Contudo, esta política de rosto rapidamente se confunde com a política de ego, muito pouco produtiva. Se ainda vier conjugada com a visão clubística que tem transformado os partidos em claques agressivas com testemunhos de ódio, temos estes processos eleitorais transformados em arraiais de fraca qualidade. Nestes casos, não há lugar para um projeto nem para uma visão ideológica.
As táticas para a constituição das equipas concorrentes são óbvias mas escasseiam recursos humanos aos partidos para conseguirem compor equipas de qualidade, isto é, que consigam enfrentar o enorme desígnio que é a gestão de um concelho. Não nos podemos esquecer que as 4 ou 5 pessoas eleitas terão que pensar um concelho em dimensões tão díspares como o planeamento urbanístico, obras e saneamento, ambiente e limpeza, cultura, educação, financiamentos e candidaturas europeias, mobilidade, envelhecimento, atratividade do território, turismo, saúde... Por mais técnicos que os municípios possam ter, não é tarefa fácil. Por isso, estranho que nos programas eleitorais — e falo de, pelo menos, 16 municípios com os quais, por motivos profissionais, tenho um contacto regular — não existam projectos globais e estratégicos mas antes apenas um punhado de medidas concretas e pontuais.
Neste sentido, e uma vez que o desafio apresentado era o de falar sobre a minha terra, falarei de Tomar. Não habito em permanência em Tomar há 16 anos mas tenho uma relação de proximidade, através de várias atividades cívicas e profissionais que desenvolvo no território do Concelho. Esta distância também me desperta um olhar externo sobre a sua realidade e posso afirmar que existem poucas cidades em Portugal com o potencial patrimonial de Tomar. Digo potencial porque, apesar de existir há muito, está ainda sub-aproveitado.
Muitos são os os caminhos possíveis para enquadrar e para tornar mais eficiente este potencial. A história de Tomar tem estado intimamente ligada a alguns períodos históricos e simbólicos como o dos Templários e da Ordem de Cristo. Contudo, considero que se deve ir mais além neste trabalho, com a promoção do eixo da espiritualidade, que poderá constituir uma âncora para agregar várias narrativas históricas e culturais de Tomar. Aqui se encaixaria ainda o Convento de Cristo e o Castelo dos Templários mas também a Sinagoga, a Igreja Matriz das Descobertas - Sta. Maria do Olival, a Festa dos Tabuleiros (em honra do Espírito Santo) a Feira de Sta. Iria, a presença árabe ainda pouco conhecida e todos os restantes templos, eventos e áreas que resultam da aculturação de Tomar (já para não falar da proximidade ao Santuário de Fátima).
Com este olhar mais abrangente, conseguiríamos criar um contexto baseado nos princípios multi-culturais de tolerância e criar um discurso importante com força internacional, alicerçado no património local. Terá efeitos importantes para o conhecimento e desenvolvimento local, para a sua economia, para a atratividade do território e para um discurso atual e contemporâneo.
A esta visão mais simbólica podemos juntar facilmente uma visão mais lata do concelho. Os monumentos estão ligados a roteiros como os religiosos Caminhos de Santiago e de Fátima, ou a romarias e festas com ligação a especialidades gastronómicas, artesanato e ofícios, que podem, facilmente, criar dinâmicas de permanência no concelho. Com estes pressupostos, consegue-se criar um projecto consistente, de maior abrangência, que ajudaria também a iniciativa privada a criar uma oferta turística séria e contínua no tempo. Claro que ao património imaterial, que parte da realidade edificada, juntamos os rios e praias fluviais, as matas e jardins.
Com este olhar sobre o território conseguimos juntar outro raciocínio, associado à importância da música para o concelho. Com um claro destaque para o BONS SONS, o evento que atualmente mais refresca a imagem de Tomar (apesar de eu ser suspeito, não há como negá-lo), que está associado a um dos tomarenses mais ilustres, Fernando Lopes-Graça, compositor central na história da música em Portugal. A música estende-se também às escolas de formação musical de Tomar, à tradição de música de câmara do Convento de Cristo e aos festivais Tomarimbando, Fanfarrão e Por Estas Bandas, por exemplo. A música já tem a sua presença, falta só oficializar-lhe o lugar em Tomar.
Espiritualidade e música, sumariando, são dois conceitos importantes em Tomar. Em conjunto podem alavancar a industria turística de Tomar, de uma forma perene, credível e importante, na área do turismo cultural. Criam-se postos de trabalho diversificando a oferta e os serviços do concelho, aumentando oferta cultural. Criam-se novos vínculos e relações com o território, devolvendo os monumentos à cidade e aumentando o sentimento de pertença dos seus cidadãos. Estas dinâmicas deverão acionar as associações locais e respectivos grupos de jovens e seniores, bem como as instituições de todos os graus de ensino, do pré-escolar ao superior. Todas as dimensões apresentadas no início do texto podem ser ativadas trazendo para este projeto as dimensões sociais e educacionais que lhe são devidas.
Este é apenas uma pequena ideia estratégica que parece faltar aos programas eleitorais, que evidencia o potencial turístico de um dos mais belos concelhos de Portugal, que apenas necessita de um discurso agregador para conseguir passar do potencial a uma prática eficiente. Um turismo sem conceito é um turismo sem alma e com pouco valor acrescentado. Tomar pode recuperar o tempo perdido e não tem razões para não ser um dos trunfos nacionais para o novo posicionamento internacional de Portugal.
Luís Ferreira nasceu em 1983. Formado em Design Industrial (ESAD.CR, 2006), director do 23 Milhas, projecto que agrega os quatro espaços culturais do município de Ílhavo e restantes eventos culturais. Paralelamente, é comissário da cultura, na Comunidade Interurbana do Médio Tejo, com destaque para o projecto intermunicipal Caminhos. É fundador e director artístico do BONS SONS, que nasce em Cem Soldos, em 2006, com uma programação dedicada à música portuguesa.
A Minha Terra é uma rubrica especial do SAPO 24 em que várias pessoas são convidadas a falar da sua terra, "à boleia" das eleições autárquicas do próximo dia 1 de outubro de 2017.
Foto de destaque: Filipe Cartaxo Photography
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