ou calças de ganga justas de cintura descida— nada de permeio. Por vezes, usava até um boné Von Dutch, provavelmente retro para 2008, e uma anomalia absoluta na escola de arte, onde a indumentária universitária normal consistia em calças Carhartt pintalgadas, T-shirts larguíssimas de concertos e botins Doc Martens. Ela não fora alimentada na tetina da vanguarda, tal como eu. Acreditava que a cultura pop era primordial. Idolatrava o Andy Warhol, e não hesitou em entrar na Kim’s Video, a meca cinéfila, em St Marks e pedir o filme Notting Hill ao funcionário, que ficou de olhos esbugalhados.

A única vez que fui à Kim’s, cedi à pressão dos favoritos do empregado e aluguei um filme new wave checo, pelo qual paguei o dobro após tentar, sem sucesso, vê-lo quatro noites seguidas.

Às sextas-feiras, depois do grupo de estudo de História da Arte, alguns de nós iamos amiúde ao Asian Pub em East Village, um barzeco com cocktails baratos e uma política de identificação pouco ciosa. Uma noite, após algumas bebidas, a Hailey apanhou-me a olhar fixamente para o nariz dela. Era demasiado perfeito, como uma pista de esqui para crianças. Ela inclinou-se mais para mim, com um daiquiri de morango, e contou-me que no secundário fora atingida na cara com um stick de lacrosse e convencera o pai a deixá-la fazer uma cirurgia plástica ao nariz. Sorveu ruidosamente a sua bebida cor-de-rosa, fitando-me nos olhos, querendo claramente que o assunto perdurasse.

— Eu tentei, ‘tás a ver, três anúncios da Neutrogena, e continuei a ser rejeitada e... sabia.

— Oh! — exclamei eu, sem saber muito bem o que acrescentar.

— Então, tratei do assunto — informou ela, com um orgulho adolescente nas palavras, fazendo um movimento como se batesse na cabeça.

— Estás a dizer que fizeste de propósito? — intrometeu-se um gajo que estava ao pé de nós.

— Iep — grasnou a Hailey.

Desculpei-me para ir à casa de banho, mas a imagem alojara-se no meu cérebro; a Hailey a preparar-se enquanto o cabo de alumínio avançava sobre o seu doce rosto adolescente. Após algumas semanas, quando passei pela residência dela para recolher umas fotocópias sobre mosaicos bizantinos, reparei nas suas fotografias de modelo coladas na parede por cima da cama: a jovem Hailey com uma minissaia axadrezada num catálogo da Delia, a beber um Capri Sun num campo de futebol, rodeada por outras ruivas e um bull terrier em miniatura para uma campanha da Target.

— ‘Tás a ver, o nariz funcionou — disse ela enquanto remexia na secretária; assenti com a cabeça, igualmente repugnada e intrigada perante a sua conduta púbere.

No final do segundo ano, queria desesperadamente sair de Nova Iorque. Sentia-me esmagada. A crise. Os blues. O que quer que fosse, a Carol Gaynor, a orientadora escolar, uma mulher esbelta de pele impecável, casada com um famoso dermatologista, ia ajudar-me a planear a minha fuga. A Carol deixava-nos aninhar no seu gabinete, enquanto dissertava sobre as irrelevantes comodidades de universidades longínquas disponíveis para os anos de intercâmbio.

— Há uma orangerie1 com um café perto da escola que faz uns scones divinais — ou outra —, com a sauna mais agradável a cerca de um quilómetro e meio de distância, e dá diretamente para o mar.

Eu queria ir para Helsínquia, para a tal com a sauna.

— Com um bocadinho de trabalho, tudo se consegue arranjar — sibilou a Carol por cima da sua caneca de café. Tive uma fantasia montessoriana de duros pisos de madeira e uma luz finlandesa fraturada a projetar-se sobre um círculo de estudantes de Arte bem-educados a trabalharem com afinco. Acreditava que os europeus eram pessoas com dignidade, história e sensatez. O oposto da minha escola, que orbitava à volta dos rapazes de escultura, que construíam objetos gigantescos de 2 × 4 no ateliê de marcenaria e se enfrascavam nas aulas com uísque decantado para garrafas de Pepsi.

