Na quinta-feira, Vicente Alves do Ó estreia nos cinemas a longa-metragem “Amadeo”, sobre Amadeo de Souza-Cardoso, um dos mais importantes pintores modernistas do início do século XX, sendo este o terceiro ‘biopic’ que o realizador assina, depois de “Florbela” (2012) e “Al Berto” (2017).
Em “Amadeo”, interpretado pelo ator Rafael Morais, Vicente Alves do Ó concentrou-se em três momentos que considera cruciais na vida do pintor: 1911, em Paris, onde tem um ateliê e priva com artistas como Modigliani e Picasso e conhece a mulher, Lúcia Pecetto; 1916, em Amarante e no Porto, onde expõe “numa cidade extremamente conservadora”; e em 1918, ano em que morre vítima de uma doença altamente contagiosa, conhecida como “gripe espanhola”.
“Isto é a minha visão como homem, como artista, como ‘outsider’, diante desta personagem que morre aos 30 anos e que deixou uma obra importantíssima para a arte moderna portuguesa”, sublinha Vicente Alves do Ó, de 52 anos, em entrevista à agência Lusa.
Sobre Amadeo de Souza-Cardoso, o realizador disse que queria pôr no filme “um manancial de emoções” – “a dúvida, o medo, a mentira, a arrogância, a vaidade” -, para lá da visão académica sobre o pintor, que o entende “de uma forma impoluta, quase exacerbando o seu lado heroico”.
“Ele é um homem cheio de contradições. É um homem que hoje em dia seria cancelado. Pinta aqueles quadros, mas é fã das touradas, extremamente religioso, um católico fervoroso, monárquico, muito consciente da sua classe social. Hoje em dia seria uma personagem complexa e eu gosto dele nessa amplitude toda”, considerou o realizador.
Para compor este filme de época, com produção da Ukbar Filmes, Vicente Alves do Ó socorreu-se do acervo e materiais que estão depositados na Fundação Calouste Gulbenkian, contactou ainda com familiares, teve apoio de especialistas sobre a obra do pintor e leu dezenas de cartas de Amadeo de Souza-Cardoso.
Além de Rafael Morais no papel de Amadeo, o filme conta com as participações de Ana Lopes, Lúcia Moniz, Raquel Rocha Vieira, Ricardo Barbosa, Manuela Couto e ainda de Rogério Samora, que morreu em 2021, e Eunice Munoz, que morreu em 2022.
“Amadeo” chega aos cinemas portugueses mais de três anos depois de ter sido filmado.
A rodagem aconteceu no final de 2019, escassos meses antes da pandemia, e a estreia acabou por ir sendo adiada por causa dos confinamentos e por questões de calendário.
Em declarações à Lusa, o ator Rafael Morais recuou a 2019 para lembrar que a preparação para o filme incluiu uma residência em Amarante com o elenco, “essencial para criar relações”, para discutir a obra do pintor e para leituras conjuntas da correspondência.
“Outra parte muito importante da pesquisa foi a Gulbenkian, que abriu muito amavelmente os cofres para ver as obras, os materiais de pintura e os diários. Esse foi um dos momentos mais importantes e marcantes. Quase sentia uma energia, é quase esotérico, essas coisas são importantes, tocar os instrumentos que ele tocou”, recordou.
Para Rafael Morais, o mais importante foi captar “o lado sonhador dele, o lado não conformista. […] O Amadeo estava na constante procura de si próprio, de uma identidade que em Portugal da altura era muito rara”.
Vicente Alves do Ó acredita que Amadeo de Souza-Cardoso, que tinha experimentado caricatura e estudado arquitetura, era, aos 30 anos, “um homem ainda em formação e a descobrir-se”.
“Tenho a convicção de que ele ia acabar no cinema. A pintura não lhe ia chegar. […] O movimento, a velocidade, está tudo nos quadros. […] É um homem que poderia acabar como realizador de cinema”, especulou.
Vicente Alves do Ó estreia “Amadeo” nas salas de cinema, mas tem já outra longa-metragem rodada, intitulada “Malcriado”, e um romance a sair em breve, “Que a vida nos oiça”.
SS // TDI
Lusa/fim
Comentários