Em "When We Are in Need", o Episódio 8, um novo vilão captura Ellie e vemos que Joel está, ainda que com bastante sofrimento, a recuperar dos ferimentos — graças a Ellie, que conseguiu arranjar "um medicamento para infeções" durante uma saída à procura de mantimentos. Ou seja, pela ordem natural das coisas, o espetador podia pensar que Joel ia varrer meio mundo, matar o bandido e salvar a frágil Ellie, de modo a seguirem a sua jornada como até aqui. Mas não. Não é isso que acontece. De todo.
Como explicaram os criadores da série, esse não era o caminho desejado. Este é um episódio sobre privação, escassez, em que a falta de comida e as condições extremas podem levar as pessoas... a ser pouco pessoas. Sem alimento, o instinto de sobrevivência entra em ação e o lado humano acaba por ficar em segundo plano. E, pior, existe por aí gente menos boa que se vai aproveitar disso.
É o caso de David, o líder de uma comunidade que vive num ex-resort chamado Silver Lake e que se cruza no caminho de Ellie, enquanto esta caçava no meio da neve e Joel recuperava na garagem. Numa vida passada, David era professor de Matemática. Nesta, é alguém que diz ter encontrado "Deus no Apocalipse" e que "só tenta cuidar de quem depende de mim".
- Neste episódio, há que destacar também a personagem de James aka "Buddy Boy", o braço-direito de David, que é interpretado por Troy Baker, o Joel original. São ambas personagens-chave tanto na série como no primeiro jogo, uma vez que são os principais elos de ligação entre Ellie e a comunidade.
No início, quando Ellie e David se conhecem, David parece ser uma pessoa afável, serena, honesta. Alguém que estava genuinamente a ajudar uma comunidade que precisava de alguém que a liderasse. Mas bem cedo no episódio percebemos que as coisas não são bem assim e que o grupo de sobreviventes, na verdade, segue uma das piores pessoas com quem Ellie já se cruzou desde o Episódio 1. Alguém extremamente manipulador, calculista, moralmente depravado, e que olha para o cordyceps, o fungo que levou ao apocalipse, como uma coisa boa e que repõe natural. Alguém que alimenta a sua comunidade com os corpos dos mortos — sem pejo de remorso. Um vilão no verdadeiro sentido do termo. Alguém impossível de se humanizar ou gostar.
David - interpretado por um incrível Scott Sheperd, que conseguiu rivalizar ou até melhorar uma personagem mais aterradora do que qualquer infetado - é um vilão muito bem escrito porque regela tanto a Ellie na série como o espetador no sofá. Pelo que diz e fez ao longo do episódio, mas essencialmente por causa de uma acusação (dura, inesperada) que faz durante o confronto verbal entre ele e Ellie.
"És uma líder natural. És leal, inteligente, violenta. Tens um coração violento como o meu".
É uma frase que não está no jogo, mas que o próprio Craig Mazin, o co-criador da série, diz ser verdadeira e necessária. Porquê? Porque diz que por muito que gostemos de Ellie, "também temos de ter um pouco de medo dela". Antes do final, percebemos que a história completou o seu círculo. Ellie já não é só uma menina que precisa da figura parental para sobreviver, é alguém que se já se aguenta por si só. Assim como a este ponto a ordem da dependência é diferente. Joel agora depende tanto de Ellie como Ellie depende Joel.
Mas falar neste episódio é falar obrigatoriamente no desempenho de Bella Ramsey. Como não ficar boquiaberto com aquele grito animalesco e completamente insano durante a brutal retaliação (plenamente justificável!) em que mata David com um cutelo? É de uma violência extrema, mas fica difícil de não admirar o seu talento. Obviamente, Pedro Pascal também tem o seu momento de brilhantismo "na cena do interrogatório" em que Joel vira maníaco - aquela pujança toda do homem veio do amor tipo pai-filha e pelo receio de perder a Ellie, não vamos cá atribuir o vigor-estilo-John Wick à penicilina - mas Bella Ramsey, neste episódio, está noutro nível. É pivotal para arco narrativo da sua personagem e, nossa, se ela dá tudo o que tem, pois atinge vários e complexos estágios emocionais em apenas uma hora.
Vemo-la a fazer piadas no meio do medo ("Então, passaste de professor a pregador, porquê? Porque rima?"), a sentir choque (quando David diz que ela tem um coração violento) e alívio (quando consegue negociar penicilina para Joel), vemo-la em pleno pranto de raiva e fúria (quando confronta David no meio do fogo) e a quebrar emocionalmente de tal maneira que parece que a própria alma lhe sai do corpo (depois de matar David). Conseguir expressar tanto sentimento e emoção é obra. E fazê-lo com apenas 19 anos, deixa-nos a pensar até onde é que pode ir enquanto atriz.
Por fim, já no exterior e depois de Ellie sair do restaurante em chamas e de Ramsey e Pascal trocarem um olhar que nos faz esquecer que tudo isto é representação e a fingir, temos aquele momento no episódio que faz ceder e quebrar até o maior coração de pedra: aquele em que, ao fim de 20 anos e com Ellie nos braços, Joel volta a tentar a acalmar alguém com um "Está tudo bem, Baby girl" — exatamente como fez com Sarah, a filha biológica, no primeiro episódio.
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