A nossa escola era bastante competitiva. As críticas às obras de arte eram um sistema sancionado para se atacarem mutuamente. Todos os ressentimentos podiam ser apresentados na sala de aula do segundo andar, ou, como a maioria dos alunos lhe chamava, o poço. Os amigos eram inspirados a rebaixar-se uns aos outros com histórias pessoais: os pais republicanos, textos rudimentares não lidos, predileções pornográficas, aproveitamento de fraquezas e partilha de curiosidades que eram totalmente irrelevantes para o trabalho em questão, tudo na senda do poder. Que poder, exatamente, ainda não sabia ao certo. Parte dele encontrava-se nas mãos dos professores, que podiam apoiar a passagem de um jovem artista para o abismo nebuloso do mundo das galerias. Mas os escultores eram intocáveis, gritavam blasfémias aos caloiros, citavam mal Joseph Beuys, roubavam o trabalho uns dos outros e ainda assim todos queriam ir para a cama com eles.

O David Chris era o líder da irmandade da escultura; era o mais alto, com um grande rosto largo, e parecia que acabara de sair de uma caverna pré-histórica em França, com as mãos ainda frescas de tinta dos seus últimos rebocos de búfalos. A minha tia Caroline sempre disse, no seu sotaque sulista: «Nunca confies em ninguém com dois nomes próprios.» E o David Chris não era exceção. Era o principal artífice de um mural multigeracional de raparigas caloiras em marcadores de cores vivas que envolvia o teto adjacente aos ateliês dos alunos mais antigos. Cada figura tinha uma alcunha rabiscada por baixo, por vezes registando com quem tinham ido para a cama ou factos importantes: a Foliona tem herpes ou a Boneca tem uma rata apertada.

A minha alcunha não tinha uma origem sexual. No Halloween, vestida como uma zebra num macacão da American Apparel, eu descera oito lanços de escadas apertadas de Chinatown, apenas para tropeçar no último, aterrando numa pilha de lixo muito clemente. O David Chris, vestido de Paul Bunyan, mas fazia-o todos os dias, de qualquer forma, estava especado ao fundo das escadas com um sorriso de orelha a orelha. E agora, a marcador vermelho meio seco, a minha alcunha, Caixote do Lixo, é rabiscada sob um esboço da minha pessoa não muito desanimador, emergindo de um caixote do lixo a olhar para algures, entre uma demente Vénus de Botticelli e um excitado Ferrão. Não foi o pior. À Hailey, chamavam-lhe Buraquinho, porque deixara que um tipo chamado Moses a masturbasse no telhado.

Por fim, lá arranjara coragem para trazer uma das minhas esculturas ao poço. Um pedaço pesadão de contraplacado, manchado de mijo, muito provavelmente infestado de percevejos, que eu encontrara em Bowery. Esburacara a tábua deformada centenas de vezes com um berbequim, e, com arame prateado, prendera cuidadosamente todos os detritos de pequeno porte que encontrara nas ruas ao longo do mês: chaves, invólucros de rebuçados, pequenos brincos, moedas, elásticos do cabelo, um sapato de bebé, anúncios de tarot, recibos, palhinhas de plástico, peças lego. Estávamos em dezembro. Idealizei-a como um calendário do advento da cidade de Nova Iorque. O David Chris estava bêbedo.

Um momento de quietude caiu sobre a sala enquanto os meus colegas circundavam a minha escultura. Ao inspecioná-la, o David deu um piparote na borda esfarpada. Aguardei, o medo a pulsar-me nas veias. A minha peça era a última de uma longa noite de espeleologia intensa. Tínhamos acabado de despender duas horas a debater o sentimentalismo inerente de um dónute coberto de gesso ainda húmido.

Por fim, o David quebrou o silêncio, dizendo as palavras para o seu copo de papel, a voz levemente distorcida pelo eco:

— Zoe, percebes que isto é decorativo.

— Como? — perguntei eu, mais suavemente do que pretendia.

— É, tipo, doméstico... é giro...

— Como é que isto é doméstico? — perguntei novamente, com mais firmeza.

— Não podes negar...

— Os elásticos para o cabelo — disse o Jeff com brusquidão, cuja flanela desgastada combinava com a do David. — E a forma como prendeste o arame é tão delicada. Como se nos agarrássemos a algo do passado. É como um cata-sonhos, ou uma caixa de joias, ou...

