Os astros alinham-se para Harry e Meghan
Eles tornaram-se uma sociedade secreta com dois membros. O terceiro dos encontros consecutivos do casal teve lugar sob o céu noturno do Botswana, o retiro de glamping preferido por Harry para escapadelas escaldantes. Pouco depois, Meghan publicou no Instagram a imagem de um rebuçado Love Hearts com a inscrição «Beija-me», acompanhado da mensagem «Lovehearts in #London». Quando Pippa Middleton e a editora-chefe da Vogue, Anna Wintour, foram fotografadas numa bancada em Wimbledon no dia 4 de julho de 2016, a imprensa mal sabia que a atriz desconhecida que aparecia na fotografia, na categoria de «pessoas secundárias», era a futura esposa do neto da rainha.
Harry não cabia em si de felicidade. Ele namorara sempre com herdeiras, raparigas sem nada na cabeça ou de famílias aristocráticas que pertenciam a um círculo restrito. Meghan era um tipo de mulher com quem ele nunca se cruzara. Como me disse um ex-conselheiro do Palácio: «Muito impressionante. Muito forte, muito motivada, educada para pensar que pode mudar o mundo. É um tipo de mulher muito americana; não as temos cá.» Harry foi arrebatado não só pela beleza e elegância de Meghan, mas também pela forma como ela tinha o controlo da sua própria vida. Em comparação com Meghan, ele era um miúdo cuja existência fora inteiramente delineada por outras pessoas.
Mas os planos dos outros já não funcionavam para Harry. Partiam sempre do princípio de que ele era uma figura secundária. Harry era encurralado pelo ditame arrogante de «Primeiro, não prejudiques» a rígida hierarquia da monarquia. Ele já não era o boémio insensato que fora quando estava na casa dos vinte. (Bem, às vezes era. Andrew Morton relata que, poucas semanas antes de ter conhecido Meghan, Harry dançara indecentemente com um par de morenas e bebera shots no Jack’s Bar, na parte oeste de Londres.) Ele tinha os seus recursos: quando fez trinta anos, herdou treze milhões de dólares da herança deixada pela sua mãe. E o êxito dos Invictus Games mostrou que ele podia ser uma força independente – ou alguém que muda o mundo, nas palavras de Meghan – para lá dos desígnios do Palácio.
O problema era que ninguém naquela instituição conservadora era capaz de apreciar essa força, nem sabia que uso lhe dar. Harry passara anos num tumulto de emoção imatura e dever inútil. O contraste entre a sua confusão e os objetivos claros de Meghan era entusiasmante. Aquela mulher extraordinária viajava pelo mundo como atriz, humanitária e aventureira por vontade própria – e pagava tudo do seu bolso! Ela discursara nas Nações Unidas como ela própria! Fazia publicações no Instagram sobre causas feministas, enquanto aparecia fabulosa de biquíni em Positano. «Era como se o Harry estivesse em transe», comentou um amigo.
O sentimento era mútuo. Meghan tinha um fraquinho por rapazes altos, musculados e imaturos, com barbas douradas rasas. Harry tinha uma fisionomia semelhante à de Cory Vitiello, mas com o apelo adicional da realeza. Três anos mais novo do que Meghan, ele era simultaneamente viril e vulnerável, e era a solução para todos os problemas dela. Com Harry ao seu lado, o seu estatuto de estrela não se limitaria a subir: ia disparar. De conferencista insignificante a principal entrevistada. De Q&A das primeiras páginas de revistas a capa da Vanity Fair. De «o que é que vem a seguir a Suits» a supernova internacional. Na manhã a seguir ao primeiro encontro dos dois, ela falou de Harry a uma amiga como se ele fosse uma proposta excitante da sua agente: «Pareço louca se disser que isto talvez tenha pernas para andar?»
Ela partiu numa digressão promocional de Suits que a levou a Boston e Nova Iorque, onde um misterioso ramo de peónias, as suas flores favoritas, foi entregue no hotel dela. «Sinto-me tão incrivelmente feliz neste momento», escreveu ela no The Tig. «Tão grata e satisfeita que só posso desejar mais do mesmo. Mais surpresas, mais aventuras.» Uma semana depois, estava a experimentar a África autêntica com Harry, numa tenda de luxo de dois mil dólares, em Meno a Kwena, um acampamento de safari no Botswana. Quando o casal regressou, a intensidade do que sentiam um pelo outro ia além de um simples namoro. Era um pacto: Nós contra o Mundo.
