Katy Perry já teria uma tarefa complicada pela frente mesmo antes de saber o desfecho do jogo entre Portugal e o Uruguai, que ditou a eliminação da equipa lusa do Campeonato Mundial de Futebol. Primeiro, porque atuar no último dia de qualquer festival cria naturalmente uma expectativa maior: conseguiria ela superar os concertos dados pelos seus colegas de profissão em dias anteriores? Seria dela a consagração final, o corolário de um festival que, mais do que de música, é sobre espetáculo e pompa? Segundo, porque a depressão coletiva que se instalou após o final do jogo não deu azo a grandes demonstrações de afeto ou alegria – somos, no fim de contas, uma nação futebolística. Sofremos com o desporto-rei como poucos. Se a equipa perde, que interessa o resto do mundo? Nada, absolutamente nada.
A cantora, que ainda arriscou um par de palavras num português de sotaque italo-americano (o seu sangue açoriano não se traduziu na aprendizagem da língua), procurou fazer esquecer esses 90 minutos de amargura com um concerto onde a bizarria andou de mãos dadas com a pop mais descomplexada. Ao longo das quase duas horas em que mergulhámos neste Estranho Mundo de Gumball, perdão, de Perry, passaram, pelo palco, homens com cabeça de televisão, bolas de basquetebol, um tubarão triste e fofinho e uma vespa gigante, a dar cor e movimento às canções que Perry ia entoando. Se é que as entoou a todas do início ao fim; a dada altura, o seu microfone dá de si e tem de ser a backtrack a salvar o dia...
Primeiro, houve o ruído, uma voz andróide, mensagens pela liberdade em geral e um olho celeste observando tudo de cima, sem intervir; depois, entra a banda, o fumo sobe e apodera-se do palco e escutam-se os primeiros segundos de 'Witness', tema que dá o título ao último álbum de Katy Perry, que finalmente entra, não montada numa estrela (como tem acontecido nos concertos desta sua nova digressão), mas a partir dos bastidores, vestida como um C-3PO de uma longínqua Guerra das Estrelas – lembrou, com o seu futurismo épico, uma outra robô de seu nome Janelle Monáe.
Robô, sim, porque tudo neste espetáculo é detalhado ao pormenor e funciona de forma metronómica – cada entrada, cada pico de volume, cada ritmo, cada melodia, cada mensagem dirigida à audiência, cada momento pirotécnico. A única coisa que Katy Perry não é capaz de controlar é a resposta do seu público, que só deu verdadeiramente sinais de ali estar com os êxitos mais antigos: 'Hot N Cold', primeiro, 'I Kissed a Girl', logo a seguir, com a cantora a pedir uma bandeira arco-íris a um fã e enrolando-a em torno do pescoço, lembrando que este é o último dia do mês do orgulho LGBTQ.
De resto, os muitos presentes revelaram-se algo mortiços, talvez ainda a pensar no falhanço de Bernardo Silva com a baliza escancarada, talvez esperando algo mais do regresso de Katy Perry a Portugal, sete anos após a sua última passagem por cá. De êxito em êxito, a cantora foi levando água ao seu moinho: 'Wide Awake', balada pop acústica, quase parece 'Wonderwall', dos Oasis; 'Into Me You See' encontra a cantora a correr corredor acima apenas para cumprimentar um fã; 'Power' é dedicada a “todos os revolucionários”, se é que os há num festival onde é o capital quem fala mais alto; o famoso Pac-man (a personagem do videojogo, não o ex-Da Weasel) preenche os ecrãs de palco em 'Part Of Me'; e 'Firework', uma balada pegajosa que depois se transforma em electropop pura, dá por terminado o concerto com o fogo que lhe dá nome a iluminar o Palco Mundo. Não foi uma boa exibição, mas Katy Perry ganhou o jogo. E são os resultados que ficam para a história.
Se a tarefa de Perry era inglória, o que dizer da de Jessie J, que subiu ao palco principal do Rock in Rio-Lisboa poucos minutos após o apito final em Sochi, na Rússia? A britânica foi, no entanto, mais esperta que a sua congénere norte-americana, apresentando-se em palco com a bandeira portuguesa ao alto, espoletando de imediato uma daquelas demonstrações de patriotismo típicas de um festival de música: se artista x tiver consigo um símbolo de Portugal ou falar uma palavra que seja em português merece, imediatamente, todo o nosso respeito. Foi o que aconteceu, mas talvez a cantora não precisasse da bandeira para ser respeitada. Porque a sua presença neste festival foi como a de um cometa apenas visível a olho nu de 80 em 80 anos: primeiro, porque sabe cantar (e como sabe!), segundo, porque a sua banda sabe tocar (e como toca!) e terceiro, porque tem um sentido de humor apuradíssimo (chamem-lhe wit).
De regresso a Portugal para apresentar os temas de “R.O.S.E.”, o seu último álbum editado há apenas algumas semanas, Jessie J conquistou os presentes, incluindo todos aqueles que não costumam encontrar qualquer porto de abrigo na pop (nomeadamente os que clamam por “autenticidade” ou acham que é tudo playback). Fez air guitar na companhia do seu guitarrista (o brasileiro Mateus, que tinha um aspeto inconfundível de metaleiro nas horas vagas), surpreendeu-se com a quantidade de pessoas no recinto, divertiu-se à grande com quem experimentou o slide durante o concerto e procurou fazer com que todos saíssem dali felizes. Diz ela que há quem lhe garanta que a cantora lhes salvou a vida. Diz também ela que não: foram essas pessoas que se salvaram e ela foi “só” a banda-sonora. Bonito.
Antes de Edson Cavani decidir atirar Portugal para fora do Mundial com dois golos em dois remates à baliza de Rui Patrício, alimentando durante algumas horas o ódio de mais de 50 mil pessoas no Rock in Rio e de outras 10 milhões no resto do país, o palco foi de Ivete Sangalo. A artista brasileira, que é já um ícone do festival, mostrou o de sempre: funkalhada, confettis, saltos muitos e poeira levantada, antes de regressar aos bastidores para “dar peitinho” ao filho mais novo, que a aguardava ansiosamente. Não será necessário dizer que foi um concerto enérgico; Ivete é sempre assim.
Só não sabíamos como seria Hailee Steinfeld, atriz de Hollywood tornada cantora, que se estreou em Portugal esta tarde. Conhecida por muitos como “a miúda do 'Indomável'” e por tantos outros como “quem?”, Steinfeld mostrou uma pop dançável e banal que certamente somará milhões de escutas no Spotify, porque a canalha não gosta de sair da sua zona de conforto no que à música diz respeito. Ela entusiasmou-se por estar no nosso país, nós entusiasmámo-nos quando acabou o concerto.
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