— Penso que também deverias ter-lhe juntado mais coisas — declarou o David. Deu outro gole, terminando a sua intervenção na discussão, e depois voltou-se para uma rapariga que tinha uma tatuagem novinha em folha de um pardal no pescoço, a pele ainda inchada, e encheu-lhe o copo. Alguns concordaram com ele.

— Parece subdesenvolvida.

— É mais como uma proposta ou um projeto.

— Um Rauschenberg dulcificado.

No poço, a forma mais fácil de dar cabo do trabalho de uma mulher era chamar-lhe doméstico. Ou decorativo.

Os dois dês. Ou, como o David Chris dizia, «mulherices tolas»2.

Quando, numa quarta-feira nublada, eu encontrara o pedaço de contraplacado desgastado, estava inchado com os líquidos da cidade e descartado atrás de um suporte para bicicletas — nada tinha dos dois dês. Levei-o de novo para o ateliê, os meus dedos ainda a latejar com o seu peso enquanto examinava a tábua. Por toda a sua crua fealdade, era lisa como madeira flutuante, as suas extremidades irregulares arredondadas pelo caminho através das marés de betão. Cada mancha de tinta e chanfradura parecia importante, contando alguma espécie de história traumática que apenas eu conseguia ouvir. Parecia-me óbvio que esta tábua seria o lar de todos os outros pedaços, os tesouros que encontrara diariamente nas calçadas e escadas durante o mês anterior. Mas eu não sabia como fazer entender isto à turma. Permiti apenas que os comentários deles me inundassem, receando que, se lhes explicasse alguma destas coisas, e ainda assim eles o descartassem, ficaria sem nada.

Na Pele dos Outros
Na Pele dos Outros créditos: Editorial Presença

Livro: "Na Pele dos Outros"

Autor: Calla Henkel

Editora: Editorial Presença

Publicação: 18 de janeiro

Preço: €17,01

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Tinha inveja de todos os estudantes que haviam crescido nas grandes cidades. Pareciam ter as ferramentas necessárias para viver em Nova Iorque. Os pais de todos eram interessantes: cartógrafos, romancistas, figurinistas, advogados ambientais e projetistas no MoMA. A minha mãe trabalhava numa agência imobiliária foleira na Florida. Ainda tentei representar os estereótipos da cidade de Nova Iorque — usava um casaco de cabedal preto, raramente lavava o meu cabelo castanho, bebia café mesmo não gostando do sabor, tinha um BI falso e sentia-me perfeitamente à vontade a dizer «vai-te foder». Mas o ar quente alienígena que saía das grelhas do metro conseguia petrificar-me. O peso psíquico de todas as pessoas à espera no semáforo da 14th Street conseguia tornar-me incapaz de mexer as pernas. Fazer compras de mercearia no Trader Joe’s era horrível, e ir aos correios, avassalador. Recordava a mim própria que, de certa forma, eu estava mais equipada para fazer frente a tudo isto do que muitos dos meus colegas de turma, a grande maioria nunca lavara roupa na vida. Explicara a pelo menos três estudantes de pijama como deitar detergente nas grandes máquinas brancas na cave. Tinha uma bolsa de estudo quase a cem por cento, sabia fazer uma omeleta e tinha a certeza de que queria ser artista. Acreditava que isto seria o suficiente.

Quando era mais nova, a única coisa que me tornava, ainda que vagamente, popular era a minha capacidade de desenhar. Desenhava a carvão princesas e golfinhos a saltarem através de labaredas, o que quer que fosse que os meus pares me pedissem. Era como imprimir dinheiro. No quinto ano, o meu desenho hachurado do parque infantil ganhou um concurso escolar para a capa do calendário de 2001. Direcionei as minhas capacidades para a colagem no segundo e terceiro ciclos, cobrindo cadernos, cacifos e paredes de pré-adolescentes com recortes das Destiny’s Child, do Leo, da Christina e da Britney. E no oitavo ano, a minha melhor amiga, a Ivy Noble, uma bailarina, decidiu que queria ir para Nova Iorque e dançar na Juilliard. Sempre competitiva, e constantemente disposta a segui-la, decidi que também eu iria para a grande e assustadora cidade dos carteiristas, pela arte. Por isso, mergulhei nos estudos — ela tinha ensaios e treino, mas eu desfrutava da biblioteca. Descobri o Man Ray, o Basquiat e as colagens transcendentais da Hannah Höch, que me instigaram a perverter o Leo e a Britney em abstrações adolescentes teatrais.