O príncipe Carlos ficou encantado com Meghan nas primeiras vezes que se encontraram. Num almoço em Highgrove, Meghan, foodie e criadora de tendências do The Tig, ouviu avidamente o príncipe Carlos a louvar as batatas Charlotte e os morangos Hapil cultivados por ele. Tendo em conta que toda a gente na família revirava os olhos à obsessão dele com alimentos biológicos, não era difícil que Carlos ficasse embevecido com uma mulher bonita que parecia fascinada por tudo o que ele tinha para dizer.
A rainha conheceu Meghan depois de uma missa em Windsor, ao dar um «salto» informal à Royal Lodge, certamente orquestrado pela prima preferida de Harry, a princesa Eugenie, filha de André e Fergie, por quem a rainha tinha um carinho especial. Sua Majestade facilitou a conversa e absteve-se de tecer julgamentos. Estava simplesmente contente por Harry estar feliz.
No entanto, William conhecia Harry demasiado bem e receava que ele estivesse a meter-se em sarilhos. Cada vez que o irmão se apaixonava era como uma erupção do Vesúvio. «Tens noção de que esta é a quarta rapariga que levas ao Botswana, não tens?», não pôde deixar de comentar ele depois de Harry lhe relatar a viagem com os olhos a brilhar. William não expressou logo as suas preocupações em relação a Meghan. Harry apresentou-lha num chá descontraído na cozinha do apartamento dos Cambridge no palácio de Kensington. (Para desilusão de Meghan, Kate estava com os filhos em Norfolk.) Meghan preparara-se para um interrogatório, mas William era demasiado bem-educado para isso. «Eu estava ansioso por conhecer a rapariga que tinha posto aquele sorriso idiota na cara do meu irmão», disse-lhe ele de forma desarmante. Ela sentiu-se tão bem acolhida pelo encanto natural de William como pelo da rainha.
Mas William estava nervoso com a velocidade a que tudo isto estava a acontecer. Na perspetiva dele, se a união se tornasse permanente, Meghan estaria a desistir de tudo o que conhecia: a sua carreira, que era uma parte significativa da sua identidade, e a vida que tinha na América do Norte. Ela não conhecia quase ninguém em Londres e tinha uma fraca compreensão da cultura britânica. Uma pessoa próxima do duque de Cambridge disse-me que William achava que ela devia ter mais tempo para construir uma vida no Reino Unido e fazer amigos que não tivessem de ser sempre trazidos em segredo para o Palácio. Já fora bastante difícil para Kate, mas Meghan era uma atriz glamorosa que se tornaria a primeira mulher de cor a juntar-se à família real, fa- tores que aumentariam enormemente a pressão. A mesma pessoa disse que William nunca mencionou ao irmão o seu receio de que a fragilidade mental dele fosse tal, que não lhe permitisse lidar com todos os problemas que Meghan teria ao mesmo tempo que enfrentava os seus. O dia a dia de Meghan estaria sujeito a um escrutínio mordaz e a uma perseguição que ela julgava compreender, mas que os veteranos do Palácio sabiam não ser de todo comparável ao tipo de exposição inócua que uma atriz de televisão tinha de suportar.
Segundo me foi dito, a resposta de Harry às preocupações do irmão pode ser resumida da seguinte forma: «Bem, na verdade, casar-me com ela é a melhor forma que tenho de a proteger, porque assim que nos casarmos ela terá proteção policial.» Além disso, ela ia fazer trinta e cinco anos dentro de um mês. O seu relógio biológico estava a dar horas.
Em setembro de 2016 – apenas dois meses após se terem conhecido –, Harry zarpava constantemente para Toronto, onde ficava em casa de Meghan sem ser incomodado, graças aos vizinhos protetores. Era uma bolha mágica tornada possível pela habitual discrição dos canadianos, que tendem a deixar as celebridades em paz e permitiram que o casal pudesse passear com privacidade pelo Trinity Bellwoods Park de Toronto, usando as suas pulseiras de contas azuis a condizer. Sempre que Meghan podia ir a Londres, eles trancavam-se na Nott Cott e só se viam um ao outro. Mais tarde, Harry declarou que se apaixonaram «tão incrivelmente depressa» que era uma prova de que «os astros estavam alinhados».
O príncipe estava tão perdido de amores por ela que, em dezembro, em vez de regressar diretamente a Londres de Barbados depois de representar a rainha numa digressão pelas Caraíbas, ele fez um desvio de mais de 3800 quilómetros para ver Meghan nos intervalos das filmagens em Toronto. De volta a Londres, eles foram avistados a comprar uma árvore de Natal no Battersea Park. O vendedor de árvores descreveu o casal como «completamente feliz, amoroso e cúmplice, mas não demasiado meloso e grosseiro». William viu em tudo isto sinais suspeitos de que eles estavam a construir um ninho.
