Constituída por cerca de 200 obras de múltiplas disciplinas artísticas, a mostra “Do tirar polo natural” é disposta, não cronologicamente, ou como uma antologia dos melhores retratos, nem tão pouco como uma tentativa de retratar Portugal através dos seus rostos, mas sim como um “ensaio”, explicou o diretor do Museu, numa apresentação aos jornalistas.
É uma reflexão sobre o que é um retrato, inspirada pelo primeiro tratado sobre a arte do retrato, escrito pelo pintor Francisco de Holanda e cujo título dá nome a esta exposição, "Do tirar polo natural".
Esta mostra é também “a vanguarda de um díptico, que terá para o ano a segunda parte, dedicada aos portugueses retratados pelos estrangeiros”, adiantou António Filipe Pimentel, diretor do Museu Nacional de Arte Antiga (MAAT).
Sobre a origem desta mostra, diz o diretor que tem “razões várias” para a sua realização, desde logo, o facto de os retratos serem uma das bandeiras do próprio museu.
Em segundo lugar, decorrem as comemorações dos 500 anos do nascimento de Francisco de Holanda, e este foi “o autor do primeiro tratado teórico sobre a arte do retrato, chamado exatamente 'Do tirar polo natural'”.
Assinalam-se ainda os 50 anos de “um episódio engraçado e sintomático”, quando, em 1967, o museu encomendou uma exposição ao historiador José-Augusto França, de tema livre, e para a qual ele próprio escolheu o retrato.
Esta exposição nunca se chegaria a realizar, por José-Augusto França ser “persona non grata” ao regime de ditadura, e o material por ele recolhido foi entregue ao museu, que o recusou, tendo daqui nascido o seu ensaio “O retrato na arte portuguesa”.
A questão de “como fazer”, agora, esta mostra, foi matéria entregue aos comissários da exposição, Anísio Franco, Filipa Oliveira e Paulo Pires do Vale, que a dividiram em três núcleos subordinados aos temas “afetos”, “identidade” e “poder”.
“Quando a questão do retrato em Portugal nos foi colocada pela direção do museu, o primeiro problema que surgiu foi a quantidade, a enormidade de peças que podíamos pôr. O professor França, quando fez ensaio, não se preocupou com quem faz o retrato e sim com a pessoa retratada. Uma questão imediata foi que tipo de exposição iríamos fazer: o retrato em Portugal por portugueses e os outros que vieram por necessidade juntar-se ao grupo dos artistas portugueses. E fizemos essa divisão, para já”, contou Anísio Franco.
A partir do inquérito, lançado numa página do Facebook, sobre retratos criados em Portugal, os curadores foram ver o que “havia em comum, nos núcleos que faziam” e “foi essa categorização que foi feita e dividida em três grandes momentos”, acrescentou.
“Criámos um ensaio a pensar o que é o retrato, em vez de fazer uma história da arte linear. Permite a qualquer pessoa pensar o que é o retrato e fazer uma reflexão futura sobre o que é o retrato”, detalhou Paulo Pires do Vale.
O primeiro núcleo é “do afetivo” e debruça-se sobre a “relação entre presença e ausência da pessoa, e o desejo de ter o retrato de alguém”, explicou.
Aqui é possível encontrar obras que refletem a proximidade entre o pintor e o retratado, como mostra um quadro em que Apeles pinta Campaspe, mulher de Alexandre o Grande, e se apaixona por ela, uma série de quadros sobre os detalhes dos rostos, entre os quais se contam obras de Adriano de Sousa Lopes e Amadeo de Souza Cardoso, e ainda retratos de família, nascidos do desejo de guardar as memórias dos antepassados.
É neste núcleo que se encontra uma obra da autoria de Alexandre Farto (Vhils), integrado num agrupamento de retratos sobre “as três idades” (gerações), de retratos de três moradores do bairro 6 de Maio, na Amadora.
Anísio Franco explica que o retrato da mãe de João Cutileiro, do qual sobressai o olhar, “remete para o trabalho de Vhils”, exposto mais ao fundo, que consiste numa parede de uma casa demolida, em que “esculpiu três olhares de três moradores”, e que são exemplos de três idades: uma das fundadoras do bairro, um homem de idade madura, que recolhe as memórias e tradições do local, e um jovem ativista.
O segundo núcleo é sobre a “identidade”, “pensar o retrato na relação com a identidade, como uma ficção e a procura de uma verdade, fica sempre entre [ambas]”, no qual um dos quadros mais significativos é um autorretrato de Aurélia de Souza como Santo António, ou o de Maria de Lourdes Mello e Castro, no qual se retrata como Nossa Senhora de Lourdes, mas descalça e com as unhas dos pés pintadas de vermelho.
Anísio Franco destaca ainda um outro quadro de Aurélia de Souza, no qual a pintora se retrata “de forma cruel”, porque “era uma mulher atormentada”, e que constitui “o melhor retrato da pintura portuguesa e um dos melhores autorretratos do mundo”.
O terceiro núcleo é sobre o “poder”, sobre a força e a fragilidade que revela, abrindo com um retrato do entronamento de D. José, junto da família, e com um carro triunfal ao fundo, por detrás de uma janela, pintado por Vieira Lusitano.
Esta pintura remete para o quadro imediatamente ao lado, de Joaquim Manuel da Rocha, de um carro triunfal, no qual se encena um casamento entre dois anões, rodeados por outros anões, quase todos de raça negra, que eram colecionados por D. Maria.
Vários autorretratos de D. João VI, fotos de Eduardo Gageiro e Alfredo Cunha sobre o 25 de Abril, um busto de Rui Chafes, que vai ser exibido pela primeira vez, e um conjunto de retratos inacabados são outras das obras que completam o núcleo.
Entre os pintores reunidos nesta mostra, contam-se ainda nomes como Alexandre O’Neill, Columbano Bordalo Pinheiro, Constança Machado, Vasco Araújo, Julião Sarmento, Júlio Pomar, Fernando Lemos, Maria Helena Vieira da Silva, Mário Botas, José Malhoa e, entre outros, do grupo KWY, que contou com os portugueses Lourdes Castro, René Bertholo, António Costa Pinheiro, João Vieira, José Escada e Gonçalo Duarte.
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