Pelo menos não chorei nas aulas. Na casa de banho, depois de uma crítica, hiperventilara, mas nunca chorara. E encontrava-me amiúde com a Ivy, que, apesar da taxa de aceitação quase impossível, entrara na Juilliard sem grande stresse. Eu até tinha alguns amigos, e o meu namorado da altura, o Nate Kai. Ele era um ano mais velho do que eu, um cínico idiota dos computadores com um olhar intenso de MacBook — sempre que entrava numa conversa, os seus olhos verdes de tartaruga adquiriam um zoom escuro enquanto escolhia as palavras, como uma mão que mergulha silenciosamente num saco de Scrabble, à procura da vogal seguinte. O Nate, o campeão do debate do seu colégio interno em Massachusetts, mantinha a sua tradição de escolher um argumento por dia para discutir: Seria moralmente corrupto vender o nosso trabalho numa galeria? Será que a pintura gerada por computador se podia considerar pintura? Seria tudo pronto a usar na nossa era atual de produção de arte?

A nossa relação metia-me medo. Mas eu pensava que era assim que as relações dos artistas deviam ser; imprevisíveis, tortuosas, intensas. E o carácter de Costa Leste do Nate era em tudo o oposto dos cérebros de praia torrados pelo sol com os quais eu crescera. Até conhecera por breves instantes os pais dele no Four Seasons, antes de uma cerimónia de caridade da UNICEF. Eram, na melhor das hipóteses, pessoas frias, mas de facto magnificentes. O pai do Nate, Ken Kai, nascido no Japão, era um banqueiro formado pela Wharton, e a mãe, Barbra Kai, de cabelo cor de merengue de limão, era herdeira de uma pequena fortuna no campo da química.

O Nate tinha o hábito de se inclinar sobre o meu livro de esboços, a boca a mascar pastilha Orbit, criticando-me:

— Zoe... eu só acho que há... — mastigação — demasiado, não tenhas — mastigação — medo de desperdiçar papel.

Eu tinha medo de desperdiçar o que quer que fosse, estava a receber uma bolsa de estudo. O Nate adorava o desperdício. Tinha o cartão de crédito dos pais, e, quando discutia com o pai, como acontecia amiúde, apanhávamos um táxi até ao Hotel Carlyle e pedíamos duas solhas de Dover, despinhadas numa bandeja de prata. O Nate queria desesperadamente que eu tivesse um fetiche. Eu não tinha. Ele sim. E não me dizia qual era o dele, a menos que acreditasse verdadeiramente que eu tinha um. Pesquisei fetiche no Google.

Excitação sexual por insetos.

Excitação sexual por pedras e cascalho.

Excitação sexual por amputados.

Não sabia qual deles escolher. Eu estava com o Nate porque ele me fazia sentir parte de um outro mundo, não porque eu quisesse pisar-lhe a cara com saltos altos. Mas tinha receio de o perder, aos seus bilhetes para a ópera e às suas histórias do internato. Uma noite, depois da aula de Teoria da Cor, passámos por uma mercearia. Eu disse-lhe que podia ir buscar uma curgete e foder-me com ela. Os vegetais seriam o meu fetiche, claro. Os olhos dele iluminaram-se, as mãos moviam-se excitadamente pelo seu cabelo preto iridescente enquanto inspecionava cada curgete, medindo-a com o dedo indicador e o polegar, apertando-a, decidindo-se por fim por uma com uma ligeira curva. De regresso ao apartamento dele, a meio do ato, olhou de repente para a curgete com horror, certo de que eu estava a tentar fazer pouco do tamanho normal da sua pila, comparando-o com o do vegetal, começou a chorar e pediu-me para me ir embora. Mortificada, regressei ao dormitório. Pesquisei fetiche no Google, mais uma vez determinada; encenação, tentáculos, pés, papel higiénico, borracha, material médico, ursos de peluche.

Alguns dias mais tarde as coisas acalmaram, a curgete fora esquecida, e estávamos a ver em paz um filme do Kenneth Anger, que ele já vira, mas insistiu que eu visse. Ele foi a correr buscar mais cerveja, deixando o telefone no balcão de pedra, que começou a berrar, uma hiena esganiçada. Tentei ignorá-lo, concentrando-me nos motoqueiros nazis a mergulharem na autoestrada, mas o guincho elétrico começou de novo. E outra vez. Por fim, acabei por pegar no telemóvel, prestes a silenciá-lo, quando as mensagens de texto apareceram. Eram de uma rapariga, Sam Cassady, a marcar uma hora para se encontrarem e o que ele deveria vestir. Calças de cabedal e camisa branca. Quando o Nate regressou pelas escadas acima e me viu a segurar o telemóvel, caiu-lhe o queixo. Esbugalhou os olhos, o zoom verde, ficou por momentos sem palavras, e depois deixou-me.