Foi o Sunday Express que revelou a relação ao mundo. O casal gozou de quatro meses de uma deliciosa privacidade, antes de Camilla Tominey, editora de assuntos reais, ter dado a notícia em outubro de 2016, sob a manchete «O Romance Secreto de Harry com uma Estrela de Televisão». A reação da imprensa foi estrondosa, sobretudo por Tominey ter levado a melhor sobre toda a concorrência, o que resultou num foçar frenético para obter todos os pedaços de informação sobre Meghan que os correspondentes canadianos e de Los Angeles pudessem fornecer. Meghan foi cercada ao sair de casa para ir para o local das filmagens de Suits. A atriz da televisão por cabo, que se esforçara tanto para que o seu nome fosse conhecido, representava agora o papel de uma celebridade assediada, vestindo um sobretudo preto, gorro e óculos escuros.
Na primeira leva de cobertura mediática, ela foi retratada como uma reencarnação de Grace Kelly, uma atriz, humanitária e ativista pela igualdade de género, fazendo com que seja difícil não acreditar que a primeira fuga de informação não tenha vindo da parte de Meghan (embora tenha sido sugerido que a denúncia teve origem num empregado da Casa de York). A segunda leva, porém, teve um tom diferente, obrigando Meghan a experimentar em toda a sua força o cardume de barracudas com dentes afiados que se dedica a perseguir a realeza.
Habituadas a uma cobertura mediática alimentada pelos seus publicistas e a artigos lisonjeiros em revistas, escritos em troca de acesso, as celebridades americanas ficam amiúde aturdidas com a criatividade absolutamente demoníaca da imprensa popular britânica. Quando não se é o alvo, o dilacerar da reputação de outras pessoas pelos tabloides é um prazer secreto à mesa do pequeno-almoço dos britânicos, como a acidez de uma compota de laranja. No seu melhor, eles destroem com mordacidade as pretensões dos ricos e pomposos. No seu pior, refletem os instintos mais básicos de trolls reacionários e trocistas.
Ninguém sabia melhor do que Harry aquilo de que a imprensa britânica era capaz. Ele vira tudo, desde o trauma primordial das últimas horas da mãe, às invasões brutais à privacidade da sua anterior namorada e à vilipendiação de todas as mulheres da família real, exceto Isabel II. Kate fora atormentada pela sua classe e alpinismo sociais, assim como pelo negócio da mãe, a Party Pieces – «Noiva das Encomendas por Correio», escarneceu um colunista. A chacota não acabou depois do casamento. Ela era regularmente retratada como uma plácida não-entidade. Hilary Mantel, romancista vencedora do Booker Prize, descartou-a (maldosamente), numa conferência para a London Review of Books, como um «manequim de montra de loja» que era «o mais horrivelmente magra que se possa desejar, sem excentricidades, sem bizarrias, sem o risco da emergência de caráter. Ela aparenta ter sido fabricada com precisão, fabricada por uma máquina».
Os tubarões dos tabloides eram impiedosos com o peso de Sarah Ferguson, a «Duquesa de Pork». Camilla Parker Bowles era insultada por ser feia e velha com tanta frequência que começou a assinar as suas cartas a Carlos como «a tua fiel velhota».
«Eu não desejaria submeter o meu pior inimigo àquilo», afirmou ela a um entrevistador no dia do seu septuagésimo aniversário, relembrando a torrente de injúrias.
Até a dedicada Sophie Wessex, uma figura marginal da realeza, foi de tal modo achincalhada por ter sucumbido ao truque do Falso Xeque que, segundo me disse um antigo membro da equipa de imprensa do Palácio, «ela aparecia todos os dias no nosso gabinete quase em lágrimas, porque tinham escrito mais uma merda sobre ela. E dizia: “A minha família leu isto! Os meus amigos leram isto!”»
II
Talvez fosse inevitável que os mesmos escribas malévolos que escarneceram abundantemente da classe social e da aparência das outras mulheres da família real fossem a correr atrás de Meghan, quase dando um jeito nas costas ao descerem ainda mais baixo do que antes. No entanto, Harry parece ter feito pouco trabalho de preparação para apresentar a sua namorada birracial aos media. A sua recusa obstinada em negociar com a imprensa, mesmo quando se tratava claramente de defender os seus próprios interesses – e os dela – levou-o a rejeitar que os correspondentes reais fizessem uma divulgação elegantemente pré-planeada da sua nova relação. A informação aleatória fornecida a Camilla Tominey e ao Sunday Express retirou a Harry toda a possibilidade de controlo sobre os outros jornais, que estavam agora determinados a retaliar.
