Autora de “Segredos da Descolonização de Angola” (maio de 2013), o segundo livro de Alexandra Marques, “Deixar África (1974-1977)”, chega terça-feira às livrarias e nesta obra de investigação escreve sobre o trauma dos portugueses durante o processo em Angola e Moçambique.
“O que os documentos mostram é que poder-se-ia ter feito de outro modo”, afirma Alexandra Marques, que cita provas em como as Nações Unidas disponibilizam apoio logístico para retirar os portugueses, quando a guerra civil entre os três movimentos de libertação angolanos se inicia.
“E Portugal recusa. Os governos pós-25 de Abril recusam porque isso iria dar uma má imagem ao novo regime. Percebe-se que se poderia ter seguido talvez outros caminhos. Não era inevitável que fosse da maneira que foi, tanto em Angola como em Moçambique”, acrescenta.
O poder saído da revolução de 25 de Abril, que derrubou o regime colonial queria acelerar o processo de descolonização.
“Era preciso acelerar e entregaram-se os territórios de uma forma bastante célere. E nesse processo, temos que ver que isto durou de a seguir ao 25 de Abril até à última Independência, a de Angola, em novembro de 1975, portanto, é um ano e meio. Num ano e meio nós descolonizamos e foi feito realmente muito depressa”, considera.
À pergunta se seria possível outro tipo de descolonização, responde que é polémico.
“Essa é a questão mais polémica, porque 50 anos depois, vir dizer que seria possível… Enfim, todos os capitães de Abril e todos os envolvidos que pertenciam ao MFA [Movimento das Forças Armadas] na altura, e os próprios partidos políticos, claro que alegam que esta foi a descolonização possível. E que não se poderia ter feito de outro modo”, reconhece.
Depois de “Deixar África (1974-1977)” – uma adaptação da sua tese de doutoramento em História Contemporânea pelo Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Lisboa, em que Alexandra Marques se propôs examinar porque foi o êxodo da descolonização “sentido e descrito por muitos portugueses naturais ou residentes de Angola e em Moçambique como uma experiência psicologicamente dolorosa” -, a investigadora anuncia uma terceira obra.
“Isto será quase que uma trilogia. Haverá um terceiro [livro] em que eu irei abordar exatamente como foram os primeiros anos após a chegada [a Portugal] para estas pessoas”, antecipa.
Além dos aspetos traumáticos que apresenta na sua segunda obra, Alexandra Marques aborda, nas declarações à agência Lusa, refere aspetos positivos da chegada dos portugueses que viviam em Angola e em Moçambique.
“E um dos aspetos positivos é o facto deles, no fundo, identificarem-se como luso-africanos, porque a maior parte deles diz: ‘Eu sou português, mas também sou angolano ou moçambicano’ e o facto de terem arriscado”, considera.
Muitos já tinham investido nas duas antigas colónias e voltaram a fazê-lo à chegada a Portugal “na área de negócio que tinham lá, como eletrodomésticos, restauração, cafés, oficinas, vendas de automóveis”.
“No fundo acabaram por, com o dinheiro que tinham trazido, alguns deles, outros pediram empréstimos e refizeram a sua vida, vieram dinamizar em muito a economia” portuguesa, defende.
Além do impulso que deram à economia portuguesa, contribuíram para mudar as mentalidades da antiga metrópole.
“As roupas coloridas, as festas, a música, o convívio das esplanadas, Portugal começa a mudar como o Fernando Dacosta disse, e bem, eles vieram realmente mudar muito Portugal”, exemplifica.
“Foi um choque cultural. Com uma mentalidade muito mais livre. A sexualidade era diferente. Não só na sexualidade, mas nos hábitos de higiene porque, devido ao clima, era hábito tomar um ou vários duches por dia, e quando eles chegam isso constitui um motivo de conflito, não só nos hotéis como nos albergues por gastarem muita água. Mesmo nas casas de família, eram muito censurados porque gastavam muita água”, acrescenta.
À semelhança de outros investigadores, como Rui Pena Pires, Alexandra Marques defende que a chegada dos que viviam em Angola e Moçambique consolida o então nascente regime democrático em Portugal.
A chegada a Portugal contribui ainda para alterar positivamente os índices de alfabetização e de literacia.
Em 1981, em Portugal, quase um terço da população com mais de 30 anos era analfabeta e entre os portugueses que chegaram de Angola e Moçambique apenas 5%, dos que tinham mais de 30 anos, não sabia ler nem escrever.
“Porque a esmagadora maioria da população que vivia em África, vivia em cidades. Todas as cidades, as capitais de província em Moçambique e Angola tinham um liceu. A escolaridade era feita até ao antigo 7.º ano do liceu, o 11.º ano de hoje”, explica.
Alexandra Marques, que nasceu em 1968, em Lisboa, foi jornalista de política nacional e europeia de 1991 a 2014.
*por Eduardo Lobão, da agência Lusa ***
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