No seguimento das instruções que a Carol me enviou por e-mail, preparei a documentação do meu trabalho para a minha candidatura ao estrangeiro, colocando cada slide no seu pequeno invólucro de plástico dizendo uma oração não verbalizada, que rapidamente se transformou em vários «foda-se» não verbalizados também.

FODA-SEDAVIDCHRISENATEETODOSOSFILHOSDAPUTADOSESCULTORES.

Repito. Deixaria Manhattan, a ilha do homem putrefacto.

Alguns meses mais tarde, com exuberante alegria, a Carol Gaynor chamou-me ao gabinete dela, que era esbelto como ela, e informou-me de que eu fora aceite em Helsínquia para um ano de estudo no estrangeiro. Iria a pé para a sauna no mar e continuaria os meus estudos com estudantes dignos. A Carol fez uma pequena dança embaraçosa com os dedos indicadores apontados para cima sobre a cabeça. Contentíssima com a minha iminente saída, deleitei-me com uma caixa de sushi e um chá de bolhas3 e telefonei à minha mãe enquanto chupava as bolinhas de tapioca.

Encontrei o Nate sentado nos degraus da escola. E porque me sentia feliz, cumprimentei-o. Começando a falar de si próprio e da sua vida, uma torneira a rugir banalidades, tirou-me o sorriso, a minha pequena alegria depois de três meses de desolação. Apreciando as bolas de tapioca a expandirem-se no meu estômago enquanto olhava para a aborrecida cara dele, fiquei satisfeita com a minha capacidade de o ignorar. E depois, como se tivesse deixado cair um tijolo no meu pé calçado com sandália, mencionou que acabara de saber que fora aceite em Helsínquia. Eu não disse nada, dei meia-volta e regressei ao escritório da Carol, com o meu cérebro a estrondear. O Nate sabia que eu me tinha candidatado a Helsínquia. Até lhe mostrara o campus no Google Maps, fazendo zoom sobre a sauna que se esparramava para o mar. O cretino manipulador. A Carol informou-me de que ainda havia uma vaga na escola de arte em Berlim.

Pouco ou nada a conhecendo, apenas de longe, nunca imaginei passar um ano num país estrangeiro com a Hailey Mader. Eu sabia que ela usava Chanel Mademoiselle — um aroma ubíquo a limpa-vidros de baunilha, popular entre as higienistas dentárias, assistentes de galerias e outras mulheres próximas do poder benigno. Eu sabia que ela possuía a assustadora fortaleza de espírito de partir o próprio nariz, mastigar pastilhas Dentyne Ice e decorar o seu dormitório com cartazes de licores italianos da década de 1930 — mas não fazia a mais pálida ideia de como eram as obras de arte da Hailey. Nunca a vira no poço. Ela dissera-me uma vez, com um ar de profunda seriedade, que o trabalho dela era conceptual, como se isso explicasse alguma coisa. Para mim, na escola, ela era uma personagem de um programa de televisão mal representado, com uns laivos de identidade.

Parecia que a Hailey sabia falar alemão, um facto que a Carol se entusiasmara a transmitir-me enquanto me entregava uma catrefada de brochuras. Senti-me aliviada por não estar sozinha. Aliviada por alguém ter um plano. Ainda tinha o número de telefone da Hailey de um grupo de estudo, por isso telefonei-lhe, e ela soou-me genuinamente excitada, enumerando o que fizera — tinha reservado os seus bilhetes, encontrara um hostel, iria ter um novo cartão SIM quando lá chegasse. Mas houve um ligeiro vacilar na sua voz no final da conversa, uma mudança de tom quase impercetível, como se estivesse só então a aperceber-se de que já não estaria sozinha. Imaginei que a Hailey poderia ter querido reinventar-se em Berlim. Talvez tivesse visto demasiadas vezes o Cabaré com a Liza Minnelli. Ou planeado ter franja curta e produzir tecno, ou talvez também ela odiasse os idiotas dos escultores. O que quer que fosse, quando a chamada terminou ela ficou a saber que estávamos presas uma à outra.