O Daily Mail foi o mais agressivo. Com um reinado no Mail que já durava há duas décadas, Paul Dacre, o saturnino minotauro editorial que tinha um dom sem igual para defenestrar todas as figuras públicas que infringissem o seu código moralista conservador, liderava uma equipa particularmente hábil a denegrir por associação. Por exemplo: «Fulano, primo em segundo grau do pedófilo canibal Dennis Nilsen e ex-assistente executivo do cunhado do chefe de produção do violador condenado Harvey Weinstein, é agora o braço-direito do primeiro-ministro.» O pessoal de Dacre referia-se às reuniões editoriais que ele fazia de manhã como os «Monólogos da Vagina», pelo hábito que ele tinha de chamar «cona» a toda a gente.
Em 2016, quando Harry se encontrava no seu auge, Dacre, num momento de tédio com a família real, decidira que o príncipe William estava a ter a vida muito facilitada, e criou uma nova narrativa segundo a qual o herdeiro ao trono era um snobe preguiçoso que não fazia o suficiente para apoiar a rainha. A ideia ganhou tração e perseguiu William durante dois anos.
O artigo sobre Meghan publicado no Mail de 2 de novembro de 2016 era um exemplo clássico de enxovalho por associação. Com a manchete «A Miúda do Harry Veio (Quase) Direitinha de Compton», a peça era racista de uma forma tão detestável (e indiferente) que se tornou a principal prova usada por Harry e Meghan na sua guerra justa contra a imprensa.
«Fustigado pelo crime e pejado de gangues de rua», lia-se no relato, «o problemático bairro de Los Angeles a que Doria Ragland chama casa não podia ser mais diferente do frondoso Kensington, em Londres.»
As casas literalmente palacianas de Harry não podiam ser mais diferentes das casas térreas deterioradas que dominam uma grande parte de Crenshaw. E, ao passo que houve um total de vinte e um crimes na área em redor de Highgrove nos últimos doze meses, só na última semana ocorreram quarenta e sete em Crenshaw – incluindo assassínios e assaltos… Os gangues locais incluem o Crenshaw Mafia Gangster, que tem atormentado a zona desde 1981, e o Center Park Blood, um afiliado do Bloods… Não obstante – e apesar dos gangues –, considera-se que algumas partes de Crenshaw estão a melhorar, entre elas a chamada, apropriadamente, Windsor Hills.
Um nome sem dúvida apropriado, porque Windsor Hills era, na verdade, o bairro onde se situava o aprazível bungalow em estilo colonial espanhol de Doria Ragland. Os guias da cidade descrevem o próspero bastião negro, com os seus relvados bem cuidados, restaurantes de alta qualidade e trilhos pedestres, como uma das «joias escondidas» de Los Angeles, atraindo políticos, estrelas de basquetebol e atores de cinema como residentes. O próprio bairro de Crenshaw não tem nada que ver com o caos descrito pelo Mail, de acordo com uma fonte minha da polícia de Los Angeles, que pareceu ficar perplexa com o facto de o retratarem como um local infestado de gangues onde têm lugar homicídios descarados.
O The Sun, entretanto, atacou com a manchete «Vai uma Tacada Rápida?», alegando que o casamento de Meghan terminara por causa de uma aventura com o jogador canadiano de hóquei no gelo Michael Del Zotto. Foram ainda mais revoltantemente criativos com uma caixa de texto de primeira página com o título «A Miúda de Harry no Pornhub», baseada em cenas de Suits que um palhaço qualquer carregara para o website pornográfico sem conhecimento ou permissão de Meghan.
«A Meghan sentiu um nó no estômago quando viu aquilo», contou uma amiga dela aos biógrafos Omid Scobie e Carolyn Durand. «Ela queria gritar… Estava transtornada e zangada.» Além disso, o artigo sobre Meghan no Pornhub era encimado por uma fotografia da duquesa de Cambridge num evento, com um vestido branco reluzente sob a manchete «Kate Radiante». Os tabloides já estavam a introduzir o cenário irresistível de uma potencial rivalidade entre a virtuosa (e branca) Kate e a racialmente ambígua Meghan.
