The Big Door Prize (Apple TV+)
Comecemos por aquela que dá título a este artigo. Baseada no bestseller de M.O. Walsh, "The Big Door Prize" é uma série de comédia criada por David West Read (trabalhou como argumentista e produtor em "Schitt's Creek") que revela como uma máquina tipo Photo Booth mudou a vida de uma comunidade inteira de uma pacata cidade do Louisiana. Porém, seja feita a devida referência: esta não é uma máquina qualquer. A troco da nossa impressão digital e o nosso número de segurança social, diz-nos o nosso propósito de vida. Ou seja, revela qual é o nosso verdadeiro potencial.
Só a sinopse por si faz pensar — e é suficiente para deixar qualquer um intrigado. E se fosse connosco? E se de súbito, na nossa vida, houvesse maneira de sabermos qual era o nosso propósito? Iríamos querer saber? Ou aceitávamos simplesmente a que temos sem pensar muito nisso? A premissa que estamos a discutir é precisamente esta: há uma máquina que cospe um cartãozinho (com uma profissão ou vocação) e nos obriga a perguntar quem realmente somos e se estamos satisfeitos com a resposta a essa pergunta.
No mundo real, é mais ou menos fácil assumir que as respostas e sentimentos em relação a isto iriam variar consoante a quem se fizesse essa questão. Na série, sabemos ao certo o que isto provoca a Dusty Hubbard (Chris O'Dowd, ator irlandês com um sentido e timing cómico tremendo, que adorei ver em "It Crowd" e em "State of the Union"), um homem de família aparentemente satisfeito e alegre com a sua vida de professor no liceu local... até ser obrigado a colocar em causa tudo o que julgava acreditar porque todos à sua volta reavaliaram as suas escolhas com base nas revelações da máquina.
No fundo, Dusty é forçado a questionar se realmente é tão feliz como pensava que era. É que de início, o descontraído professor que vai de trotinete para a escola não sente qualquer necessidade em passar pelo crivo da máquina. Mas como a comunidade à sua volta não pensa como ele e a maioria dos concidadãos de Deerfield começa a fazer mudanças de vida drásticas em busca de um futuro melhor, caminhando em direção ao que acreditam ser o seu verdadeiro propósito de vida, Dusty fica num impasse existencial: deve seguir a manada e ceder à curiosidade providenciada pela máquina ou mantém-se sereno e confiante com as decisões que tomou ao longo da vida?
"A Grande Onda da Nazaré" (HBO Max)
Esta onda é gigante, mas não é só para surfistas. É uma série documental com um boa história (e bem contada), uma fotografia espetacular (venceu o Emmy na categoria), em que os envolvidos são profissionais de topo (Philip Glass é o compositor de serviço e um dos produtores-executivos é Joe Lewis, rapaz a quem só falta um Óscar para chegar ao status de EGOT - alguém que já ganhou um Óscar, Emmy, Grammy e Tony).
Além disso, é realizada por Chris Smith, que entre outras coisas, é responsável por dois documentários que a maioria dos subscritores da Netflix provavelmente já viu: "Fyre" (o do festival) e "Tiger King". É também o autor de um mais recente (e bem melhor): "Sr.", sobre o Robert Downey original e o pai do famoso Iron Man. Relativamente a Smith, Downey Jr. foi peremptório: é "indiscutivelmente o maior documentarista da atualidade". Eu não chegaria a tanto, mas Robert Downey Jr. é o Robert Downey Jr. e eu não vou torcer aqui a sua palavra.
Sobre o que a série (que na verdade era para ser um filme) explora e relata, a maioria de nós já o leu ou viu na imprensa nacional na última década: chegou à atenção de Garrett McNamara, um consagrado surfista de ondas gigantes, que numa pequena vila piscatória portuguesa chamada Nazaré há um dos maiores canhões submarinos do mundo (um buraco gigante, vá) a originar ondas de 30 metros, que à vista desarmada e do ângulo errado, parecem ameaçar rebentar com um Farol ali perto. E ele, McNamara, tem o sonho de as surfar.
O trunfo de "A Grande Onda da Nazaré", pelo menos em relação ao que já saiu nos jornais, é a perspetiva única de como esse sonho de surfar uma monstruosidade do tamanho de um prédio de 10 andares transformou uma pequena vila que vivia do verão num oásis para surfistas (de ondas gigantes) do mundo inteiro. Há claramente um antes e depois da chegada do norte-americano, que mudou a vida de muita gente. E Smith, embora dê destaque a McNamara, tem a preocupação de mostrar e contar a história da vila e de mostrar as suas gentes, de contar que McNamara não chegou à Nazaré sozinho (não fosse a insistência de um português e hoje não estávamos aqui falar disto) ou, de que sem a preciosa ajuda de vários atores locais, as motas de água não saíam do porto de abrigo para ajudar os artistas na Praia do Norte.
A série, claro, não é portuguesa. Mas o sentimento que fica, no final de cada episódio, pelo menos para mim, é que é quase como se fosse — é que a Nazaré é tão ou mais personagem principal do que qualquer outro surfista renomeado que lá aparece. E dá pena que, tendo isso conta, talvez por não ser de futebol, não goze da popularidade por cá de outras séries documentais do género (estou a pensar em "Sunderland Till I Die"). Porque a nível técnico e de qualidade, nada lhes deve — e ainda mostra ao mundo algo que só há aqui.
A 1.ª temporada está completa, e conta mais ou menos o que aqui descrevi. É o início do fenómeno, a descoberta, a novidade e os primeiros recordes mundiais na Era Pré-Aparato. Já a 2.ª, que estreou a 16 de abril, é o depois, nos Pós-Aparato, já com a popularidade do sítio em alta, multidões e demasiadas motas de água a batalhar por espaço, contando um passado recente (por exemplo, até explora o episódio em que a pandemia levou "30 mil pessoas ao penhasco" e parou o surf).
- PS: nesta nova temporada, o foco aponta para uma promessa lusa das ondas gigantes (força, Tony!) e a quem devemos um bocado de atenção porque não tarda pode estar a colocar o nome de Portugal nas bocas do mundo.
- Ao jeito do que acontece com outras séries da HBO, esta também tem um podcast oficial. A anfitriã é a Nicole McNamara, a mulher de Garrett, que semanalmente abre o jogo dos bastidores a cada episódio.
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