A nossa primeira refeição num restaurante berlinense como deve ser foi num sítio de fondue perto do hostel, uma sombria caverna de hobbit com cadeiras de madeira nodosa, menus volumosos e velas cintilantes. O empregado de mesa era giro, de uma forma adolescente, vindo constantemente à nossa mesa, de um modo teatral, para se certificar de que estávamos bem, retirando-se depois com uma piscadela de olho. Perguntei à Hailey porque estava ele a ser tão simpático.

— Somos boas como o milho e ainda nem temos vinte anos. E somos estrangeiras. — Ela olhou para o empregado com um sorriso malandreco enquanto ensopava um cubo de pão no espesso queijo borbulhante, ele retribuiu com um aceno de cabeça como se fosse masturbar-se na sala dos fundos.

— Então, o que aconteceu com a Ivy?

Gaguejei. Não me apercebera de que ela sabia da Ivy. Eu perdera as minhas críticas finais para ir ao funeral, por isso acho que todos nas minhas aulas de ateliê sabiam, mas, de alguma forma, tinha esperança de a guardar para mim aqui. Pouco antes de partir para Berlim, ainda me esquecia amiúde, pensando em coisas para contar à Ivy, pegando no telemóvel — e só depois de começar a escrever é que me lembrava de que ela já não estava entre nós.

— Ela foi assassinada — retorqui, sem rodeios, surpreendendo-me a mim própria.

— Eu sei — afirmou a Hailey, gesticulando com subtileza com a sua faca em direção ao pescoço. — Sabes quem o fez? Tens alguma ideia de quem possa ter sido?

— Acham que foi um acaso. — Eu esmagava os restos de comida que ainda tinha no prato. No que dizia respeito à Ivy, não estava pronta para confiar na Hailey.

Ela continuava a olhar para mim, queria saber mais, e, espetando um pedaço de pão, disse:

— Nada acontece por acaso.

Eu desviei a minha atenção para o drone da arca frigorífica com bolos de chocolate cobertos com o que parecia ser betão batido.

— Pintaste o cabelo para te pareceres com ela?

— Como é que sabes que ela era loura? — perguntei eu, abismada.

— Pesquisei-a no Facebook — ela fez uma pausa —, toda a gente adora saber sobre uma rapariga morta.

Quase sufoquei, e a Hailey continuou:

— E, de qualquer modo, agora podemos ser melhores amigas. Para dizer a verdade, nunca tive uma... mudávamo-nos muitas vezes de casa.

Senti-me aliviada quando o empregado quebrou o meu silêncio e a Hailey começou a falar num alemão excessivamente entusiasta. A língua alemã assustava-me, cada frase parecia um carro a ser comprimido num cubo. Parecia impossível namoriscar, mas o empregado estava a rir-se e a Hailey traçava de uma forma coquete a clavícula. Senti-me desconfortável com aquela situação. Fixei o olhar no vitral até ele se ir embora. Contámos a nossa nova moeda brilhante, como trasgos apavorados. A Hailey murmurou que não tínhamos de dar demasiada gorjeta, que na Alemanha era diferente, mas parecia demasiado estranho, por isso demos gorjetas à americana, arrependendo-nos no regresso ao Hostel Star.

Dois dias mais tarde, ouvimos falar de um potencial apartamento na Craigslist, anunciado como um subarrendamento para o período entre o outono e a primavera. Os australianos estavam a ficar mais agressivos, um deles enfiou-se na minha cama a tresandar a cigarros e a urina. A Hailey escrevera a explicar que éramos estudantes decentes e respeitáveis e por fora. O sublocador, que não colocara fotografias do apartamento, era, aparentemente, «um colega expatriado» e perguntou se nos podíamos encontrar mais tarde nesse dia.

Notas

  1. Estufa para armazenar laranjas no inverno. (NT)
  2. No original inglês, «Or as David Chris pronounced domesticity, dum-ass-titties». Na tradução para português perde-se o jogo de palavras. (NT)
  3. Em inglês, bubble tea, bebida à base de chá, misturado com fruta ou leite, e com bolinhas de sagu de tapioca, designadas «pérolas». Conhecido como chá perolado ou chá de bolhas. (NT)