Harry passou-se. Irrompeu pelo palácio de Kensington adentro para falar com a equipa de comunicação que partilhava com o príncipe William e exigiu que emitissem imediatamente um comunicado a condenar a publicação. O irmão mostrou-se compreensivo. Ele próprio estava encolerizado com a imprensa e ordenara recentemente a divulgação de uma furiosa reprimenda oficial, depois de um paparazzo ter quebrado todos os protocolos civilizados ao esconder-se no porta-bagagens de um carro a fotografar o príncipe George a brincar num parque. William, todavia, terá também questionado a sensatez de o irmão ter confirmado oficialmente o romance com Meghan. Ele desconfiava da estratégia de «lutar ou fugir» que Harry usava com os meios de comunicação.
Enquanto futuro rei, William aprendera a engolir o seu desagrado com certas histórias, porque ele – e a monarquia – também necessitavam da amplificação sempre garantida da imprensa. Confiava no modelo de Paddy Harverson, que prescrevia acesso controlado e raras intervenções efetivas. A sua repreensão mais tempestuosa ocorreu depois de um paparazzo de uma revista francesa ter tirado uma fotografia de Kate em topless, durante umas férias na Provença em 2012. William conseguiu obter uma ordem judicial contra a revista e levou o processo para a frente durante cinco anos, até a sua esposa ser recompensada com uma indemnização de 91 mil libras. A mensagem ficou registada: William raramente atacava, mas, quando o fazia, era letal.
Voltando a Meghan, o Palácio nunca emitira uma declaração relacionada com um namoro de apenas quatro meses. A maioria das namoradas reais sem anel de noivado eram abandonadas à sua sorte. A reprimenda assertiva de William à imprensa em 2007, depois de Kate Middleton ter sido cercada à saída do seu apartamento por equipas de serviços noticiários que esperavam um anúncio de casamento, surgiu depois de uma relação estável de cinco anos.
A chegada de Meghan, porém, exigia uma estratégia de imprensa reforçada. Como ela era divorciada, americana, uma mulher de raça mista e atriz, havia demasiados aspetos que podiam levar os media a fazer das suas. O novo chefe de comunicação do palácio de Kensington, Jason Knauf, era um ex-diretor de assuntos corporativos no Royal Bank of Scotland, e era um exemplo dos assessores de imagem mais sofisticados que começaram a trabalhar no Palácio nos últimos anos. Ajudou Harry a redigir um comunicado robusto em defesa de Meghan.
Divulgado no dia 8 de novembro de 2016, o comunicado abria com algumas declarações preparatórias sobre Harry gozar de uma vida privilegiada e o seu desconforto com o interesse do público nela, e depois passava a condenar duramente «a mancha na primeira página de um jornal nacional; as insinuações raciais dos artigos de comentário, e o sexismo e racismo explícitos dos trolls das redes sociais e dos comentários dos artigos digitais».
Depois de delinear todas as formas como Meghan fora atacada, Harry concluía com uma típica demonstração de força dos Spencer:
Ele sabe que os comentadores dirão que este «é o preço que ela tem de pagar» e que «isto faz tudo parte do jogo». Ele discorda veementemente. Isto não é um jogo: é a vida deles. Pediu que este comunicado fosse divulgado na esperança de que aqueles que têm propagado esta história na imprensa parem para refletir antes de causarem mais danos.
Várias semanas depois, William emitiu o seu próprio comunicado de apoio ao irmão, alegadamente para silenciar os rumores de que não aprovava a relação.
Como seria de esperar, a ofensiva de Harry fez sensação nas notícias. Infelizmente, rebentou durante a digressão do príncipe Carlos com Camilla pelo Golfo Pérsico (que começou com uma dança da espada em Omã). Normalmente, o protocolo do Palácio insiste que se evite fazer anúncios que possam interferir com os planos dos membros principais da família real, mas não havia como deter Harry. Após meses de planeamento por parte da Clarence House, Carlos fantasiara com a possibilidade de as suas interações de estadista com líderes do Golfo suscitarem mais do que um interesse pro forma dos meios de comunicação. No en- tanto, «Sem comentários» – acerca de Harry e Meghan – era a resposta mais citada do príncipe no Barém.
Perder as estribeiras foi entusiasmante para Harry. Ele defendera Meghan como nunca poderia ter defendido a mãe. E estava a experimentar algo novo: elogios dos media inteligentes. «Senti um formigueiro sob a pele ao lê-lo», escreveu um colunista do New Statesman. «Nunca esperei ver algo tão socialmente impactante como isto a acontecer no seio da monarquia britânica durante o meu tempo de vida.» Uma Casa de Windsor woke era um prodígio! Para os correspondentes reais mais prosaicos, instruídos na semiótica dos comunicados do Palácio, a ideia a reter era de que, depois de um namoro de apenas cinco meses, estava na altura de ficar à espreita de um anúncio de casamento.
