“O Governo só tem um objetivo que é aprovar, definitivamente e de uma vez por todas, em Portugal, um estatuto para os profissionais do setor da Cultura”, afirmou Graça Fonseca aos jornalistas à margem da conferência "Cultura, Coesão e Impacto Social", no âmbito da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), a decorrer em Serralves, no Porto.
A proposta atual resulta de um “longo trabalho” de muitos meses e foi feito, pela primeira vez, “não num gabinete, mas por todos de forma aberta, participada, frontal e sincera”, referiu.
A governante disse que a consulta pública vai “naturalmente” trazer novos contributos e propostas e, mediante essas, vão prosseguir as reuniões com as diferentes entidades do setor.
Graça Fonseca acredita “convictamente” que esta é uma “oportunidade única” de, em muitos anos, se poder aprovar o Estatuto dos Profissionais da Cultura, porque foi feito um trabalho em que “todos estiveram sentados”.
O atual período pandémico tornou “muito mais visível”, desde logo, a necessidade de existir um regime contributivo e de proteção social diferente para todos os que trabalham no setor da Cultura, sublinhou.
“Tudo faremos para com todos aprovar um estatuto que seja adequado à realidade e que corresponda às necessidades que, há muitas décadas, estão identificadas e às quais precisamos de ter respostas”, concluiu.
Na audição na comissão parlamentar de Cultura e Comunicação, na terça-feira, Graça Fonseca elencou algumas das especificidades do decreto-lei que cria o Estatuto dos Profissionais da Cultura, como a fiscalização dos "falsos recibos verdes" e proteção social para os que, "no período de criação artística, não desenvolvem trabalho para qualquer entidade".
O Estatuto dos Profissionais da Cultura, aprovado em Conselho de Ministros a 22 de abril, abrange as áreas do registo profissional, do regime laboral e do regime contributivo.
Sobre o regime laboral, Graça Fonseca explicou que o estatuto prevê a existência de contratos de trabalho, contratos de prestação de serviços e "a presunção de existência de um contrato de trabalho adaptada ao setor cultural".
Os contratos de trabalho contarão com "novos conceitos" e "flexibilização de determinação" do que é local e tempo de trabalho de um profissional da Cultura, abrangendo, por exemplo, ensaios, preparação e pós-produção.
Os contratos de prestação de serviços, "pela primeira vez regulados neste âmbito", disse, contarão com "prazos supletivos para o pagamento dos serviços realizados e para o cancelamento de espetáculos".
"Enquanto medida de combate aos falsos recibos verdes", explicou Graça Fonseca no parlamento, estabelece-se ainda "um regime próprio para a fiscalização e regularização das situações que configurem falsas prestações de serviços".
Sobre a proteção social, a ministra afirmou que serão abrangidos "todos os profissionais do setor da Cultura inscritos no registo profissional", e inclui "aqueles que, no período de criação artística, não desenvolvem trabalho para qualquer entidade", dando o exemplo de "um dramaturgo enquanto escreve uma peça de teatro".
Segundo o Inquérito aos Profissionais Independentes das Artes e Cultura, feito pelo Observatório Português das Atividades Culturais, apenas 16% dos inquiridos disse ter atividade cultural inscrita na Inspeção-Geral das Atividades Culturais.
"O registo dos profissionais não é uma mera listagem, mas um instrumento para conhecer melhor o setor", disse Graça Fonseca aos deputados, na terça-feira.
Em matéria de proteção social, a ministra recordou que o estatuto cria o direito dos trabalhadores a um "subsídio por suspensão de atividade artística" com prazo de garantia de 180 dias, e concessão por três a seis meses.
Os trabalhadores a partir dos 55 anos podem beneficiar deste subsídio durante um ano.
Finalmente, as taxas contributivas "serão suportadas pelos trabalhadores, mas também por todos aqueles que os contratam". "É criada a figura da retenção na fonte, transferindo a responsabilidade do pagamento das taxas contributivas para todos aqueles que os contratam", disse Graça Fonseca.
O Estatuto dos Profissionais da Cultura está em elaboração desde meados de 2020, quando o Governo anunciou a criação de um grupo de trabalho interministerial, que ouviu diversas associações representativas da Cultura.
Quando da aprovação em Conselho de Ministros, várias associações da Cultura alertaram para o risco de uma decisão prematura do estatuto profissional, sem o debate de todas as suas componentes, e de poder vir a reforçar a precariedade, sobretudo por não atender ao caráter de intermitência do trabalho no setor.
É sobre o regime contributivo e apoios sociais que as entidades representativas da Cultura têm mais dúvidas sobre o que ficará definido.
Numa audição parlamentar em abril, as associações e sindicato alertaram para a desadequação à realidade de algumas das medidas, como o subsídio de suspensão de atividade.
Levantaram ainda dúvidas sobre a proposta de conversão de cachês em dias de trabalho, para acesso aos subsídios, que colocaria a estimativa de rendimento mensal líquido nos 1.097 euros, quando o Inquérito aos Profissionais Independentes das Artes e Cultura, encomendado pelo próprio Governo, revelou que cerca de metade dos trabalhadores do setor tem um rendimento mensal líquido abaixo dos 600 euros.
"Temos toda a abertura para alterar [o Estatuto]", disse a ministra da Cultura, na terça-feira, no Parlamento. "Sim, foi feito um trabalho complexo, difícil, que exige diferentes perspetivas, desejos, vontades, mas é importante que seja feito. Existe interesse, vontade, abertura para mudar e adequar o que foi necessário", sublinhou.
Depois da consulta pública do decreto-lei, o plano do governo é "ter uma proposta para depois do verão, para voltar novamente a discuti-la com as entidades e levá-la ao Conselho de Ministros para cumprir o prazo de dezembro de 2021", elencou Graça Fonseca.
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