Quando em 2020 o Festival foi para o ar, Portugal ainda não tinha nenhum caso confirmado por Covid-19. Tudo decorreu sem problemas, sem máscaras e demais cuidados. Mas Elisa, a vencedora, acabaria por não defender "Medo de Sentir" na Eurovisão — cancelada por decisão da EBU (União Europeia de Radiodifusão).
Os portugueses ainda não tinham ido para casa quando falámos com a jovem madeirense. "Acho que só quando estiver em Roterdão é que me vai cair a ficha", dizia-nos, manifestando a vontade de voltar a ter Marta Carvalho (que assina o tema) em palco consigo.
Agora, tudo é diferente. Muito diferente. Em 57 anos de história, este foi o primeiro Festival da Canção sem público — não se confunda, apesar desta ser a 55.ª edição, por três ocasiões (2002, 2013 e 2016) a RTP decidiu não realizar o concurso.
A outra diferença está no número das atuações nas semifinais. Em vez das habituais oito canções, este ano foram dez os temas a desfilar pelo palco — mais vazio do que o habitual. E, ao contrário dos famosos "postais" de apresentação dos intérpretes (normalmente filmados de norte a sul do país), a estação convidou quem melhor os conhece (fãs, amigos e família) para lançar as atuações. Uma boa aposta, que poderá vir para ficar.
Do fado à música eletrónica, numa semifinal onde apenas um dos temas não é cantado totalmente em português ("Love is on my side", The Black Mamba), a diversidade voltou a ser palavra de ordem.
E comecemos por aí. Foi exactamente o tema cantado por Tatanka que abriu a noite. Seguiu-se, por ordem de apresentação: “Na mais profunda saudade" (Valéria), “Claro como Água” (Mema), “Cheguei Aqui” (Nadine), “Girassol” (Miguel Marôco), “Dia Lindo” (Fábia Maia), “Livros” (Irma), “Saudade” (Karetus e Romeu Bairos), “Contramão” (Sara Afonso) e “Mundo” (Ian).
Desde que os temas passaram a ser conhecidos, semanas antes das semifinais, que as galas parecem ser uma maratona até ao televoto: atuações rápidas com interrupções para ponto de situação na green room, a cargo de Inês Lopes Gonçalves. Perdido o efeito surpresa, ganham os temas que conseguem evoluir da versão de estúdio. São bons exemplos disso os temas de Nadine e Sara Afonso, perderam ao vivo as canções de Irma, dos Karetus & Romeu Bairos (com um palco a piscar o olho à Eurovisão) e IAN.
E por falar em IAN, a indumentária da violinista da Orquestra Sinfónica da Casa da Música, no Porto, gerou alguma curiosidade. Além das comparações a SIA ou Lady Gaga, pelo cabelo, a falsa (?) barriga de grávida, que foi crescendo ao longo da atuação, foi um do temas mais comentados nas redes sociais. "Foi uma metáfora", explicou ainda antes de serem conhecidos os finalistas.
Quem vai à final e uma música que vive além do Festival
As cinco canções mais votadas e apuradas para a final são: "Na Mais Profunda Saudade" (Valéria), "Saudade" (Karetus & Romeu Bairos), "Love is on my side" (The Black Mamba), "Dia Lindo" (Fábia Maia) e "Contramão" (Sara Afonso). Os finalistas foram revelados por ordem aleatória, como manda as regras.
Recorde-se que nas semifinais o peso das votações será repartido entre os telespectadores e um júri cujos elementos - os cantores Marta Carvalho, NBC, Paulo de Carvalho e Rita Guerra, a fotógrafa Rita Carmo e a radialista Vanessa Augusto - foram escolhidos pela RTP.
Não apurada, "Girassol", de Miguel Marôco, fica no radar de quem, com o Festival, descobriu o nome do jovem músico, um dos dois autores apurados pelo concurso de livre submissão. O compositor, que concilia o mestrado em Matemática na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa com o papel de Baixo no quarteto Barbershop “Contratempo”, de acordo com a sua biografia, tem margem para surpreender.