O comunicado foi o salto quântico de Meghan. Revolucionou o estatuto dela, de celebridade menor a cause célèbre. Ela era agora um avatar global de diversidade e estilo, e, nas redes sociais, era algo ainda mais poderoso: uma vítima – na verdadeira e terrível aceção da palavra, sem dúvida, mas também imbuída da aura de uma mulher capaz de afirmar que fora ultrajada. Ela absorveu sofregamente a sua nova identidade. Com a autoridade moral conferida pela forma claramente odiosa como a imprensa a tratara, Meghan era quase invencível.
Sete meses antes de se casar com Harry, Meghan concretizou o seu maior desejo ao aparecer de ombros descobertos na capa da Vanity Fair. Depois de preparar um almoço de «verduras biológicas, pão com crosta estaladiça para molhar em azeite, e massa salteada com malaguetas compradas “numa pequena loja chamada Terroni”», ela quebrou o tabu real ao falar da sua relação com Harry antes do noivado, como se «para sempre» fosse agora um facto consumado.
«Somos um casal. Estamos apaixonados… Só espero que as pessoas compreendam que este é o nosso momento. Isto é para nós. Em parte, é isso que o torna tão especial, ser só nosso.» Espalhando aliciantes migalhas narrativas com que Oprah se deleitaria no futuro, Meghan disse ao autor: «Tenho a certeza de que haverá um momento em que teremos de nos chegar à frente e de nos mostrar, e teremos histórias para contar.»
No dia 17 de novembro de 2017, o casal anunciou o seu noivado no Sunken Garden do palácio de Kensington, criado em memória da mãe de Harry, no vigésimo aniversário da morte dela, num dos seus refúgios preferidos na propriedade do palácio. Diana também estava presente nos dois diamantes pertencentes à sua coleção privada, que Harry usou para fazer o anel, juntamente com uma pedra preciosa que adquirira no Botswana. Numa manhã gélida, a minúscula cintura de Meghan estava cingida pelo cinto de um casaco branco de inverno com gola de rebuço, que invadiu a Internet e deu origem a milhares de imitações. «Quando é que eu soube que ela era a tal? Logo quando nos vimos pela primeira vez», disse o príncipe enquanto Meghan o fitava com admiração. Os motivos por detrás da escolha do Sunken Garden não eram apenas sentimentais. Ali, o casal ficava a vários metros de distância da imprensa, que tinha de tirar as fotografias do outro lado de um lago ornamental.
III
Agora que Meghan era uma heroína feminista, as tensões com a beldade real que estava acima dela na hierarquia, a duquesa de Cambridge, ofereciam uma narrativa irresistível aos tabloides, que adoram alimentar rivalidades entre mulheres. As duas beldades deram-se impecavelmente, ou bastante bem, quando se encontraram pela primeira vez, em janeiro de 2017.
Posteriormente, Meghan comentou que ficara com a impressão de que Kate tinha um temperamento frio, mas isso talvez se deva ao facto de ela ser uma «espalha-brasas» que abraçava até os guardas à porta do palácio de Kensington. Kate não é uma mulher dada a interações espontâneas. Depois de Marlborough e St. Andrews, ela evitou recrutar novas amigas para o seu círculo mais íntimo. Muitos membros do seu grupo de amigas nuclear pré-conjugal haviam-se instalado em Norfolk com filhos, formando um discreto anel de aço em torno dela – e até elas estão excluídas do santuário das suas preocupações emocionais. As únicas mulheres com quem ela baixa a guarda são a mãe e a irmã. Preocupada com duas crianças pequenas e os seus deveres públicos, Kate não tinha nenhuma verdadeira razão para ver a última e mais glamorosa adição à sucessão de namoradas de Harry como uma potencial ameaça.
E no entanto, tal como quando o novo penteado da princesa Diana relegou a rainha para segundo plano na abertura do Parlamento, as comparações cada vez mais numerosas entre Meghan e Kate nos media – que qualificavam invariavelmente Kate de desinteressante e obediente – começaram a introduzir alguma tensão. A partir do momento em que a revista semanal mais popular de Inglaterra, a Hello!, chegou em peso ao palácio de Kensington numa semana de novembro de 2016, tornou-se claro que a narrativa estava a mudar. Na capa, Meghan era destacada como «A Beldade Que Conquistou o Coração do Príncipe», retratada numa fotografia deslumbrante e sedutora, com um ousado vestido sem alças. A imagem secundária mostrava a duquesa de Cambridge com o mesmo vestido de noite reluzente que o Daily Mail utilizara em tamanho grande por cima da história do Pornhub, desta vez reduzida a uma pequena caixa no canto superior direito.
Kate trabalhara arduamente durante muito tempo para alcançar o seu estatuto de ícone de estilo, apesar das inibições impostas pelos desmancha-prazeres do Palácio. A sua ascensão fora concomitante com a rejeição da alta-costura elitista pelos millennials, e ela passara a maior parte de uma década a usar roupas baratas elegantes, que incorporavam as suas opiniões pessoais e expressavam solidariedade com as mulheres trabalhadoras. Foram precisos cinco anos de casamento para que ela posasse para uma capa invulgarmente sóbria da Vogue britânica, usando apenas um casaco castanho de camurça da Burberry e um grande chapéu vintage dos que se veem entre a multidão do Cheltenham Horse Show. Vestiu umas collants, tanto literal como figurativamente, e sorriu para a imprensa com coragem e sem se queixar. As páginas interiores do artigo sobre Meghan na Vanity Fair não só a mostram sem collants, mas também descalça num vestido Carolina Herrera de tule com corpete sem alças. O mesmo se passou na sessão fotográfica diurna por ocasião do anúncio do noivado. Kate usara uma blusa creme simples da Whistles, de 125 libras, que reciclou dez anos mais tarde num vídeo para levantar a moral durante a pandemia, deixando os fãs encantados. A escolha de Meghan, aninhada contra Harry, recaiu sobre um longo vestido de noite Ralph & Russo preto com a parte de cima translúcida, que arrebatou a imprensa de moda. Ninguém se parecia importar com o facto de, supostamente, ter custado 75 mil dólares.
Era inevitável que Meghan fosse vista como a contrapartida moral e estética de Kate, mas o mais preocupante para a fação dos Cambridge eram as competências superiores de Meghan para se apresentar em público. Ela era uma atriz experiente, ao passo que Kate sempre fora uma oradora reticente. Em fevereiro de 2018, três meses antes do casamento, William, Kate, Harry e Meghan, os «Quatro Fabulosos» – como eram agora apelidados, de forma pouco original – fizeram a sua primeira aparição oficial conjunta para anunciar que Meghan se tornaria a quarta patrocinadora da Royal Foundation. «Só estou [no Reino Unido] há três meses», admitiu Meghan antes de monopolizar eloquentemente o tempo de antena. Com um jovial sentido de posse, recorreu a um tema que nem sequer se encontrava no rol de causas da fundação: o empoderamento das mulheres, que então se encontrava no seu fervoroso auge graças ao ímpeto do movimento #MeToo.
«As mulheres não precisam de encontrar uma voz. Elas têm uma voz. Elas precisam de sentir que têm o poder de a usar», exortou Meghan, usando frases citáveis, enquanto Harry assistia com admiração, e o irmão e Kate, com uma irritação inexpressiva. Quando chegou a vez de Kate falar, ela foi notavelmente menos articulada, além de breve. Poucos sabiam que fora ela – após anos a dar apoio emocional ao seu irmão mais novo, James, enquanto ele lutava com uma depressão clínica – a principal promotora da campanha da fundação para a saúde mental, cuidadosamente arquitetada com o aconselhamento de profissionais de saúde mental, peritos em políticas de saúde e assessores do Palácio. Agora, ali estava Meghan a defender uma causa na moda, sagrada por Hollywood e que certamente faria manchetes. Era uma dinâmica constrangedora. Mais tarde, decidiu-se que os Quatro Fabulosos não voltariam a subir ao palco como uma banda.
Na entrevista, Meghan prometera «entrar a matar», uma expressão que aterrorizou o Palácio, uma instituição de consenso prudente. Os funcionários da Firma já haviam visto o que isso significava. Estava a tornar-se rapidamente claro que Meghan não sabia – ou não queria saber – que a monarquia é hierárquica. Mesmo antes do noivado, ela parecia julgar que podia recorrer a todas as pessoas que trabalhavam no gabinete conjunto de William, Kate e Harry.
A ética de trabalho britânica é frustrante para qualquer americano alfa determinado a «entrar a matar». Os empresários transatlânticos ficam amiúde assombrados com a quantidade de sonolentas respostas automáticas «fora do escritório» que recebem do Reino Unido. Na década de 1980, quando já trabalhava há um ano como editora da Vanity Fair em Nova Iorque, escrevi no meu diário que temia «a chuva na voz» de certos colaboradores ingleses, que indicava que eu estava prestes a ouvir porque é que algo «simplesmente não é possível».