O Festival nas redes
Durante a gala demos um pulo ao Twitter, rede social por excelência de comentário entre 'festivaleiros', para medir o pulso ao Festival. As reações são várias, umas mais críticas, outras mais saudosistas. Eis algumas:
- "Lembram-se de há uns anos que as pessoas só comentavam o Festival da Canção para dizer mal e gozar? Tão bom ver uma timeline recheada de elogios e genuíno interesse" - @ricardojsilvar
- "Temos de concordar que há muito mais qualidade neste festival da canção do que no anterior" - @Beadav2204
- "Eu juro que não entendo porque é que as atuações são todas a correr umas atrás das outras!" - @JohnGrandson
- "Metade das músicas apresentadas e acho que ninguém pensou que, se ganhar, irá à Eurovisão!! " - @fabioaraujolima
- "Já apanhei uma série de tweets de malta indignada por ouvir canções um inglês no Festival da Canção. Será que compreendem que a mensagem é mais importante que o mensageiro?!" - @goncalocastro
- "Ver a Elisa a ganhar o FC e a seguir meterem vídeos de ambulâncias e ruas vazias está a mexer comigo... quase um ano depois e não consigo deixar de pensar no "e se..."" - @escfeelings
- "O pessoal anda a abusar nos anos 80 nos looks! Os cabelos, os blazers, os materiais, por favor! Alguma inovação" - @libferreira
Dora e um regresso a 1986
“Não sejas mau pra mim, oh oh oh oh
Eu só te quero a ti, oh oh oh oh”
Estamos em 1986. Portugal adere à União Europeia, Soares é fixe e é ele quem ganha as eleições presidenciais ao vencer Freitas do Amaral. Rui Veloso lança o “Rock da Liberdade” e o disco homónimo, que conta com temas como “Porto Côvo” e “Porto Sentido”. Os GNR cantam os “Pós Modernos” e editam “Psicopátria”; os Xutos e Pontapés gravam “O Circo de Feras” e têm a carga pronta e metida nos contentores. Já os Madredeus ‘encontram’ a sua voz em Teresa Salgueiro e as Doce ‘queimam’ os seus últimos cartuxos, com a edição de uma compilação, antes de anunciarem o fim.
No Festival da Canção a música era outra. A RTP experimentou um novo modelo, que intitulou de “Uma canção para a Noruega”. O nome foi buscar a inspiração a “Uma Canção para a Europa”, dez anos antes editado por Carlos do Carmo com todas as canções que cantou para o festival, entre elas a que levou à Eurovisão ("Uma flor de verde pinho").
Neste ano, o concurso não foi aberto a novos autores. A estação pública incumbiu os quatro centros de produção – Lisboa, Porto, Madeira e Açores – de escolherem três canções e três intérpretes para a grande noite.
Os intérpretes a concurso seriam o grupo Rimanço, Carlos Alberto Moniz, Luís Bettencourt, Luís Filipe, Paulo Ferraz, Sérgio Borges, Rui Veloso, os Trabalhadores do Comércio, Gabriela Schaff, Lara Li, Dora e Fátima Padinha. Por questões de saúde (problemas nas cordas vocais), e à última hora, Rui Veloso foi substituído pela Né Ladeiras.
Com “Não Sejas Mau Para Mim”, Dora sagrou-se a grande vencera e representou Portugal em Berga, onde arrancou um 14.º lugar — com a versão internacional do single, que inclui os temas "You're Hurting Me" e "This Will Be The Last Time”.
A entrada na música deu-se quando uma amiga da família a incentivou a participar no concurso de apuramento da Cinderela portuguesa, promovido pelo programa Clube Amigos Disney. Não ganhou o concurso, mas Guilherme Inês, Zé da Ponte e Luís Oliveira (os responsáveis pela seleção das candidatas), segundo a imprensa, ficaram deslumbrados com a concorrente e convidaram-na para defender o tema no Festival da Canção.