É certo que ainda há um contingente de debutantes inúteis empregados pelo Palácio que picam o ponto às dez e se arrastam até casa às cinco. Um ex-funcionário do Governo disse-me que muitas pessoas vindas do ritmo frenético do mundo da política ou da função pública passam uma temporada num emprego no Palácio para poderem despachar-se mais cedo do trabalho. Uma pessoa que alternava entre os dois comentou comigo: «Na cultura do Palácio, uma visita de duas horas a um centro comunitário é considerada um dia completo de trabalho, e há uma semana para falar sobre ela primeiro.»
Um veterano do Palácio explicou-me o mal-entendido:
Quando és uma atriz numa série de televisão na América, tens um certo número de funcionários pagos literalmente à hora para trabalharem para ti. Portanto, o teu gestor, o teu agente, o teu cabeleireiro, talvez o teu publicista, etcétera, estão lá para atender às tuas exigências sem as questionar. Por conseguinte, nunca estás errado, e tens exatamente tudo o que queres. São apenas horas cobráveis. Mas quando passas para uma situação em que tens funcionários a tempo inteiro que trabalham para uma instituição – o Palácio –, eles são empregados, não pessoal contratado, trabalham de acordo com um quadro de diretrizes. Há regras sobre aceitar presentes. Há regras sobre aceitar hospitalidade. Não porque simplesmente as inventamos, mas porque se trata de uma instituição pública. Podemos assumir que a transição provavelmente não foi fácil para a Meghan, e para alguém que é dos Estados Unidos, nada bem-vindo. E há o enorme choque cultural de «Bem, aqui estou eu, tornei-me muito mais famosa do que poderia ter imaginado»… E no entanto, a forma como a servem, na mente dela, não está à altura disso.
Aquilo que o pessoal do Palácio entendia como uma cegueira intencional à cultura institucional era uma colisão direta desta última com a mundividência de Meghan. No sistema de classificação do mundo do entretenimento, o poder de uma estrela mede-se pela sua influência. Ela não se estava a tornar um membro da família real para discutir, como a atriz menor que fora no passado, sobre o tamanho do seu pacote de regalias. Os atores de televisão bem-sucedidos só têm uma reação a qualquer tentativa de restringir as suas exigências: «Telefone ao meu agente.»
«Eles simplesmente não conseguiam lidar com o nível de franqueza da Meghan», explicou-me uma fonte do Palácio. Por outras palavras, perguntar «Porque é que aquele convite não foi enviado?» em vez de «Allegra, se não se importar, será que podia só verificar se aquele convite foi realmente enviado?».
«Suspeito que a Meghan estivesse a tentar ser ela própria, e a tentar que as coisas fossem feitas da maneira que ela aprendera no meio, e nos Estados Unidos», disse-me um dos executivos de Suits.
Ou ela não compreendia como conseguir que lhe fizessem as coisas de que precisava, ou julgava ter uma posição mais elevada do que tinha. Fosse como fosse, tenho a certeza de que, para onde quer que ela se virasse, esbarrava numa parede e simplesmente não sabia como lidar com isso. E passado algum tempo, quando se está constantemente a cometer erros, a delicadeza desaparece.
Harry, que sempre fizera pouco da hierarquia, era a última pessoa que lhe diria para ir com calma. Ambos estavam agora inebriados com a fantasia partilhada de que eram os instrumentos de uma transformação global, os quais, uma vez casados, operariam na estratosfera da fama outrora habitada pela princesa Diana. Meghan não podia, nem estava disposta, a esperar para lá chegar. Tinha trinta e seis anos. Aquela era a sua grande oportunidade. Infelizmente, ela parecia ignorar o fator crítico que determinaria o resultado dos seus planos para o futuro: a primogenitura. Nisto, telefonar ao seu agente não ajudaria.
No entanto, esta vetusta verdade institucional não poderia ser mais clara. A duquesa de Cambridge estava grávida pela terceira vez, fazendo com que o futuro marido de Meghan descesse ainda mais na linha de sucessão. Quando Kate se tornasse rainha, Meghan teria de lhe fazer vénias. Em termos da realeza, o príncipe Harry, segundo filho do príncipe de Gales, irmão do futuro rei que em breve teria três filhos, era, tal como Meghan em Suits, o sexto na folha de serviço.
Comentários