Dora Maria Reis Dias de Jesus, nome completo, ainda editou, nesse ano, os singles “Easy/Seventeen e "Our Love”. "Nunca fiz nada para ser cantora, sempre quis ser bailarina", confessou, recentemente, a um programa do 'day-time'.
Em julho de 1987 é lançado o single "Já Dei" (com letra de Mário Zambujal) e que incluía no lado B uma versão em inglês desse tema. Colabora com os Onda Choc no tema "Ser Artista Não É Fácil", versão de um sucesso de Kim Wilde, e no ano seguinte vence o 1º Prémio Nacional de Música, realizado no Casino Peninsular da Figueira da Foz, com o tema "Déjà Vu" (com o qual regressa ao Festival da Canção).
A menina das botas — uma das suas imagens de marca — ainda tentou uma carreira internacional e abandonou o nosso país rumo ao Brasil, onde permaneceu uma década. Regressa no início do milénio, assina um dos temas da banda sonora da novela "Lusitânia Paixão", mas afasta-se dos holofotes.
Depois de regressar ao ativo na segunda edição de "A Tua Cara Não me é Estranha", em 2013, Dora aceitou o convite para se despir para a edição portuguesa da Playboy. "Aceitei o convite porque quis mostrar que a beleza e a sensualidade são transversais a todas as idades. (...) As mulheres já não estão limitadas à idade. Além disso, não sou uma mulher idosa", contou ao Correio da Manhã à data.
35 anos depois de ter pisado o palco do Festival da Canção, Dora voltou para recordar "a experiência de uma vida".
Rumo à Eurovisão. Segunda semifinal escolhe outros cinco finalistas
Na segunda semifinal, no próximo sábado, 27 de fevereiro, irão competir: “Por um triz” (Carolina Deslandes), “I got music” (Da Chick), “Joana do Mar” (Joana Alegre), “A vida sem acontecer” (João Vieira/Graciela), “Dancing in the stars” (Neev), “Volte-Face” (Pedro da Linha/Eu.Clides), “Não vou ficar” (Pedro Gonçalves), “Jasmim” (Tainá), “Mundo Melhor” (Virgul/Ariana) e “Com um abraço” (Viviane/Ana Tereza).
Dos 20 compositores participantes na edição deste ano, 18 foram convidados pela RTP e os outros dois (Marôco e Pedro Gonçalves) selecionados através da livre submissão de canções.
A final está marcada para o dia 6 de março e, ao contrário da últimas edições, irá acontecer em estúdio e sem público, devido à pandemia da covid-19.
Em 2021, não há risco de o concurso, que reúne representantes de 41 países, não acontecer, visto que os concorrentes vão gravar as atuações nos seus países.
“Com a Eurovisão 2021 a aproximar-se, podemos agora revelar que todos os participantes terão garantido o direito de participar na competição. Cada país irá criar uma gravação ‘ao vivo’ antes do concurso, que poderá ser usada caso o concorrente não possa viajar para Roterdão devido à pandemia, ou no caso de, já nos Países Baixos, ter de ficar em quarentena”, refere a organização num comunicado divulgado a 18 de novembro do ano passado no 'site' oficial do Festival Eurovisão da Canção.
A 65.ª edição do concurso, que se realiza anualmente na Europa desde 1956, deveria ter acontecido em maio de 2020, em Roterdão, mas a União Europeia de Radiodifusão, por considerar que não estavam reunidas condições para a sua realização devido à pandemia da covid-19, decidiu adiá-la um ano.
As semifinais da 65.ª edição do Festival Eurovisão da Canção estão marcadas para os dias 18 e 20 de maio e, a final, para o dia 22 do mesmo mês.
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